01 outubro 2021

Beleza, cores, intimidade e leveza fazem de “O Jardim Secreto de Mariana” um filme poético e reflexivo

Andreia Horta e Gustavo Vaz são os protagonistas do longa-metragem filmado em Brumadinho e no Museu de Inhotim (Fotos: Mariana Vianna/Palavra Assessoria)


Mirtes Helena Scalioni


Depois de “O Homem da Capa Preta” (1986), “Guerra de Canudos” (1997), "Zuzu Angel" (2006), "Em Nome da Lei" (2015) e “O Paciente O Caso Tancredo Neves” (2017) - só para citar alguns sucessos -, fica difícil reconhecer Sergio Rezende como diretor de “O Jardim Secreto de Mariana”, um filme sutil, intimista e – por que não? – romântico. 


As idas e vindas de um casal em busca de reconciliação, acerto de contas e consolidação de um amor que teima em não acabar, fazem da produção um momento de leveza e reflexão, embora haja, desde o início, uma violência suspensa no ar.

A partir do momento em que João (Gustavo Vaz) pega sua bicicleta e decide pedalar uma longa distância para procurar Mariana (Andréia Horta) com o objetivo de reconquistá-la, o espectador começa a entender, aos poucos, que eles formavam um casal perfeito até cinco anos antes, quando romperam abruptamente após ressentimentos e a impossibilidade de terem um filho.


Antes da separação, viviam numa espécie de paraíso próximo a Brumadinho, em Minas, entre verduras orgânicas e flores que eles próprios cultivavam quando não estavam se amando por todos os recantos da casa, perdidamente apaixonados.

A história de amor entre a botânica Mariana e o economista João vai sendo lentamente revelada ao público em flashbacks, como convém aos filmes modernos. Por algum mérito da equipe, as idas e vindas na trama não são tão vertiginosas como às vezes acontece, dando algum fôlego para que o espectador curta – de certa forma – as lindas cenas de flores coloridas, os trechos de aulas sobre a sexualidade e reprodução das plantas e as muitas DRs do casal. 


Alguns mistérios só são desvendados quase no final do filme. Embora possa ser considerado um romance, “O Jardim Secreto de Mariana” não tem nada de água com açúcar. As atuações corretas e precisas de Andréia Horta e Gustavo Vaz dão o tom do naturalismo que permeia todo o filme.

Participações luxuosas dos experientes Denise Wenberg como Linda, mãe da protagonista, e de Paulo Gorgulho como Zé Cristiano, pai de João, colaboram para que a dramaticidade seja mantida em alto nível. Merecem destaque o papel e a interpretação de Gorgulho, veterano ator que valoriza, na trama, a mineiridade dos lugares onde tudo acontece.


Como não poderia deixar de ser em se tratando de botânica e flores, a fotografia é quase um personagem do filme. As cenas filmadas no Museu de Inhotim, em Brumadinho (MG) e em Nova Friburgo (RJ) chamam atenção pela profusão de cores e o requinte dos detalhes.

Diferentemente das plantas, os humanos continuam se perguntando por que os relacionamentos acabam, quem é o culpado pelo fim, se feridas podem ser cicatrizadas e se o perdão é possível para a reconstrução de um amor. As questões, claro, permanecem abertas, já que, segundo insinua o diretor, todos temos, dentro de nós, um certo jardim - secreto e imprevisível – sobre o qual não temos qualquer comando.


Ficha técnica:
Direção: Sérgio Rezende
Produção: Morena Filmes / Arpoador Audiovisual / Globo Filmes
Distribuição: H20 Films
Exibição: Una Cine Belas Artes - Sala 2 - sessão 18h30
Duração: 1h25
Classificação: 14 anos
País: Brasil
Gêneros: Drama / Romance

24 setembro 2021

"O Silêncio da Chuva" chega às telas atualizado, sem perder a atmosfera de um policial clássico

Lázaro Ramos protagoniza o detetive Espinosa, personagem do livro de Luiz Alfredo Garcia-Roza e adaptado para o cinema (Fotos: Mariana Vianna)


Carolina Cassese


Estamos habituados a ver um Rio de Janeiro diurno e repleto de cores. No entanto, logo na primeira cena de "O Silêncio da Chuva" (2020), longa assinado por Daniel Filho, nos damos conta de que aquele cenário está muito mais sombrio do que de costume. O filme é uma das estreias da semana e está em exibição no Cineart Cidade.

Além da atmosfera misteriosa, apresentada para nós em tons de sépia, temos todos os elementos de um clássico policial: um provável assassinato, uma investigação, vários suspeitos que escondem muitos segredos, femmes fatales e uma dupla de detetives bastante entrosada. O filme protagonizado por Lázaro Ramos é uma adaptação do consagrado livro homônimo de 1996 escrito por Luiz Alfredo Garcia-Roza, que recebeu os prêmios Nestlé e Jabuti e foi publicado em nove países.


Além de Lázaro, que interpreta o conhecido detetive Espinosa, o elenco conta com nomes como Cláudia Abreu (que interpreta Bia, a viúva), Thalita Carauta (Daia, que compõe a dupla de detetives com Espinosa), Mayana Neiva (Rose, que era amante da vítima), Guilherme Fontes (Ricardo, o executivo morto), entre outros.

Podemos perceber que houve uma atualização do texto, escrito há 22 anos. A personagem de Daia é uma das que melhor exemplifica essa renovação, já que é uma mulher que integra a polícia. E ainda, não se sente impelida a esconder seus desejos. O próprio fato de o personagem principal ser negro já representa uma mudança significativa em relação ao livro original.


Para os que estão acostumados a ver filmes policiais, talvez "O Silêncio da Chuva" não pareça exatamente inovador. Um de seus diferenciais, no entanto, reside justamente no fato de que a produção não é hollywoodiana e apresenta elementos bastante brasileiros. Em entrevista ao site C7nema, Lázaro Ramos definiu o longa como um noir. 

“O Brasil, infelizmente, insiste em vender seu cinema para o público sem comunicar as especificidades de cada gênero. É como se ‘cinema brasileiro’ fosse um gênero em si, e não é. Este nosso filme tem uma cara e uma comunicação de gênero, e sem perder o jeito brasileiro de ser”, declarou o ator.


Sabemos que, no Brasil, o termo “policial” muitas vezes ganha conotações violentas: programas policialescos são aqueles que falam de crimes bárbaros, reportagens “policiais” muitas vezes são sensacionalistas… O longa de Daniel Filho, no entanto, não sucumbe à lógica "pinga-sangue". Por mais que algumas cenas sejam mais explícitas, a produção está longe de ser apelativa e tem muito mais o que oferecer.

Do começo ao fim, "O Silêncio da Chuva" é bastante eficiente em prender a nossa atenção. Repleto de boas atuações, o longa diverte na medida certa e, apesar de fazer uso de alguns arquétipos, não incorre demasiadamente em estereótipos. Que, daqui pra frente, o cinema brasileiro aposte em mais filmes ditos “de gênero” - temos sim muitos profissionais qualificados para contar novas histórias.


Ficha técnica:
Direção: Daniel Filho
Roteiro: Lusa Silvestre
Produção: Globo Filmes / Lereby
Distribuição: ELO Company
Exibição: Cineart Cidade - sala 1 - sessões às 16h40 e 20h40 // Una Cine Belas - sala 3 - sessão 20h10
Duração: 1h36
Classificação: 16 anos
País: Brasil
Gêneros: Drama / Policial