22 setembro 2021

Sem tomar partido, “Aranha” fala de grupo fascista que sonhava com um Chile de extrema direita nos anos de 1970

O desempenho impecável do elenco nas duas fases é um dos grandes méritos da produção (Fotos: Pandora Filmes/Divulgação)


Mirtes Helena Scalioni


Pelo menos dois detalhes deixam claro que “Aranha” ("Araña"), filme do diretor chileno Andrés Wood, que entra em cartaz nos cinemas nesta quinta-feira, não veio para virar um blockbuster. O primeiro: em vez de narrar a história com começo, meio e fim, a direção optou por recortes, com idas e vindas, revezando cenas dos anos de 1970 e da atualidade. 

O segundo: o final, tão inusitado quanto inesperado, deixa no espectador um gosto de incompletude. Ambos são típicas características de um bom “filme de arte”, como querem alguns.


O roteiro, de Guilhermo Calderón, é interessante e curioso: no início da década de 1970, em pleno governo Allende, um grupo de extrema direita chamado Pátria e Liberdade (Patria y Liberdad) programa e comete atentados violentos em nome de um sonhado nacionalismo.

A ideia é matar o presidente Allende e combater o comunismo, dando apoio ao golpe de Estado do general Augusto Pinochet. Entre os mais atuantes dessa turma, estão os jovens Inés (Maria Valverde), Justo (Gabriel Urzía) e Gerardo (Pedro Fontaine), que vivem um conturbado e estranho triângulo amoroso.


Quarenta anos depois, um crime reaproxima os agora adultos Inés (Mercedes Morán), que se casou com Justo (Felipe Armas), e Gerardo (Marcelo Alonso), que reaparece depois de um longo sumiço. A reconstituição de época e figurinos, irrepreensíveis, são partes imprescindíveis da trama.

O desempenho impecável do elenco nas duas fases, que tem até participação de Caio Blat como Antonio, um dos líderes do movimento fascista, é um dos grandes méritos de “Aranha”, que às vezes se torna confuso graças à vertiginosa mudança de época. O trio principal, tanto na versão jovem quanto na maturidade, não deixa a peteca cair, evitando que o espectador se sinta tentado a julgar os três como bandidos. 


Principalmente Mercedes Morán, que faz uma Inés adulta acima de qualquer suspeita, interpretando uma empresária influente e poderosa. Logo no início do filme, como um aviso, o longa – uma produção de Chile, Argentina e Brasil - deixa claro que a violência faz e vai fazer parte dessa história.

Crimes, bombas, correrias, tiros, pichações, atritos e reuniões secretas são intercalados, com muita naturalidade, com as cenas calientes entre Gerardo e Inés, sempre deixando dúvida se a traição é aceita ou será vingada por Justo, o marido dela.


Interessante também é saber que Andrés Wood se tornou conhecido – e reconhecido - no Brasil principalmente por dois filmes: “Violeta foi para o céu” e “Machuca”. Tanto o primeiro, uma cinebiografia da cantora e compositora Violeta Parra, quanto o segundo, sobre a desigualdade social no Chile pós-golpe, são longas, digamos, de esquerda.

Em “Aranha”, o diretor mostra exatamente o outro lado da moeda. Não há, claro, nenhum julgamento. Mas não deixa de ser curioso, principalmente nesses tempos de polarização vividos praticamente em todo o mundo. Ou seria um alerta?


Ficha técnica:
Direção: Andrés Wood
Exibição: Una Cine Belas Artes - Sala 3 - sessão 14h30
Produção: Bossa Nova Films, Magma Cine, Andrés Wood Producciones  
Distribuição: Pandora Filmes
Duração: 1h45
Classificação: 16 anos
Países: Chile / Argentina / Brasil
Gêneros: suspense / crime

19 setembro 2021

"Suk Suk - Um Amor em Segredo” aborda com sensibilidade o tabu do amor homossexual na meia-idade

Os atores Tai-Bo e Ben Yuen desempenham com maestria seus pais no longa dirigido por Ray Yeung (Fotos: Vitrine Filmes/Divulgação)


Carolina Cassese


Logo nas primeiras cenas de “Suk Suk - Um Amor em Segredo”, longa que se passa em Hong Kong, o espectador completamente ocidentalizado se depara com cenários e costumes pouco familiares. Na medida em que a história avança, porém, conseguimos nos identificar bastante com aqueles personagens e, inclusive, perceber algumas semelhanças entre nossa cultura e a deles. O longa, distribuído pela Vitrine Filmes, está em exibição no Usiminas Cinema Belas Artes, com sessão às 17h40.

No filme escrito e dirigido por Ray Yeung, acompanhamos um romance entre Pak (Tai Bo) e Hoi (Ben Yuen). Quando os dois conversam pela primeira vez, descobrimos que Pak é um homem que trabalha dia e noite como taxista com a finalidade de sustentar sua família. Já Hoi é um aposentado que, após o divórcio, criou seu filho sozinho. Como o título indica, a relação que os dois irão estabelecer não será assumida. Isso se dá especialmente por causa de Pak, que ainda precisa manter as aparências para sua família. 


“Suk Suk - Um Amor em Segredo” aposta na contemplação e nos detalhes. A beleza dessa história não está em grandes revelações ou reviravoltas, e sim no desenrolar dessa relação tão bonita e crível. Os dois atores desempenham seus respectivos papéis com maestria: conseguimos embarcar naquelas histórias e compreendemos os pequenos dramas de ambos. 

Outro inegável ponto forte do filme é o quanto ele escapa de obviedades, até mesmo na escolha de seus protagonistas. Apesar do número crescente de narrativas protagonizadas por casais LGBTQIA+ (mesmo que ainda haja um longo caminho a ser percorrido), o tema da sexualidade durante a velhice ainda é um grande tabu. Como destacou o jornal The Hollywood Reporter, “o último bastião da sexualidade desconfortável poderia ser a admissão de que qualquer pessoa, mesmo perto da idade de aposentadoria, pode sentir desejo físico ou emocional”.


Em entrevista, o diretor da obra pontua que a geração dos protagonistas de “Suk Suk - Um Amor em Segredo” se sente particularmente reprimida, justamente porque observa um crescimento da comunidade LGBTQIA+ nos dias atuais, mas ao mesmo tempo não sente que pertence a esse movimento. “Hoje, em Hong Kong, a comunidade LGBTQIA+ é geralmente mais aberta e a sociedade aceita mais os direitos dos homossexuais. No entanto, os homens gays mais velhos não puderam desfrutar dessas mudanças devido a sua adesão a valores culturais tradicionais estritos e laços familiares próximos”.


Diferenças culturais à parte, sabemos que esse sentimento não está restrito aos valores da sociedade de Hong Kong. Debates entre gerações estão mais do que presentes na nossa sociedade, que também apresenta uma série de desafios extras para pessoas mais velhas. 

No final das contas, o filme de Ray Yeung é um convite para pensarmos sobre o tempo. Sobre como passamos os nossos dias e, principalmente, em como queremos viver os próximos. Muito bem escrito e dirigido, o longa definitivamente merece nossa atenção - e nosso próprio tempo.


Ficha técnica:
Direção: Ray Yeung
Exibição: Usiminas Cinema Belas Artes – sessão 17h40
Distribuição: Vitrine Filmes
Duração: 1h32
Classificação: 16 anos
País: Hong Kong
Gêneros: Romance / Drama