30 agosto 2020

9ª Mostra Ecofalante de Cinema aborda as dificuldades dos indígenas e grupos minoritários


Estarão disponíveis online e gratuitamente, até 20 de setembro, 98 filmes nacionais e internacionais (Fotos: Mostra Ecofalante de Cinema/Divulgação)


Carolina Cassese


“Temos que aprender a ser índios antes que seja tarde. O encontro com o mundo indígena nos leva para o futuro, não para o passado”. A frase de Eduardo Viveiros de Castro, renomado antropólogo brasileiro, foi dita em 2017, na Flip. Desde então, a situação dos povos indígenas no Brasil se tornou ainda mais crítica.Com a agenda do atual governo federal, as invasões de terras por garimpeiros e madeireiros se intensificaram, enquanto órgãos como a Funai e o Ibama, que deveriam garantir a proteção dos índios e do meio ambiente, estão sendo desmontados. Nos primeiros quatro meses de 2020, o desmatamento na Amazônia brasileira atingiu um novo recorde - dado extremamente preocupante considerando que em 2019 diversos incêndios se proliferaram na região.


Diante deste contexto, agravado por uma pandemia que escancarou as desigualdades e colocou em xeque o sistema predatório em que estamos inseridos, a Mostra Ecofalante de Cinema, apresenta sua nona edição, que desta vez será online, reunindo títulos que abordam não apenas as questões indígenas e ambientais, mas também a luta pelo direito dos negros, das mulheres e dos LGBTQ+s. São 98 filmes na disputa de duas competições, além de debates e exibição de clássicos, que estarão disponíveis gratuitamente até 20 de setembro. Os participantes poderão também contribuir para causas sociais e ambientais.

O Cinema no Escurinho contará em duas partes um pouquinho sobre três filmes do catálogo que abordam a causa indígena e o meio ambiente - além de outras pautas caras à sociedade contemporânea. O primeiro será "Acqua Movie", de 2019, que disputa com "Amazônia Sociedade Anônima" o prêmio na categoria longa-metragem Competição Latino-Americana. Leia sobre as outras duas produções na sequência 9ª Mostra Ecofalante de Cinema - Povos e territórios em cena.


Acqua Movie

Dirigido por Lírio Ferreira, o longa acompanha a viagem realizada por Duda (Alessandra Negrini) e seu filho, Cícero (Antonio Haddad Aguerre). O percurso foi proposto pelo garoto, que quer levar as cinzas do pai, Jonas (Guilherme Weber), falecido recentemente, para o sertão de Pernambuco, sua terra natal. Além de ser um road movie que explora a relação entre os dois, "Acqua Movie" é um retrato importante do Brasil contemporâneo.

Duda é uma documentarista etnográfica, que trabalha especialmente filmando a Floresta Amazônica. Ela precisa dar uma pausa nas filmagens para realizar a viagem com seu filho. Durante o trajeto (de São Paulo até Pernambuco), Duda para na estrada para falar com alguns moradores da região e procura Zé Caboclo (Aury Porto), um índio que ela quer entrevistar. Em seguida, Cícero comenta: “Não sei o que você vê nos índios. Eles vivem pedindo esmola, atrapalhando a vida dos outros”.


A protagonista replica: “Onde você aprendeu esse absurdo? Espero que não tenha sido na escola, né?”. Em seguida, a câmera se direciona para um animal que está comendo um caderno. O diretor coloca em questão um ensino que, muitas vezes, conta a história a partir do ponto de vista hegemônico, sem abordar o fato de que tribos indígenas precisam atualmente resistir, com bastante dificuldade, a uma matança provocada pelos poderosos.

Pouco se aprende ainda sobre as funções da Funai e a importância do processo de demarcação de terras. Ao chegarem ao sertão, Duda e Cícero se reencontram com a família de Jonas, que comanda a região. O tio, Múcio (Augusto Madeira), é o prefeito de Nova Rocha. Ele, que defende uma política assassina contra os índios da região, logo presenteia Cícero com um canivete (que ainda tem um adesivo verde e amarelo colado). Considerando a força do discurso do “patriota cidadão de bem”, que precisa se defender dos “bandidos” com armas, o objeto é extremamente simbólico.

É preciso destacar a primorosa direção de fotografia, realizada por Gustavo Hadba, que dialoga muito bem com a narrativa. A água é um elemento presente desde a primeira cena do filme e é consideravelmente impactante quando vemos que a antiga cidade de Rocha atualmente se encontra submersa. Ao longo da produção, é possível notar processos violentos em diferentes dimensões.


Assustada depois de alguns acontecimentos, Duda precisa urgentemente ir embora de Nova Rocha. Do meio para o final, a produção ganha fôlego e ficamos apreensivos, torcendo pela personagem principal. Quando a documentarista e seu filho finalmente encontram Zé Caboclo, o índio profere uma frase emblemática: “Quando perceberem que não se come petróleo e não há mais ar puro para respirar, talvez seja tarde”.

Do começo ao fim, o longa comove, prende a atenção e consegue, ao mesmo tempo, ser sutil e passar a importância do tema. Há ainda, reflexões sobre o luto, o lugar da família e os diferentes tipos de conhecimento existentes. Longe de querer apresentar uma solução única para tantos problemas, "Acqua Movie" coloca questões - de maneira poética e sensível.

