26 maio 2021

Melancólico e intimista, “Alvorada” mostra os últimos dias de Dilma na presidência

Documentário estreia simultaneamente nos cinemas e nas plataformas de streaming dia 27 de maio (Fotos: Vitrine Filmes/Divulgação)

Jean Piter Miranda


Como foram os dias que antecederam a votação do “impeachment” no Congresso Nacional? Mais especificamente, como foram os últimos dias da presidenta Dilma Rousseff no Palácio da Alvorada? Isso é o que podemos ver em “Alvorada”, documentário dirigido por Anna Muylaert, de “Que Horas Ela Volta”(2015), e Lô Politi. A produção estreia nesta quinta-feira (27), nos cinemas e nas plataformas de streaming Now, Oi e Vivo Play. 

Que foi um golpe todo mundo sabe. O ex-presidente Michel Temer confessou. A autora do pedido de “impeachment”, Janaína Paschoal, também admitiu. Tem o áudio da conversa entre o ex-senador Romero Jucá (MDB) e o ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, admitindo que havia um “grande acordo nacional, com o Supremo, com tudo”. Vários outros deputados, dirigentes partidários, juristas e cientistas políticos disseram o mesmo. 


A então presidenta Dilma Rousseff não caiu por problemas de contabilidade (pedaladas fiscais), nem por ter cometido algum crime. Foi tudo uma farsa, um teatro para fingir que tudo estava sendo feito dentro da lei. 

Diferente de outros documentários em que há um narrador, em "Alvorada", as imagens vão sendo conduzidas por si só. A sensação é de que são os olhos de alguém dentro do Palácio da Alvorada, a residência oficial do presidente ou presidenta da República. O filme acompanha o dia a dia no Alvorada, com Dilma, seus assessores, ministros e apoiadores. Tudo é passado de um ponto de vista de dentro do Palácio. 

Ao longo do filme são apresentados trechos de diálogos entre ministros, assessores e a presidenta. Mas não há nenhuma conversa do tipo secreta que mostre estratégias de defesa ou articulações políticas para evitar o golpe. A grande novidade é o ambiente, o clima dos últimos dias de Dilma no governo. Algo que não foi exibido em outros documentários e reportagens especiais sobre o tema. 


“Alvorada” mostra os cozinheiros e faxineiros em suas rotinas. O povo da manutenção, os guardas e as secretárias. Os rostos anônimos de pessoas comuns sem os quais o Palácio não funciona. E só assim é que o expectador realmente se dá conta de que se trata literalmente de um Palácio, em proporções e dimensão. São centenas de pessoas trabalhando todos os dias no local. 

Outro ponto alto de “Alvorada” são as visitas que Dilma recebe, em atos de solidariedade. São muitos e muitos amigos, artistas, deputados, senadores, dirigente partidários, lideranças de movimentos sociais e sindicalistas se encontrando com a presidenta. O que mostra que embora ela tenha sido julgada individualmente, em momento algum ela esteve sozinha.

Muitos rostos conhecidos passam pelo Alvorada. Lula, Boulos, Chico Buarque e vários outros. A pessoa que acompanha a política mais de perto vai reconhecer as deputadas Maria do Rosário e Jandira Feghali, a senadora Kátia Abreu, os então ministros José Eduardo Cardozo e Aloizio Mercadante, e até mesmo os líderes sindicais e de movimentos sociais. 


Por vezes, Dilma conversa com a câmera. Fala de tudo um pouco. Inclusive sobre a sensação de estar sendo filmada o tempo todo. Conta histórias. Sorri. É uma produção, de certa forma, bem intimista. É muito sobre a presidenta e mais ainda sobre o Palácio. Até os acontecimentos externos são mostrados a partir de algum ponto do Alvorada, visto por TVs. 

