19 março 2021

"Druk – Mais uma Rodada" leva aos cinemas o drama da bebedeira na vida de gente comum

 Produção dinamarquesa foi indicada aos prêmios de Melhor Diretor e Melhor Filme Internacional no Oscar 2021 (Fotos: Henrik Ohsten/Divulgação)

Jean Piter Miranda


“Casamento, batizado, formatura, aniversário e até chá de bebê, tô pronto pra beber”. Não é das citações mais inspiradoras. É de um hit sertanejo da dupla Humberto e Ronaldo, que ilustra bem a cultura brasileira. O povo aqui bebe em todo tipo de comemoração. Não há como separar festa de bebida alcoólica. E ao que tudo indica isso não é uma exclusividade do Brasil. O filme "Druk – Mais uma Rodada" mostra que na Dinamarca as coisas são bem parecidas.

O filme vai representar o país escandinavo no Oscar 2021 em duas categorias - Melhor Diretor e Melhor Filme Internacional. Dirigido por Thomas Vinterberg, chega dia 25 de março nas cidades onde os cinemas estão abertos e nas plataformas de streaming Now, Vivo Play, Sky Play, iTunes/Apple TV, Google Play e YouTube. 
 

"Druk" conta a história de um grupo de amigos, todos quarentões, que estão meio que enfrentando uma crise de meia idade. Martin (Mads Mikkelsen), Tommy (Thomas Bo Larsen), Nikolaj (Magnus Millang) e Peter (Lars Ranthe) são professores do Ensino Médio. Todos com vidas tediosas, tanto pessoais quanto profissionais. Um dia eles decidem testar uma tese de que com um pouco de álcool no sangue, diariamente, eles ficarão mais alegres, produtivos e criativos. E aí começa a bebedeira.

Os quatro amigos passam a beber um pouco todos os dias, inclusive em horário de trabalho. E sentem que estão mais soltos, mais vivos e até mais felizes. As aulas de cada um deles vão ficando com um astral diferente, tendo mais envolvimento e aceitação dos alunos. E a partir daí, eles vão promovendo encontros para registrar essas experiências. E, claro, nessas reuniões, aproveitam pra beber mais.


Não precisa ser um gênio para saber que uma hora isso vai dar ruim. O corpo vai se acostumando com a quantidade de álcool ingerida. Logo é preciso um pouco mais pra ter o mesmo efeito. A pessoa que bebe sempre acha que está no controle, meio que perde a noção de realidade e nem se dá conta dos problemas que estão chegando. E se seus melhores amigos estão na mesma situação, aí não tem nem como esperar ajuda. É cego guiando cego. Assim, os quatro amigos começam a ter encrencas no trabalho e na família.


"Druk" tá longe ser um filme moralista. Ele não coloca a bebida como vilã, nem põe glamour na cultura de beber para comemorar ou pra fugir de problemas. Nem tão pouco há um julgamento sobre as pessoas que bebem e perdem a linha. Há cenas que dão vergonha alheia, daqueles micos que a gente paga quando bebe demais. Seja adolescente ou adulto. E há situações em que se chega ao extremo e o prejuízo é bem maior. Vai do lamentável ao trágico.


Chama a atenção o fato de que o filme se passa na Dinamarca. Um país rico, de primeiro mundo. E, claramente, os personagens são de classe média alta. Como o álcool é uma droga legal, relativamente barata e muito acessível, o risco do alcoolismo também é maior. Para todos, de forma democrática. Mesmo com todas as diferenças, dá pra imaginar que "Druk" poderia ser feito tranquilamente aqui no Brasil, onde todo mundo conhece ou viveu uma história parecida.


As atuações são muito boas. Mads Mikkelsen está ótimo como sempre. É uma comédia dramática que põe a gente pra pensar sobre como o álcool está presente na nossa vida. Se isso é bom ou ruim e como estamos nessa. Não é um filme que faz apologia à bebida e também não faz campanha contra. Mas tem muita coisa ali que dá pra pegar e refletir. É acima de tudo, uma história sobre a vida de gente comum. Um filme que merece ser visto.


Ficha técnica:
Direção e roteiro:
Thomas Vinterberg
Exibição: Now / Vivo Play / Sky Play / iTunes/Apple TV/ Google Play / YouTube
Distribuição: Vitrine Filmes
Duração: 1h57
País: Dinamarca
Gêneros: Drama / Comédia
Nota: 5 (de 0 a 5)

17 março 2021

"Nomadland" - Seres humanos em trânsito

Frances McDormand interpreta Fern, uma mulher que após perder tudo, descobre pelas estradas um novo mundo de grandes histórias (Fotos: Searchlight Pictures/Divulgação


Carolina Cassese


“Eu trabalhei numa empresa durante 20 anos. Meu amigo Bill trabalhava para a mesma empresa. E… ele teve insuficiência hepática. Uma semana antes de se aposentar. O RH ligou para ele no hospital e disse: ‘Vamos falar sobre a sua aposentadoria’. Ele morreu 10 dias depois. Nunca teve a chance de usar o veleiro que ele comprou e ficou em sua garagem. E ele perdeu tudo. Então ele me disse antes de morrer: ‘só não perca tempo, garota. Não perca tempo’. Então me aposentei assim que pude. Não quero que meu veleiro esteja na garagem quando eu morrer. E não está. Meu veleiro está aqui no deserto”.