Leia, na sequência, a crítica dos filmes “Território: Nosso Corpo, Nosso Espírito” e “Amazônia Sociedade Anônima” em 9ª Mostra Ecofalante de Cinema - Povos indígenas e Amazônia em cena


Ficha técnica - Acqua Movie
Direção: Lírio Ferreira
Produção: Chá Cinematográfico
Duração: 1h45
Gêneros: Ficção / drama
Classificação: Livre

SAIBA MAIS:
9ª Mostra Ecofalante de Cinema
Período: até 20 de setembro
Confira a programação completa no site: https://ecofalante.org.br/

Tags: MostraEcofalanteDeCinema, AcquaMovie, LirioFerreira, longametragem, florestaamazonica, mundoindigena, Amazonia, AlessandraNegrini, cinemanoescurinho

22 agosto 2020

"Power" aposta em droga que dá superpoderes para salvar roteiro sem novidades

Nova produção da Netflix tem o premiado Jamie Foxx no elenco como um ex-soldado buscando vingança (Fotos: Netflix/Divulgação)

Silvana Monteiro


Um filme de muita ação policial, efeitos visuais e uma mensagem sobre o poder da mulher negra e a força da amizade. Este é "Power" ("Project Power"), uma das mais recentes produções originais da Netflix. O título, que ocupa o primeiro lugar entre os mais vistos desde sua estreia, em 14 de agosto, é centrado especialmente em três atores, dois neles negros - Jamie Foxx e Dominique Fishback.

Ela é Robin, uma adolescente pobre, ótima em criar letras de rap, que vive entre o dilema de estudar e encontrar uma forma de ganhar dinheiro para levar comida pra casa e comprar remédios para a mãe. Nessa busca pela sobrevivência, como acontece com muitos jovens de periferia, ela é "adotada" pelo tráfico e passa a vender pelas ruas de Nova Orleans uma pílula misteriosa - a Power.


Robin conta com o apoio do primo Newt, vivido pelo rapper Machine Gun Kelly.  Mas o que a menina trafica não é uma droga qualquer.  A pílula é capaz de dar superpoderes diferentes a cada pessoa durante 5 minutos. O usuário pode adquirir desde uma superforça a se transformar numa tocha humana, ficar invisível, congelante ou ter uma pele impenetrável por balas de revólver ou que muda como a de um camaleão. Mas esses poderes também podem ser fatais. 

O ator branco que completa o trio principal é Joseph Gordon-Levitt (que também está em "7500" - confira a crítica no blog). Ele interpreta Frank, um policial amigo da menina que usa a Power para adquirir poderes que vão ajudá-lo na captura dos traficantes da droga e a reduzir a criminalidade e mortes na cidade provocadas por ela.


O roteiro de Mattson Tomlin (também responsável pela nova versão de Batman, com Robert Pattinson, prevista para estrear em 2021), deixa a desejar pela desconexão em pontos cruciais da história. A entrada de Art, vivido pelo ganhador do Oscar Jamie Foxx, minimiza um pouco essa lacuna. Ele é um ex-soldado que passou por experiências em laboratório e teve a filha Tracy, interpretada por Kyanna Simpson, sequestrada pela máfia do Project Power. Este é o mesmo grupo que o usou como cobaia em experimentos para criar supersoldados, assim como fizeram com o Capitão América (2011).


Art encontra em Robin uma forma de descobrir o paradeiro da filha e acabar com os responsáveis pelo projeto. Os pontos altos da produção são a conexão entre os dois, a descoberta do quartel do Project Power e a maravilhosa interpretação de Dominique Fishback. A jovem tem um desenvolvimento espetacular no filme e segura boa parte da trama, com representatividade forte do poder da mulher negra.


O ator brasileiro Rodrigo Santoro entrega um vilão caricato, mas convincente. Ele é Biggie, uma espécie de marqueteiro do Project Power, e protagoniza o grande embate da história contra os "não tão mocinhos" Foxx e Gordon-Levitt. É no encontro dos três que ocorre uma das grandes transformações provocadas pela pílula e onde a computação gráfica faz todo o trabalho.


Os efeitos especiais garantem a agilidade que o filme precisa para quebrar o clima criado pelos dramas do trio principal, que envolvem abandono, perdas e vícios. Mas pode frustrar o telespectador que espera a grandiosidade de uma superprodução, como as encontradas nas franquias da Marvel Studios e DC Comics. Descubra quais são os verdadeiros poderes revelados em "Power" e tire suas próprias conclusões.Mas o final deixa a entender que poderá haver uma continuação.


Ficha técnica:

Direção: Henry Joost e Ariel Schulman
Exibição: Netflix
Duração: 1h53
Classificação: 16 anos
Gêneros: Ficção / Policial / Suspense / Ação
País: EUA

Tags: PowerTheMovie, ProjectPower, Netflix, forçadamulhernegra, superpoderes, JamieFoxx, JosephGordon-Levitt, DominiqueFishback, ação, policial, ficção, cinemanoescurinho, cinemaescurinho