12 maio 2022

"Águas Selvagens" - drama policial sem ação e com poucos diálogos

A brasileira Leona Cavalli e o argentino Roberto Birindelli estão no elenco desta coprodução multinacional (Fotos: Imagem Filmes/Divulgação)


Maristela Bretas


Longas sequências e ótimas imagens aéreas como fundo para um assassinato a ser desvendado são os primeiros atrativos de "Águas Selvagens", coprodução entre Brasil e Argentina que estreou nesta quinta-feira no Una Cine Belas Artes. A região escolhida para locação do filme foi o Sul do Brasil, na fronteira com Argentina e Paraguai. E já seria um ótimo cartão de visitas para o filme, dirigido pelo argentino Roly Santos, baseado no livro  "El Muertito", do escritor Oscar Tabernise.


O longa conta a história do investigador particular e ex-policial Lúcio Gualtieri (o argentino radicalizado no Brasil Roberto Birindelli) contratato para  solucionar o assassinato de um morador influente numa pequena cidade argentina, na fronteira com o Brasil e Paraguai. Durante a investigação, ele acaba se envolvendo com uma rede de prostituição, tráfico de bebês e abuso sexual de crianças. Passa então a ser perseguido pela organização criminosa, colocando a sua vida e a das vítimas em perigo.

Contando assim, parece um filme eletrizante e o trailer também leva o espectador a essa conclusão. Mas "Águas Selvagens" é o contrário disso. Tem uma narrativa arrastada, com pouca ação para um filme que se classifica como policial - a primeira das duas cenas com tiros acontece após 1h23 e a segunda 26 minutos depois. E só. 

A trama explora mais a investigação, mas mesmo essa é cheia de furos mal explicados. O investigador Gualtieri, do nada, consegue uma pista de um fato que ele nem estava investigando. Não há uma explicação de como essa pista surgiu e assim como veio é esquecida ou a história não aprofunda. São vários crimes  levantados, mas apenas um é tratado até o final, mesmo assim de uma maneira bem fraca.


Apesar de ter uma boa proposta, especialmente por reunir atores de três países, o longa peca também nos poucos e curtos diálogos, intercalados com legendas em português para as falas dos intérpretes argentinos e uruguaios que dividem o elenco com alguns brasileiros. 

Entre eles estão Mayana Neiva (a misteriosa Rita Benitez, com quem Gualtieri se envolve), Leona Cavalli (que interpreta muito bem a prostituta Débora Shuster), Allana Lopes (a jovem prostituta Blanca), Luiz Guilherme (como o empresário Dalmácio Quiroga, que contrata Gualtieri para investigar a morte do irmão), entre outros. 


Do lado argentino, além de Roberto Birindelli, destaque para Juan Manuel Tellategui, como o garçom Fábian, muito importante na trama, e Daniel Valenzuela, como Fabro, um policial argentino corrupto. Por mais que o elenco se  esforce, a trama não consegue causar impacto. 

As cenas de lutas e de crimes também deixam muito a desejar. "Águas Selvagens" poderia ter focado em um tema e explorado melhor o assunto e o talento dos protagonistas, mas isso não aconteceu. Uma pena.


Ficha técnica:
Direção: Roly Santos
Produção: Laz Audiovisual / Romana Audiovisual / De La Tierra Produtora
Distribuição: Imagem Filmes
Exibição: Una Cine Belas Artes - Rua Gonçalves Dias, 1581 - Lourdes - sessões 16h20 e 18h20
Duração: 1h43
Classificação: 16 anos
Países: Argentina e Brasil
Gêneros: drama / policial

05 maio 2022

"Klondike - A Guerra na Ucrânia", um longa sobre mulheres, resistência e solidão

Oksana Cherkashyna é o destaque da produção interpretando Irka, uma ucraniana grávida vítima do conflito de seu pais com a Rússia (Fotos: Pandora Filmes/Divulgação)


Marcos Tadeu - blog Narrativa Cinematográfica


Angustiante, sem dúvida essa é a palavra que define "Klondike: A Guerra na Ucrânia", longa de Maryna Er Gorbach, ganhadora do Prêmio de Direção para filmes estrangeiros no Festival de Sundance e do Prêmio do Júri Ecumênico no Festival de Berlim deste ano. A obra, distribuída pela Pandora Filmes, estreia nesta quinta-feira em Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Brasília, Recife, Porto Alegre, Aracaju e Balneário Camboriú.