Em torno de uma fogueira, um grupo compartilha histórias de vida. Ouvimos de alguém que desenvolveu estresse pós-traumático após a Guerra do Vietnã e de uma pessoa que perdeu a mãe e o pai num curto intervalo de tempo. Em seguida, é a vez da mulher parafraseada acima. O que todos têm em comum é justamente o fato de terem decidido tirar seus respectivos veleiros da garagem. 
 

Baseado no livro homônimo de Jessica Bruder, o longa "Nomadland" é centrado na mudança de vida de Fern (Frances McDormand), uma mulher que, após ter a vida gravemente afetada pela crise econômica e perder tudo, decide morar numa van, se submetendo a curtos contratos de trabalho para poder conseguir alguma renda. A produção foi escrita, dirigida e editada por Chloé Zhao, jovem chinesa radicada nos Estados Unidos.
 

Logo nas primeiras tomadas, nos deparamos com paisagens de tirar o fôlego. O espectador se torna um companheiro de viagem de Fern: encaramos vastas locações e, em determinados momentos, sentimos um vazio - que não é necessariamente incômodo, mas sim ligado ao ato de contemplar.


Na obra, é possível observar diversos cruzamentos entre ficção e documentário. O segundo gênero se configura especialmente a partir da (ótima) escolha da diretora em escalar verdadeiros nômades para o elenco, que interpretam eles mesmos. Os diálogos, portanto, soam bastante genuínos, e, dessa maneira, podemos entender verdadeiramente a razão deles serem itinerantes. Nossa porta de entrada para esse mundo é Fern, uma mulher forte e bastante real, brilhantemente interpretada por McDormand.
 

O abandono é outro elemento importante a ser observado. Essas pessoas foram abandonadas pela sociedade, pelo Estado e, assim, passaram a ocupar espaços que também foram deixados. A partir de "Nomadland", descobrimos um Estados Unidos vasto, ainda pouco explorado, com riquezas inesperadas para oferecer. A solidariedade é uma delas.

Depois da crise

A precarização do trabalho é outro pano de fundo importante para a compreensão da realidade apresentada. Como defende a pesquisadora Vera Follain em seu livro "A Ficção equilibrista: narrativa, cotidiano e político", o mundo do trabalho voltou a ser narrado no cinema a partir das crises do neoliberalismo. "Nomadland" definitivamente se encaixa nesse grupo de filmes, especialmente porque boa parte do grupo retratado decidiu mudar de vida após a crise de 2008, responsável por desestruturar a vida de inúmeras famílias estadunidenses.
 

Em determinado momento do filme, o representante Bob Wells afirma: “Nós não apenas aceitamos a tirania do dólar, do mercado. Nós as abraçamos. Nós alegremente vestimos a sela da tirania do dólar e vivemos toda a nossa vida assim. Pensem como uma analogia a um burro de carga. Um burro de carga disposto a trabalhar até a morte e então ser colocado para fora. E é isso que acontece com muitos de nós. Se a sociedade quer nos abandonar, mandando a gente, burros de carga, pra fora, nós temos que nos unir e cuidar uns dos outros”.


O filme de Zhao deixa claro que isso é exatamente o que o grupo faz: cuidam uns dos outros. Todos seguem suas respectivas jornadas individualmente, o que não significa, de forma alguma, que estejam sozinhos. Cada um, dentro de sua própria jornada, encontra mãos estendidas no caminho. É um paradoxo pensar que essas pessoas que escolhem viver mais solitárias talvez estejam menos inseridas na lógica do hiperindividualismo do que quem vive em sociedade.
 
 
Ao ser perguntada por uma antiga aluna se ela é “homeless” (sem lar), Fern responde: “não sou sem lar, apenas sem casa. Não é mesma coisa, certo?”. Ao terminarmos o longa de Zhao, sabemos a resposta: não, não é a mesma coisa. "Nomadland" tem previsão de estreia nos cinemas brasileiros em 15 de abril.

Premiações

A produção já conquistou 20 premiações, entre elas Melhor Filme e Melhor Diretor no Globo de Ouro e Critic´s Choice Award de 2021. Além de seis indicações ao Oscar deste ano para os prêmios de Melhor Filme, Melhor Atriz (Frances McDormand), Melhor Direção (Chloé Zhao), Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Fotografia e Melhor Edição.

 


Ficha técnica:
Direção e roteiro:
Chloé Zhao
Produção: Fox Searchlight Pictures
Distribuição: Walt Disney Pictures
Exibição: 15 de abril nos cinemas
Duração: 1h48
Classificação: 12 anos
País: EUA
Gênero: Drama