31 março 2021

“Respiro”: para matar a saudade de um típico - e ótimo - filme italiano

Valeria Golino é a estrela desta obra de 2002 dirigida por Emanuele Crialese (Fotos: Divulgação)


Mirtes Helena Scalioni

 
O jeito de contar é escandalosamente italiano – e não apenas pelas paisagens exuberantes da ilha de Lampedusa, na Sicília. Mas a história é tão antiga quanto universal: sufocada pelo ambiente onde vive, mulher é considerada louca por almejar espaço e liberdade. Até Freud, dizem, criou a Psicanálise com base nos sintomas desse conflito. É nesse diapasão que transcorre “Respiro”, filme de Emanuele Crialese de 2002, que passa a integrar o catálogo do Belas Artes a La Carte a partir desta quinta-feira (1º de abril). 

Outros três filmes que também estreiam na plataforma de streaming são “Sonho Sem Fim”, que marca a estreia de Lauro Escorel como diretor; o clássico “O Grande Motim” (1935), dirigido por Frank Lloyd, e a comédia “O Palhaço do Batalhão” (1950), de Hal Walker.

"O Grande Motim" (Divulgação)

Vencedor do Grande Prêmio da Semana da Crítica e do Público no Festival de Cannes de 2002, “Respiro” traz a bela Valeria Golino como Grazia, mãe de três filhos com idades próximas a 15, 11 e 8 anos: Marinella (Veronica D’Agostino), Pasquale (Francesco Casisa) e Filippo (Filippo Pucilo).

Casada com Pietro (Vincenzo Amato), ela, assim como todas as mulheres do lugar, trabalha na limpeza de peixes trazidos do mar pelos homens da ilha. A vila de pescadores, aliás, é quase um personagem do filme, com seu mar translúcido, praias paradisíacas e penhascos de perder o fôlego.

"Respiro" (Divulgação)

Quando se fala em jeito de contar história, registre-se que “Respiro” talvez demore um pouco para engrenar por se ocupar muito da construção do clima do lugar: um maravilhoso e pacato litoral mediterrâneo, pescadores trabalhando, brincadeiras maliciosas – e até perigosas – de meninos, lambretas correndo em estradinhas pedregosas, almoços e jantares de famílias saboreando suas indefectíveis massas e molhos.

"Respiro" (Divulgação)

O público começa a entender que Grazia não é uma mulher como as outras daquela ilha quando ela decide, entre outras coisas, defender seus filhos contra tudo e todos, nadar nua e boiar ao sabor das ondas, sair de lambreta com a filharada toda a bordo ou libertar os cães presos num porão à espera do abate. 

Quando contrariada, avança sobre as pessoas, esperneia, se debate, num show que chamariam de histeria, e só sossega quando lhe aplicam uma injeção calmante. É de se esperar que tamanha rebeldia e mau comportamento resultem na decisão coletiva de internar Grazia numa clínica de Milão.

"Respiro" (Divulgação)

Como outros diretores italianos, Crialese também usa moradores da ilha como atores e atrizes coadjuvantes, o que enfatiza o clima de realidade e naturalidade do filme. Apenas Valeria Golino (ela foi a namorada de Tom Cruise em “Rain Man”) e os componentes de sua família no filme são profissionais. 

Estão todos impecáveis em seus papéis, do marido afetuoso que tenta compreender a mulher, aos filhos que querem protegê-la de suas atitudes libertárias, mas não conseguem esconder o sangue machista. A ideia só enriquece “Respiro”, cujo final, belo e surpreendente, o diretor foi buscar na tradição das festas religiosas italianas. Poesia pura.

"RESPIRO"
Ficha técnica
Direção: Emanuele Crialese
Exibição: Belas Artes a La Carte
Duração: 1h35
Classificação: 14 anos
País: Itália, 2002
Gênero: Drama


Fichas técnicas:
"SONHO SEM FIM"
Direção: Lauro Escorel
Exibição: Belas Artes a La Carte
Duração: 1h33
Classificação: 14 anos
País: Brasil, 1986
Gênero: Biografia 
Sinopse: A história de um dos pioneiros do cinema brasileiro, o gaúcho Eduardo Abelim, desde o início da carreira, no Rio de Janeiro, até as filmagens da Revolução de 1930. Para divulgar seus filmes, Abelim até fazia acrobacias de carros, dava aulas de ocultismo e dava orientações sobre assuntos místicos. "Sonho Sem Fim" levou o troféu Kikito em cinco categorias no Festival de Gramado 1985: Prêmio Especial do Júri, Melhor Figurino, Melhor Direção de Fotografia, Melhor Atriz para Marieta Severo e Melhor Atriz Coadjuvante para Imara Reis. "Sonho sem fim" também recebeu o prêmio de melhor filme do ano de 1986 da crítica cinematográfica do Rio de Janeiro.


"O GRANDE MOTIM" ("Mutiny On The Bounty")
Direção: Frank Lloyd
Exibição: Belas Artes a La Carte
Duração: 2h12
Classificação: 14 anos
País: EUA, 1935
Gênero: Aventura
Sinopse: O primeiro imediato Fletcher Christian lidera uma revolta contra seu comandante sádico, Capitão Bligh, nesta clássica aventura marítima, baseada no motim de 1788 da vida real. Indicado ao Oscar 1936 em oito categorias venceu apenas como Melhor Filme. Este foi o único filme a receber três indicações ao Oscar de Melhor Ator (Clark Gable, Charles Laughton e Franchot Tone), e, por causa disso, logo depois a Academia criou o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante, para garantir que essa situação não se repetisse.
 

