29 janeiro 2022

Lento e sem ação, “Ataque dos Cães” é um inesperado e brilhante faroeste dramático

Todo o elenco brilha, com destaque para Benedict Cumberbatch em uma de suas melhores interpretações (Fotos: Kirsty Griffin/Netflix)


Mirtes Helena Scalioni

Pode não ser verdade, mas já tem gente dizendo que o filme foi construído com a intenção de ser, no mínimo, um concorrente a Melhor Filme no Oscar 2021. Sombrio, dramático, enigmático e cheio de silêncios, “Ataque dos Cães”, em exibição na Netflix, foge dos clichês e consegue ser, ao mesmo tempo, faroeste e lento, além de ser um western que fala de homossexualidade. Mais paradoxal impossível. 

Experiente e respeitada, a diretora Jane Campion baseou sua obra num livro de 1967 chamado “The Power of the Dog” (“O Poder do Cão”, em tradução literal). O escritor, Thomas Savage, era autor de histórias de faroeste e sempre procurou esconder sua homossexualidade. Quem já assistiu ao filme sabe que isso faz todo o sentido.


Os irmãos Burbank – Phill e George – donos de uma grande fazenda em Montana nos anos de 1920, são como água e azeite. O primeiro, interpretado por Benedict Cumberbatch ("Doutor Estranho" - 2016), é violento, rude, ignorante. O segundo, em atuação de Jesse Plemons ("O Irlandês” - 2020), é doce, gentil e delicado. A partir daí, o conflito Caim/Abel começa a se desenhar. 


Principalmente quando George se casa com Rose Gordon (Kirsten Dunst, de "Estrelas Além do Tempo” - 2017), que traz a tiracolo seu filho gay Peter Gordon (Kodi Smit-McPhee, de "X-Men: A Fênix Negra" - 2019). Aqui é preciso um parênteses para dizer que todo o elenco está magistral, merecendo todos os prêmios por terem feito, na medida certa, personagens complexos e misteriosos. 

A ideia de levar o espectador, por um bom tempo, ao desconforto da dúvida, é plenamente cumprida. Nada é muito claro naqueles poucos diálogos e olhares.


Na medida em que os personagens são apresentados, “Ataque dos Cães” cresce ao mesmo tempo em dramaticidade. A lentidão, os longos silêncios e a falta de ação vão revelando a masculinidade tóxica de Phill, que insiste em agredir Peter até decidir transformá-lo num legitimo vaqueiro valente e macho.

O filme tem como partida o Salmo 22 que diz algo como “Salva a minha vida da espada/livra o meu ser do ataque dos cães”. Outra ideia que faz sentido no longa: ele é repleto de metáforas que esbarram na intimidade e nos segredos de cada personagem, na sexualidade e nos desejos reprimidos. Enfim, na diversidade e complexidade dos bichos internos de cada um.


Ficha técnica:
Direção e roteiro: Jane Campion
Exibição: Netflix
Duração: 2h06
Classificação: 14 anos
Países: EUA / Reino Unido / Austrália / Canadá / Nova Zelândia
Gêneros: Faroeste // Drama

27 janeiro 2022

"Fortaleza Hotel": Amizade e companheirismo em meio às problemáticas da vida

Clébia Sousa e Lee Young-Lan são as protagonistas deste drama nacional dirigido por Armando Praça (Fotos: Jorge Silvestre/Divulgação)


Marcos Tadeu


Momentos difíceis e de mudanças, de país, de vida, de relações, barreiras culturais e de idiomas. Mesmo com todas essas dificuldades, uma amizade sincera e solidária pode surgir. É com essa temática que estreia nesta quinta-feira nos cinemas o filme "Fortaleza Hotel", dirigido por Armando Praça.

Pilar (Clébia Sousa) é camareira do Hotel Fortaleza e tem o grande sonho de sair do Brasil e se mudar para Dublin, na Irlanda, em busca de melhores condições de vida. Na sua rotina diária de limpeza ela conhece Shin (Lee Young-Lan), uma hospede sul-coreana que veio para o Brasil buscar o corpo do marido e levar de volta para seu pais de origem. As duas, com suas diferenças e dificuldades semelhantes, começam uma amizade de solidariedade e superação. 


É válido destacar aqui a incrível atuação de Clébia Sousa, cuja personagem, logo no inicio do filme, mostra que é uma mulher determinada, forte, que sabe o que quer. Como na cena em que faz um treino de conversação em inglês para a entrevista que vai enfrentar na imigração da Irlanda. 

Pilar foi mãe aos 13 anos e teve que trabalhar muito cedo, conseguindo uma renda que dava apenas para sobreviver e não para viver seus sonhos. Teve também um namorado que nem é tão presente e como a própria Pilar diz, "uma filha que mais lhe dá problemas do que alegrias".


Diretamente da Coréia do Sul para o Brasil, temos Shin que precisou partir de sua terra, em condições desesperadoras, após descobrir o suicídio do marido, e vir para um país estranho para tentar entender o que aconteceu.

Pilar sofre com a filha que vive envolvida com traficantes e o mundo do crime até ser sequestrada. A partir daí, a camareira precisa conseguir, com urgência, o dinheiro para libertar a jovem com vida. 

Com Shin, os problemas não são menores. Ao tentar fazer um velório descente e enterrar o marido, descobre que a empresa em que ele trabalhava desviou dinheiro e se eximiu de qualquer responsabilidade, deixando assim a viúva sem dinheiro. 


A situação financeira é o que guia a desesperadora trajetória das duas personagens. Ambas estão tentando conseguir dinheiro para resolverem seus dilemas e essa narrativa é construída de maneira inteligente com o telespectador.

O destaque do filme está na forma como o diretor trabalhou as questões que envolvem os contrastes de realidades opostas, mas da mesma forma difíceis. E como isso é encenado, toda a mise-en-scène por trás da produção. 


Faltou, no entanto, mostrar mais do passado de Pilar, como aconteceu a gravidez, o relacionamento com o pai da menina e quem era ele. Também é superficial a abordagem sobre o marido de Shin, a chegada dele ao Brasil e a influência que tinha na empresa em que trabalhava.

“Fortaleza Hotel” é um filme que usa e abusa das diferenças para se completar. Pilar aprende com Shin e o mesmo acontece de maneira inversa. O companheirismo e a amizade se fazem presentes para juntas enfrentarem as circunstâncias da vida, por mais crua que ela seja.


Ficha técnica:
Direção: Armando Praça
Roteiro: Isadora Rodrigues, Pedro Cândido
Produção: Moçambique Audiovisual / Carnaval Filmes
Distribuição: Vitrine Filmes
Exibição: Nos cinemas
Duração: 1h17
Classificação: 14 anos
País: Brasil
Gênero: Drama