16 fevereiro 2022

"A Jaula" aposta na visão da sociedade sobre a violência nossa de cada dia

Chay Suede interpreta um ladrão de carros envolvido num jogo psicológico de tortura e sensacionalismo (Fotos: Reprodução)


Marcos Tadeu

Já parou para pensar como estamos sujeitos a ser assaltados cada vez que saímos às ruas? Como você reagiria ao assistir uma pessoa sendo torturada por uma "pessoa do bem"? "A Jaula", filme estrelado por Chay Suede e Alexandre Nero e dirigido por João Wainer, chega aos cinemas nesta quinta-feira levantando questões de políticas públicas, sensacionalismo da imprensa, a postura da polícia e como a sociedade vive à beira do espetáculo e da violência.

No longa, conhecemos Djalma (Chay Suede) que vê a oportunidade de "realizar" (roubar) um carro de luxo estacionado em uma rua tranquila de São Paulo. Após conseguir entrar no veículo blindado e tirar o som e até urinar no interior, a situação começa a mudar quando, ao tentar escapar, recebe a ligação de um renomado ginecologista (Alexandre Nero), que passa a controlar o ladrão à distância, fazendo dele seu prisioneiro.


O filme consegue explanar a visão de cada um dos envolvidos, principalmente Djalma, que passa por vários perrengues como fome, sede e ferimentos, precisando de cuidados. Porém, ninguém pode ouvir e ver do lado de fora do carro. 

Toda essa situação pode provocar um conflito de reações no público: sentir dó protagonista por estar em uma situação na qual entrou e não tem como sair? Ou gostar da suposta tortura imposta a ele por ser um ladrão?

Outro ponto que é colocado em pauta é a questão da justiça com as próprias mãos. O médico, interpretado por Alexandre Nero, tortura o bandido dentro de seu veiculo por causa das inúmeras vezes que sofreu algum ataque. Ele enfatiza em seu discurso como a “bandidagem” esta cada vez mais elevada e decidiu se prevenir dessa vez.  


"A Jaula" alfineta também os limites da "justiça" e dos direitos humanos e a posição de muitas pessoas de que eliminar um bandido seja apenas uma forma de deixar a sociedade mais limpa. 

A tecnologia do carro do ginecologista e como isso tem um efeito muito "Black Mirror" pode ser encarado como uma falha no enredo. Usar os recursos avançados do veículo como arma levanta uma questão: se cada pessoa fizer justiça com as próprias mãos, que rumo irá tomar a nação?


O ponto de vista da imprensa sensacionalista que gosta de vender o espetáculo do “médico que faz bandido de refém” também ajuda a contar a história, ainda que superficial. Cabe a Astrides um show a parte, como a apresentadora de um jornal do tipo policialesco, usando falas e expressões que incentivam o ódio, geralmente empregadas por homens colegas de profissão.

Por ultimo, não menos importante, temos a polícia e a personagem de Mariana Lima, que interpreta uma negociadora da Policia Federal. Ela tenta mediar a conversa entre o médico e o bandido e como essa negociação pode ser encarada pela população.


Porém, o que deixa mais a desejar em "A Jaula" é o fato de que nenhum dos personagens ganha um background, só vemos suas histórias no decorrer das ações no presente. Não há como defender o médico ou Djalma sem entender a própria história de cada um e o que fizeram para chegar exatamente naquele ponto. 

O suspense, um remake do filme argentino "4x4" (2019) dirigido por Mariano Cohn e Gastón Duprat, é um recorte extremamente falho que só levanta discussões sem aprofundá-las. Em nenhum momento o roteiro se preocupa em mostrar quais as reais motivações de cada um e o diretor não assume nenhuma postura. O resultado do trabalho, no entanto, fecha de maneira positiva.



Ficha técnica:
Direção: João Wainer
Distribuição: Star Distributions
Exibição: Nos cinemas
Duração: 1h20
Classificação: 16 anos
País: Brasil
Gênero: Suspense

10 fevereiro 2022

Drama turco de chorar, "O Violino do Meu Pai" peca pela longa duração

Engin Altan Düzyatan vive Mehmet, um violinista famoso com sérios problemas de relação familiar (Fotos: Netflix)


Silvana Monteiro


Os turcos sabem fazer drama como ninguém. Em "O Violino do Meu Pai" ou "Babamin Kemani" (título original), uma menina órfã e seu tio violinista são ligados de forma inesperada e obrigatória. O enredo explora as feridas e tragédias de cada personagem a fundo. 

Ao receber a notícia de que deve criar uma sobrinha, até então inexistente na realidade dele, Mehmet vai seguir em uma jornada de descobertas. O violino é o instrumento que o retira das sombras e da frieza, comuns à sua personalidade traçada na crença do abandono e da separação.


Estrelado por Engin Altan Düzyatan, que vive Mehmet, ator turco conhecido pela série "Kursun" (2019).  Além dele, Belçim Bilgin (protagonista de "Sadece Sen"), Gülizar Nisa Uray, Selim Erdoğan, Erdem Baş, Yener Sezgin e Yiğit Çakır completam o elenco.

Dirigido pela cineasta turca Andaç Haznedaroglu, o longa explora o lado emocional e psicológico da relação entre o tio Mehmet e a sobrinha Özlem. A menina (vivida por Gülizar Nisa Uray), órfã de mãe, perde também o pai (interpretado por Selim Erdoğan), músico de rua e de cerimoniais. Ela fica com o velho violino do pai e levada para um orfanato. A direção da instituição entra em contato com seu único parente, o célebre e traumatizado violinista Mehmet.


O filme é muito profundo quando revela a verdadeira história do lado sombrio e gélido do tio. O músico vai ser confrontado sobre seu passado e será levado a entender os motivos pelos quais sua família foi separada há muitos anos.

Esses momentos estimulam o perdão, o entendimento sobre o que foi e o que será e traz a música como um elo definitivo entre os protagonistas. Embora a produção seja extremamente comovente, o destaque vai para a interpretação faceira e o olhar vívido da linda e cativante e Gülizar. 


É notável o jogo de sentimentos entre o adulto e a criança, como se o mais velho precisasse do mais novo para elaborar suas dores. Nesse quesito, o roteirista pesou a mão, o que pode assustar certos telespectadores. 

Com uma linda fotografia e uma trilha sonora excelente de músicas clássicas, "O Violino do Meu Pai" o diretor peca ao tentar esticar a história a qualquer custo, em quase longas duas horas de duração. Prepare o coração e os lenços. É drama para mexicano nenhum botar defeito. 


Ficha técnica:
Direção: Andaç Haznedaroğlu
Exibição: Netflix
Duração: 1h52
Classificação: 12 anos
País: Turquia
Gêneros: drama / família