Filme, indicado ao Oscar 2017, é uma jornada de amor e poesia em alta velocidade (Fotos: TGV Movie/Divulgação)
Mirtes Helena Scalioni
Pode ser que os mais viajados saibam, mas o natural é
recorrer ao Google para conferir a sigla: TGV significa, em tradução livre,
“trem de alta velocidade” - em francês, Trains à Grande Vitesse. Daí se explica
o nome do filme, na verdade um curta-metragem, “La femme et le TGV”. O resumo:
mulher se apaixona pelo maquinista do trem que passa diariamente pela porta de
sua casa. Essa produção suíça de apenas 30 minutos é, acima de tudo,
um filme que tem ritmo próprio e peculiar, com uma forma diferente, natural, de
contar uma história, por mais estranha ou bizarra que ela possa parecer. Esse
jeito de narrar torna-se quase um personagem de tão importante.
A entrada dos outros poucos participantes da narrativa vão
ajudando a revelar, devagar, detalhes da vida de Élise Lafontaine (Jane
Birkin), que vive sozinha, tem um filho que mora em outra cidade, e aprendeu com
a mãe a saudar, da janela de casa, a passagem do trem. Sempre agitando uma
bandeirinha na mão. Em outra cadência, talvez o curta não resultasse no que
resultou, nem surtisse o mesmo efeito. Tudo parece ter sido pensado para que o
público se interessasse paulatinamente e se envolvesse carinhosamente com
aquela mulher de meia idade que vive numa minúscula vila suíça próxima de
Zurique.
Desde o início, dá para ver que ela tem um trabalho na sua
boulangerie, mas que o principal objetivo da sua vida é saudar o trem, que
passa duas vezes por dia pela sua porta. Além da veterana e sempre impressionante Jane Birkin, outros
atores e atrizes passam pela tela, sempre a serviço da história de Élise. Estão
lá Julie Dray, como a professora de dança; Manuela Biedermann, como Charlotte;
Gilles Tschudi, como o maquinista Bruno; Lucien Guignard, como Jacques...
Ao terminar o filme, na hora dos créditos finais, que é feita
de uma forma muito bonita e original, lembrando painéis de estações de trem,
aparecem fotos da verdadeira Élise Lafontaine, em cuja história o curta se
baseou. O único senão de tudo fica por conta das legendas, cheias de erros de
português e de grafia, além da tradução péssima. Sinal de descaso, apesar de o
curta, produzido em 2016, ter sido indicado ao Oscar no ano seguinte. Trens e estações costumam ser universalmente símbolos ricos
de vida e morte, chegadas e partidas. No caso do filme, isso não foge à regra.
Mas como se trata de uma história inspirada num fato, o diretor Timo von Gunton
encontrou um jeito poético para falar de solidão, abandono, buscas e encontros.
Alguém já disse que “La femme et le TGV” é curto e essencial como um conto.
Podíamos acrescentar que é belo, contundente e cortante como um conto.
Definitivo e sutil.
Ficha técnica: Direção: Timo von Gunton Exibição: Amazon Prime Duração: 31 minutos País: Suíça Gênero: Drama
Tags: La Femme Et Le TGV, Timo von Gunton, TGV, curta-metragem, indicado ao Oscar, Jane Birkin, drama, Amazon Prime, Suíça, solidão, Elise Lafontaine, Cinema no Escurinho
Robert Pattinson é uma das atuações de destaque da produção, ambientada
entre o final da Segunda Guerra Mundial e a do Vietnã (Fotos: Glen
Wilson/Netflix)
Jean Piter Miranda
A religião destrói vidas de muitas formas e na maior parte do tempo ninguém vê isso. Talvez essa seja a essência do filme “O Diabo de Cada Dia”, do diretor Antonio Campos, disponível na Netflix. O longa é uma adaptação do livro escrito por Donald Ray Pollock - "The Devil All The Time", no original. A história gira em torno da família de um veterano de guerra, um casal que comete assassinatos em série e um falso pregador.
A história se passa em cidades pequenas do interior dos Estados Unidos, e se inicia mais ou menos no fim da década de 1940, durante a Segunda Guerra Mundial. Willard Russell (Bill Skarsgård) volta da guerra, se apaixona por uma garota, se casa e tem um filho.
Arruma trabalho e segue com o sonho americano de ter uma família feliz. Mas os problemas que aparecem fazem grandes estragos na vida deles. E a busca cega por soluções por meio da fé acaba não funcionando e só pioram tudo.
Em uma história paralela, Carl Henderson (Jason Clarke) se casa com Sandy (Riley Keough) e os dois cometem assassinatos em série por puro prazer. Sandy, por sinal, é irmã do xerife Lee Bodecker (Sebastian Stan), um policial corrupto.
Na segunda fase do filme, o filho de Willard, Arvin (Tom Holland), já quase adulto segue morando com os avós em outra cidade. E lá são introduzidos os personagens Roy Laferty (Harry Melling) e Preston Teagardin (Robert Pattinson), dois pregadores. Roy, aparentemente perturbado. Preston, claramente mau-caráter. Ambos vistos como bons homens pela comunidade.
A princípio, tem-se a impressão de que as histórias estão desconexas. O esperado é que se liguem ou, pelo menos, se cruzem em algum momento. E é o que acontece. O filme tem um narrador onipresente e onisciente, que vai guiando o espectador. Não há joguinhos de mistérios nem quebra-cabeças para intrigar quem assiste. Tudo é muito claro, simples e direto. Isso não é ruim. Ao contrário, é um dos pontos positivos do longa.
Em todas as histórias temos a morte como componente, ou a falta dela. O que fazem ou deixam de fazer em nome de Deus, sempre, claro, com objetivos bem egoístas. Destaque para a atuação de Robert Pattinson como um pregador inescrupuloso. Ele rouba todas as atenções quando está em cena. Tom Holland atua de forma consistente e faz com que o público esqueça que ele é o Homem-Aranha.
São várias as mortes no filme e muita violência, boa parte dela motivada por vingança, que atrai mais vingança. Assim como abismo atrai abismo, as histórias vão se ligando, de forma bem estruturada e convincente. O diretor não cria absurdos para unir os dramas. A narrativa convida o espectador a torcer para que os pecadores sejam punidos.
O diretor não se propõe a dar um final feliz para trama, nem é moralista a ponto de fazer com todos os crimes sejam julgados e penalizados. Uma característica que a gente vê em muitos filmes norte-americanos onde, no fim, quem comete crime, não importando o motivo, acaba sendo punido. Em "O Diabo de Cada Dia", ninguém parece ser herói, muito menos santo. Todo mundo tem seus erros e seus crimes e pra quase tudo há justificativa.
As atuações estão ótimas. O elenco é brilhante e conta ainda com as participações de Mia Wasikowska, Haley Bennet e Eliza Scanlen. É o tipo de filme que divide opiniões. Ou gosta ou não. Dificilmente vai ter meio termo. Não é uma obra prima, mas é bem bom, bem acima da média pra quem vê com boa vontade.
Ficha técnica: Direção e roteiro: Antonio Campos Exibição: Netflix Produção: Netflix / Nine Stories / Max Born Duração: 2h18 Classificação: 16 anos País: EUA Gêneros: Suspense / Drama