06 março 2020

E se o Superman tivesse vivido na União Soviética?

"Superman: Entre a Foice e o Martelo" ("Red Son") chegará ao Brasil em blu-ray e serviços de streaming (Fotos: Divulgação)

Jean Piter Miranda


Já pensou como seria a vida do Superman se ele tivesse crescido na União Soviética e não nos Estados Unidos, como a gente conhece em sua história original? Bem, essa realidade alternativa já foi apresentada aos fãs em 2003, escrita por Mark Millar, que integra a série de quadrinhos "Superman: Red Son" ("Superman: Filho Vermelho", em tradução literal). Agora, uma animação chega em blu-ray e em serviços de streaming para mostrar mais um universo paralelo do principal super-herói da DC Comics. No Brasil, a versão ganhou o nome de "Superman: Entre a Foice e o Martelo", mas ainda não tem data confirmada de estreia.


O Superman comunista é apresentado criança, quando ainda esconde seus superpoderes do mundo. Sua melhor amiga o convence a usar seus dons para a defesa do Estado e para o bem do povo soviético. Daí então tudo começa acontecer bem rápido. O filho da URSS se torna uma celebridade, um ícone, um grande servo do governo de Joseph Stalin, a quem o kriptoniano serve com lealdade. 


Stalin é um dos personagens reais que aparece na história. E, claro, não precisa fazer muito esforço para localizar que tudo se passa durante a Guerra Fria. Período pós-Segunda Guerra Mundial, em que as nações estavam divididas em uma disputa ideológica entre dois modelos econômicos: o capitalismo e o comunismo. A princípio, isso parece nortear a trama da animação. Mas logo isso se perde. 


O roteiro acelera acontecimentos, deixa outros bem superficiais e pouco convincentes. Mais do que o super-herói, o Superman se torna o governante da URSS. Do outro lado da disputa, Lex Luthor. Os dois modelos econômicos se chocam e provocam mudanças em todo o mundo, principalmente na corrida armamentista. Os personagens principais vão alternando ações de nobreza e justiça com atos irresponsáveis e pouco inteligentes, dando um equilíbrio à trama. 

O que parecia uma crítica aos comportamentos humanos logo se inclina para um dos lados. Se no início havia uma tendência de qual dos lados era o certo - comunismo ou capitalismo -, do meio da animação em diante, a visão dos autores fica bem clara. E tudo ganha cara de propaganda. Nada mais fica convincente. 


Batman entra na história, sempre muito bem preparado. Enfrenta o Superman de uma forma que já foi mostrada em outras adaptações. Não há surpresa alguma. Mulher Maravilha tem participação importante e o Lanterna Verde não acrescenta muito. É gente demais pra pouca história. É muito incremento para um resultado bem superficial. Não deixa de ser uma obra bem criativa. Mas não tem encanto. É pra assistir e esquecer dez minutos depois. 


Quem leu os quadrinhos vai notar que o final ficou muito diferente. O que é sempre esperado, pra trazer surpresa. Mas o diferente dessa vez é sinônimo de cortes, de ausência. Dá uma sensação de incompletude. A versão da HQ tem proposta crítica à humanidade e posição praticamente neutra sobre política. A animação não. Em tempos de extremismo e polarização, "Superman: Entre a Foice e o Martelo" é bem desnecessário. 


Ficha técnica:
Direção: Sam Liu
Produção: Warner Bros. Animation / DC Entertainment 
Distribuição: Warner Bros. Pictures
Duração: 1h25
Gêneros: Animação / Aventura / Ficção
País: EUA
Classificação: 10 anos
Nota: 2,0 (0 a 5)

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05 março 2020

"Você Não Estava Aqui" convida o público a pensar sobre a chamada "uberização" do trabalho

Produção, em parceria entre Reino Unido, Bélgica e França, é dirigida pelo premiado Ken Loach (Fotos: Joss Barratt/Divulgação)

Mirtes Helena Scalioni


Do alto dos seus 83 anos de idade - talvez por isso - o britânico Ken Loach não costuma deixar pedra sobre pedra quando se trata de crítica social. Depois de colocar o dedo na ferida com "Eu, Daniel Blake", de 2016, sobre a via sacra insana de um trabalhador em busca de um simples seguro-desemprego, o diretor sacode o espectador com "Você Não Estava Aqui", filme que tem o poder de deixar o público paralisado e sem ação ao final da sessão. 


É um tapa na cara seu chamado à reflexão. "Para onde caminham as relações de trabalho nesses novos tempos?" - parece perguntar o longa, que trata do que se convencionou chamar de "uberização". Em tempos de hipervalorização do empreendedorismo e da meritocracia, Loach não foge do assunto e, de forma contundente, quase agressiva, deixa no ar: será que há esperanças?


O diálogo entre Richy Turner (Kris Hitchen) e Maloney (Ross Brewster), no início do filme, dá o tom do que estaria por vir. O primeiro é um desesperado candidato a um emprego, desfilando qualidades, se oferecendo ao sacrifício como um pedinte. O segundo é gerente de uma empresa de entregas, usando o já conhecido discurso: "Você não será empregado, mas parceiro/colaborador; você será seu próprio patrão/empreendedor; aqui não há horários nem regras". 


Ex-operário da construção civil, Richy Turner tem orgulho de ser trabalhador. Vive no subúrbio numa cidade no Norte da Inglaterra com a mulher Abbie (Debbie Honeywood), dedicada e incansável no seu árduo ofício de cuidadora de idosos. Com dois filhos - Seb e Liza Jane - o casal tem planos de comprar uma casa e melhorar de vida. Mas Seb (Rhys Stone) é um típico adolescente rebelde e parece perceber, antes de todos, que o pai se tornou um escravo. Não de um patrão, mas do sistema. Mais infantil, Liza (Katie Proctor), por sua vez, reage de outra forma à ausência dos pais. 


"Você Não Estava Aqui" (inexplicável tradução para o título original "Sorry We Misses You") é um nítido convite à reflexão e parece perguntar: Qual o valor do trabalho? O que significa ser um autônomo? Quais são os seus direitos? A tecnologia está a favor de quem trabalha ou de quem manda? O que será da chamada classe menos favorecida nesses tempos contemporâneos?

Enfim, Ken Loach mostra que a tão falada precarização do trabalho não é apenas um discurso. É um alerta para os que ainda sustentam algum sinal de humanidade.
Direção: Ken Loach
Classificação: 14 anos
Distribuição: Vitrine Filmes
Duração: 1h40


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