No filme, somos situados, no ano de 2014, na cidade de Donetsk, nas proximidades da fronteira entre Ucrânia e Rússia, onde vive o casal Irka (Oksana Cherkashyna) e Tolik (Sergey Shadrin). O território é palco de disputa desde o começo da Guerra em Donbas. A queda de um avião civil na região, abatido por mísseis e que deixou quase 300 mortos, deixa ainda mais tenso o casal que aguarda o nascimento do primeiro filho. Um rastro de tristeza e luto toma conta de todos.


É muito rica a construção do roteiro nas cenas iniciais de Irka e Tolik. Eles descrevem não só com palavras a questão do sonho ideal, mas também por seus papéis de parede com uma bonita praia de fundo. O início é um ponto forte do roteiro: ao mesmo tempo em que o casal sonha com a vida ideal, entra em choque com a chegada da guerra, com seus mísseis e explosões. Mesmo não mostrando claramente, apenas com o som do combate ao fundo da narrativa, é possível sentir que o sonho dos futuros pais começou a desabar.


Oksana Cherkashyna interpreta Irka com maestria e traz todas as suas camadas, principalmente por mostrar as dores e dificuldades, não só da gravidez, mas do contexto do caos instaurado ao redor. Sua dualidade é um fator que chama a atenção. Enquanto sonha em sair com seu marido daquele lugar e daquelas condições, ela também tem demonstra um forte sentimento de pertencimento. Mesmo a casa estando em total desordem, Irka ainda se preocupa em realizar tarefas básicas, como tirar a poeira e, de alguma forma, tentar reconstruir, aquele lar. 


Tolik, por outro lado, apresenta um lado quase racional. Mesmo não querendo ficar ali, ele não sabe lidar com os sentimentos da esposa. No desespero, tenta oferecer afeto de maneira quase brusca e quando sua esposa o rejeita, ele começa a beber. É a forma encontrada para lidar com os conflitos internos e externos e não estar sóbrio em meio a todo esse contexto cru escancarado pela guerra.

A trama começa a ganhar mais força quando o irmão de Irka, Yaryk (Oleg Scherbina), um contraste com Tolik, chega à casa do casal e desconfia que o marido de sua irmã esteja ligado a grupos separatistas pró-Rússia. Muitas vezes, Yarik chama o cunhado de traidor, trazendo para dentro de casa o conflito e disputa entre ucranianos e russos. O filme mostra que cada um tem suas razões e consegue que nos tornemos solidários com os irmãos, mas quem acaba enfrentando tudo sozinha é Irka.


Os aspectos técnicos do longa também reforçam a guerra, a solidão, a tensão por meio do designer de produção. A fotografia de Svyatoslav Bulakovskiy é cirúrgica ao capturar o clima frio e cortante desses sentimentos. 

Também temos a bela trilha sonora de Zviad Mgebry, que consegue captar clima sombrio e cru que a todo o momento deixa o telespectador angustiado pelos personagens que ali estão. O roteiro é também assinado pela diretora Maryna Er Gorbach que, em determinado momento conduz a câmera de forma suave para teletransportar o telespectador por aquele cenário.


O conflito

"Klondike - A Guerra na Ucrânia" nos mostra que o conflito entre Rússia e Ucrânia não é de hoje e nada mais é do que a decisão dos russos de mandar sua força militar para a região Leste do país vizinho para dominar vilas e cidades. Os rebeldes pró-Rússia chamaram a região de Dombas de Luhansk e República Popular de Donetsk. 

Mas o governo ucraniano afirma que os russos ocuparam o local e se recusa a negociar com qualquer república separatista. A Ucrânia chama os rebeldes de "invasores", enquanto a Rússia trata os separatistas de "milícia" em defesa de Kiev. 


Em meio a isso tudo, a força maior é a de Irka, com seu instinto de sobrevivência e de não deixar de seguir em frente, mesmo com a ameaça de ter seus sonhos desfeitos por uma guerra que ela não pediu e da qual não pode fugir. 

O que mais chama a atenção nesse cenário caótico é a falta de esperança e de perspectiva de mudança de vida. Fico pensando qual futuro terá aquela criança que está para nascer e como será criá-la? Esses são alguns dos questionamentos com os quais a diretora nos provoca. 

Trata-se de uma obra forte, com caráter de urgência a ser debatido, onde imperam o a guerra, o medo e, principalmente, a solidão. Torço para que todos esses aspectos chamem a atenção para outros grandes festivais e, principalmente, o Oscar. 


Ficha técnica:
Direção: Maryna Er Gorbach
Distribuição: Pandora Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h40
Países: Ucrânia / Turquia
Gêneros: drama / guerra