O documentário não procura explicar como o golpe aconteceu, nem como a defesa de Dilma foi construída. Não fala sobre articulações políticas, negociações ou alianças. Mostra um misto de tensão e melancolia. Sensações que não passam, uma vez que todo mundo sabe o desfecho dessa história. E é por isso que ele é bom. Por mostrar os fatos sob um outro ângulo que as pessoas ainda não tinham visto.


Ficha técnica:
Direção: Anna Muylaert e Lô Politi
Exibição: cinemas e plataformas Now, Oi e Vivo Play
Produção: África Filmes / Dramática Filmes / Cup Filmes
Distribuição: Vitrine Filmes
Duração: 1h20
Classificação: 10 anos
País: Brasil
Gênero: Documentário  

24 maio 2021

"Fuja" é um suspense tenso, com bom elenco e um final que surpreende

Produção conta com as ótimas interpretações de Sarah Paulson e Kiera Allen como protagonistas (Fotos: Netflix)


Maristela Bretas


O tema da mãe que mantém o controle de um filho por meio da doença já foi explorado outras vezes no cinema e em séries de TV. Mas o diretor e roteirista Aneesh Chaganty soube fazer em "Fuja" ("Run") uma abordagem bem interessante, tensa e direta, que prende o espectador do início ao fim. E que fim! Em exibição na Netflix, o longa foca a história nas atrizes Sarah Paulson ("Vidro" - 2019 e "Oito Mulheres e Um Segredo" - 2018) e na ótima estreante Kiera Allen.


Paulson é Diane Sherman, uma mulher gentil com todos e um "modelo de mãe dedicada". Allen é a filha Chloe Sherman, paraplégica, que consegue levar uma vida quase normal com a ajuda de Diane, da cadeira de rodas e dos remédios que toma para os inúmeros problemas de saúde que tem - arritmia, diabetes, asma. As duas moram num local isolado, distante da cidade, ensino caseiro, sem telefone, celular e com uso de internet controlado.

Mas a adolescência chega e Chloe quer fazer amigos e conviver com pessoas de sua idade e frequentar uma faculdade. A mãe não gosta da ideia e faz o possível para continuar mantendo a filha sob seu domínio. A jovem começa a desconfiar do comportamento estranho dela quando descobre que um remédio receitado para a mãe está sendo dado a ela. A partir daí, as coisas começam a ficar tensas na casa e na relação das duas.


"Fuja" trabalha com essa relação de duas pessoas vivendo 24 horas juntas, evitando o máximo de contato com o restante do mundo, o que não é nada comum nem saudável. O longa deixa claro desde o início que há algo suspeito nesse "amor integral e absoluto" de Diane pela filha. A tensão vai crescendo a cada cena. Afinal, quem é a paranoica da história - mãe ou filha?

Kiera Allen entrega uma ótima atuação, passando para o público a angústia e o desespero nos confrontos com a mãe e na busca por liberdade. Seu maior desejo é deixar de estudar em casa e ser aceita em uma faculdade. A aflição dela em algumas situações, como a da bombinha de asma (quem é asmático conhece o sofrimento!) é angustiante. Um detalhe: A atriz é cadeirante na vida real, o que deu ainda mais veracidade ao personagem.


Como era de se esperar, também a interpretação de Sarah Paulson como a mãe é ótima. Uma mulher de olhar doce, mas assustador ao mesmo tempo. Em pequenos detalhes é possível perceber que ela esconde algo do passado e apresenta uma loucura prestes a explodir se contrariada. 

"Fuja" tenta explicar, sem amenizar, a Síndrome de Münchhausen, um transtorno mental que faz o paciente provocar doenças propositalmente em crianças para mantê-las sob o seu domínio. Apesar de algumas cenas serem previsíveis, como no caso da van e da farmácia, a história não perde o ritmo. O final surpreende e agrada, como deve ser um bom suspense, bem direto. Vale conferir.


Ficha técnica:
Direção e roteiro: Aneesh Chaganty
Exibição: Netflix
Duração: 1h29
Classificação: 14 anos
País: EUA
Gênero: Suspense
Nota: 4 (de 0 a 5)