"O PALHAÇO DO BATALHÃO" ("At War With The Army")
Direção: Hal Walker
Exibição: Belas Artes a La Carte
Duração: 1h33
Classificação: 12 anos
País: EUA, 1950
Gênero: Comédia
Sinopse: Alvin Corwin é o homem inferior no totem e vai de um acidente a outro em um campo de treinamento do exército na Segunda Guerra Mundial. Terceiro filme estrelado por Jerry Lewis e Dean Martin. Comédia de Hal Walker, que dirigiu Jerry Lewis e Dean Martin em outros sucessos, entre eles "O Marujo Foi na Onda".
 

Serviço:
Planos de assinatura com acesso a todos os filmes do catálogo em dois dispositivos simultaneamente.
Assinatura mensal: R$ 9,90 // Assinatura anual: R$ 108,90
Belas Artes a La Carte está disponível na Google Play, App Store e dispositivos Roku

30 março 2021

"A Despedida" faz chorar de emoção com boas interpretações, bela fotografia e trilha sonora com clássicos

Susan Sarandon e Kate Winslet são os destaques no drama sobre vida e morte dirigido por Roger Michell (Fotos: California Filmes/Divulgação)


Maristela Bretas


Prepare o lencinho para a estreia nesta quarta-feira (31/03) nas plataformas digitais do drama "A Despedida" ("Blackbird"), que reúne um elenco com interpretações envolventes, uma fotografia que encanta e uma trilha sonora perfeita. Dirigido por Roger Michell, o filme tem em seu elenco principal as premiadas com o Oscar Susan Sarandon e Kate Winslet dando show cada vez que aparecem. Não são poucos os momentos que levam as pessoas a ficarem com os olhos marejados graças a essas duas atrizes, que receberam um bom suporte com as atuações dos demais integrantes do grupo. 


Susan Sarandon é a peça chave do filme, no papel de Lily, uma mulher de quase 60 anos inteligente e espirituosa, que tem uma doença terminal. Ela se acha perfeita e por ter sido controladora a vida inteira decide quando e como será seu fim. Não quer que a família tenha pena de seu estado e que permaneça estruturada (o que nunca foi) após sua partida. Até na vida de sua melhor amiga Liz (Lindsay Duncan) ela interfere.


Lily e o marido Paul (Sam Neill) se preparam para um fim de semana com as filhas, o neto e companheiros das filhas, além de Liz.  Apesar de sua mobilidade prejudicada, Lily insiste em preparar tudo sozinha, numa comemoração de despedida, já que pretende antecipar sua morte com a ajuda do marido médico para não sofrer com a degeneração do corpo e da mente. Entre jantares, jogos de adivinhação e passeios na praia, a família vai tentando fingir que tudo aquilo é "normal".


Mas, à medida que as horas avançam, os dramas vão surgindo, assim como os segredos do passado e do presente. E é aí que entra o outro peso-pesado do filme, Kate Winslet, no papel da filha mais velha, Jennifer. Tentando sempre ser reconhecida pela mãe e um retrato dela, controla o marido e filho (ou pelo menos acha isso) e tem sérios conflitos com a irmã caçula Anna (Mia Wasikowska). 


Jennifer é uma mulher insatisfeita emocionalmente e sexualmente e no fundo, apesar de ter concordado com a morte prematura da mãe, não aceita e não se sente segura com a perda. Winslet está ótima no papel, quase irreconhecível com grossos óculos e usando roupas que a deixam com aspecto de uma mulher bem mais velha - está mais para irmã de Lily que para sua filha.


Outra que se sai bem no papel é Mia Wasikowska, uma mulher frágil, insegura, cheia de mágoas, que mantém uma relação instável com Chris (Bex Taylor-Klaus), uma jovem de comportamento adolescente, mas que segura a barra da companheira mesmo nos momentos difíceis. Mia e Winslet também entregam bons diálogos, especialmente quando Anna e Jennifer discutem a relação entre elas e com a mãe. 

Chama a atenção o fato de o pai sempre ficar de fora quando o assunto é relacionamento. Como se ele fosse apenas um coadjuvante da família. A força toda do filme está nas mulheres da família, especialmente nos conflitos, e os homens da trama são deixados de lado. Isso fica claro na postura de Paul, no casamento de Jennifer com Michael (Rainn Wilson) e na relação dela com o filho Jonathan (Anson Boon). Eles só ganham mais espaço no final, em parte por interferência de Lily, como sempre.


Sam Neill especialmente merecia mais destaque, uma vez que interpreta o marido apaixonado pela esposa, mas resignado por sua decisão, que o coloca como o responsável por planejar todo o procedimento médico. Sofre calado pelos cantos da casa, ao mesmo tempo em que tem de parecer seguro para dar o suporte à família para o que está por vir. 

O certo é que à medida que o fim de semana vai chegando ao final, o clima se torna cada vez mais tenso. O que antes era um acordo familiar passa a ser descartado pelas filhas e a despedida de Lily pode não ser tão pacífica como ela planejou.


Outro destaque de "A Despedida" é a bela trilha sonora, que conta com clássicos de Bach e Mozart, além de solos de violino e piano. Também a fotografia é um ponto alto. Apesar de ter poucas locações, com a maioria das cenas feitas dentro da casa, as externas são numa região a beira-mar com lindas praias e caminhos de pedra pela encosta que garantem boas imagens, inclusive do pôr do sol. 

Encantador e envolvente trata-se de um filme que faz pensar sobre morte e o que se leva dessa vida. Recomendo demais. "A Despedida" estará disponível para locação, no Now, iTunes, Google Play, Youtube Filmes, Vivo Play e Sky Play.


Ficha técnica:
Direção: Roger Michell
Exibição: Plataformas digitais para locação
Distribuição: California Filmes
Duração: 1h37
Classificação: 14 anos
País: EUA
Gênero: Drama
Nota: 4 (de 0 a 5)