18 fevereiro 2021

"Berlin Alexanderplatz" é o drama contemporâneo perfeito adaptado de um clássico da literatura

Filme foca na trajetória de um imigrante ganês que busca um futuro com dignidade no continente europeu (Fotos: Frederic Batier Sommerhaus/Filmproduktion)

Wallace Graciano


Se você chegou a esta crítica pelo Google procurando pelo termo "Berlin Alexanderplatz" no buscador, deve ter estranhado que as primeiras respostas não retratavam a película alemã lançada em 2020 (e que entra em cartaz nos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (18), mas, sim, ao livro de quase um século atrás. 
 
E sim, o filme no qual vamos comentar hoje é baseado no clássico romance homônimo de Alfred Döblin. Porém, agora, a estrutura de outrora é condensada em uma narrativa contemporânea, que traz o drama e as facetas que envolvem a trajetória de um imigrante neste Século XXI.


A película nos apresenta Francis (Welket Bungué), um imigrante ganês que foi resgatado em meio ao drama que envolve quem tenta sair de um país assolado por conflitos sociais e desigualdade em busca de um futuro minimamente digno. Ainda refém de suas lembranças do passado, ele chega à Alemanha sem documentos, prometendo aos céus que será um homem leal e em busca de um caminho honrado.


Como boa parte de seus pares, ele trabalha ilegalmente em uma metalúrgica de Berlim, onde descobre que suas promessas e juras aos deuses dificilmente serão cumpridas, já que passa por diversas provações e dificuldades para ter o mínimo de possibilidade de ascender à dignidade buscada.

 
Em uma delas, especificamente, é traído pelos seus companheiros de trabalho (também ilegais) ao tentar salvar um deles de um destino trágico. Abandonado à própria sorte, opta por aceitar o convite de um traficante, Reinhold (Albrecht Schuch), que dias antes tinha ido ao alojamento onde estavam baseados para convidá-los para o submundo do crime.

É neste momento que a vida de Francis tem uma reviravolta. De promessas quebradas a um novo nome (é rebatizado por Reinhold), o protagonista passa a encarar sua pessoalidade. A partir desse momento, o drama e a catarse passam a coexistir em uma racionalidade objetiva de um cenário que enuncia a tragédia contemporânea.


Tudo, claro, por meio de um roteiro consistente, que evita que as quase três horas de filme fiquem morosas. Parte disso deve-se à excelente atuação de Schuch, que parece caricata a quem vê de primeira, mas se entrega a um personagem intimidador e sedutor em várias camadas. A ele soma-se a estética do brilho da noite contemporânea das grandes metrópoles, contrastada com o bucolismo do dia durante o inverno/outono europeu, em sua maioria através de planos longos.


O autor deste relato não leu a obra original, mas sentiu durante as três horas de "Berlin Alexanderplatz" um filme impactante, que intimida ao te trazer para a tragédia anunciada da vida de milhões de imigrantes em meio ao cenário caótico do abandono aos apátridas. 
 

Ficha técnica:
Direção:
Burhan Qurbani
Roteiro: Burhan Qurbani, Martin Behnke
Duração: 1h23
Distribuição: A2 Filmes
Países: Alemanha / Holanda
Classificação: 16 anos
Gênero: Drama

17 fevereiro 2021

Arrastado, unindo ficção e realidade, “Nona: Se Me Molham, Eu Os Queimo” promete, mas não diz a que veio

Josefina Ramirez faz uma atuação com dignidade e talento a protagonista (Fotos: Vitrine Filmes/Divulgação)

Mirtes Helena Scalioni


Qualquer pessoa minimamente interessada em cinema fica imediatamente curiosa ou interessada ao ler a sinopse de "Nona: Se Me Molham, Eu Os Queimo" (“Nona, si me mojan, los quemo”), filme chileno em coprodução com Brasil, França e Coreia do Sul. Ou seja: não se trata de uma empreitada qualquer. A estreia está prevista para quinta-feira (18) nos cinemas.

“Aos 66 anos, Nona decide finalmente se vingar de seu ex-amante e comete um atentado que a obriga a fugir para que não seja presa. Depois de se estabelecer em uma cidade costeira do Chile, um incêndio de grandes proporções obriga seus vizinhos a deixarem suas casas, mas estranhamente sua moradia é a única a não ser afetada”.


Mas, verdade seja dita: “Nona...” não é um filme fácil de ver. Arrastado, arrastadíssimo, parece, a princípio, um filme caseiro. Na verdade é, pelo menos em parte. A diretora, Camila José Donoso, que também assina o roteiro, mistura ficção com vídeos domésticos de sua avó real, Nona, mulher misteriosa e guerreira que militou na resistência da ditadura de Augusto Pinochet.

Acontece que esses filmetes são talvez utilizados em excesso, em várias situações, e sempre por longos períodos de tempo. Outro detalhe: cenas que poderiam ser facilmente resolvidas com começo e fim se alongam infinitamente no miolo, no processo, sem nenhuma necessidade. Além de distrair, desconcentra o espectador. Cansa.
 
 
O que salva no longa chileno é a atuação de Josefina Ramirez, que faz com dignidade e talento a protagonista Nona, de quem o espectador fica sabendo pouquíssimas coisas: que gosta de dançar, que costuma mentir, que é meio dissimulada, quase bipolar. E que aprendeu, na ditadura, a fabricar artesanalmente e com certa destreza, coquetéis molotov capazes de fazer grande estrago em um carro, destruir casas ou de tocar fogo em florestas.
 

Chama atenção também a participação – pequena, mas marcante para nós, brasileiros – de Du Moscovis, que entra meio sem aviso nem explicação, atua quase como um figurante de luxo, aumentando ainda mais as dúvidas do espectador. Há coisas no filme que o público desconfia, mas não consegue ter certeza quando termina a
história. Para os que gostam desse tipo de jogo, "Nona: Se Me Molham, Eu Os Queimo" é um prato cheio.

Por uma questão de justiça, registre-se também a atuação dos demais que aparecem no filme: Gigi Reyes, Paula Dinamarca e Nancy Gomez, além de outros, não atores, com participações irrisórias. Fora Josefina Ramirez e Du Moscovis, ninguém mais se destaca na trama.
 

Pode ser que os cinéfilos mais ligados nos chamados filmes de arte apreciem o longa e toda a simbologia que há embutida nele. Mas não se trata de uma trama fácil de ser assimilada. Ao final da história, o espectador fica sabendo, concretamente, que Nona se muda de Santiago para a cidade costeira de Pichilemu, vive sozinha numa casa relativamente grande e com quintal cheio de plantas, e que, entre outros detalhes, convive relativamente bem com os constantes incêndios na sua vizinhança. Mais do que isso, impossível.


Ficha técnica
Direção e Roteiro:
Camila José Donoso
Distribuição: Vitrine Filmes
Países: Chile / Brasil / França / Coreia do Sul
Duração: 1h26
Classificação: 12 anos
Gêneros: Documentário / Ficção