01 outubro 2022

“Duetto” apresenta trama sensível e ótimas atuações

Longa foi filmado no Brasil e na Itália, com elenco dos dois países (Fotos: Mariana Vianna/Imagem Filmes)


Carolina Cassese
Blog no Zint



Nome por trás de narrativas cinematográficas de variadas abordagens, como o terno "Caminho das Nuvens" (2003), o biográfico "Irmã Dulce" (2014) e "A Divisão" (2019), para citar alguns, o diretor Vicente Amorim retoma os trabalhos com "Duetto", filme que estreou nos cinemas nessa quinta-feira. 

Na verdade, o longa ítalo-brasileiro foi filmado em 2019, portanto, antes da pandemia, em São Paulo e, do outro lado do Atlântico, em cidades da região da Puglia, no sul da Itália, cuja beleza é evidenciada na tela. 


A trama, que se passa em 1965, tem início quando, após um momento de tensão com a mulher, Isabel (Maeve Jinkins), o personagem Marcelo (Rodrigo Lombardi) sofre um acidente de carro no qual perde a vida. 

A notícia da morte, claro, convulsiona a vida de sua filha, a jovem Cora (Luísa Arraes), e a da mãe, Lucia (Marieta Severo), que o tinha como único filho. Não sem antes culpar a nora pela tragédia, Lucia decide viajar de volta à sua terra natal na Puglia, levando consigo Cora.


Neste momento, a ação de fato se desloca para o país europeu, introduzindo atores italianos como Michele Morrone ("365 dias”), Elisabetta de Palo e Giancarlo Giannini. 

Ao chegar à sua cidade e rever a irmã Sofia (Elisabetta) e o cunhado, Gino (Giannini, que já trabalhou com diretores do naipe de Ettore Scola e Ridley Scott), Lucia esconde dos dois a notícia da perda do filho. 


Aos parentes, que comandam um restaurante com a ajuda de Carlo (Gabriel Leone), ela diz estar ali de passagem, apenas para resolver a venda da casa que as duas herdaram dos pais, visto que seu propósito seria seguir viagem para conhecer mais a Europa. 

No entanto, um entrave burocrático obriga Lucia a permanecer mais tempo por ali. Isso faz com que Cora possa, como desejava, desfrutar do festival de música que se desenrola por lá. E é justamente no evento que ela se encanta por um dos concorrentes, o cantor Marcello Bianchini (Morrone).


Enquanto os dois jovens se deixam envolver pela atmosfera do festival, o espectador tenta decifrar o motivo da tensão estabelecida entre Lucia, a irmã e o cunhado - que só é revelada do meio para o final da narrativa. 

A chegada de Isabel ao cenário, em busca da filha, é o acontecimento que faz com que não haja mais margem para mentiras. Frente a frente, Lucia e Sofia fazem um acerto de contas, revivendo mágoas e passando a limpo os acontecimentos que provocaram a ruptura da relação.


Um dos pontos centrais não é necessariamente um tema pouco explorado no cinema, mas nem por isso menos válido: como atitudes que tomamos em determinados momentos da vida são capazes de se propagarem em ondas que, para além de nossas próprias vidas, afetam de forma contundente a de muitas pessoas que estão no nosso entorno, muitas vezes mudando o curso da história delas de maneira definitiva. 


O outro é o ritual de passagem para a vida adulta, enfrentado por Cora. A culpa é definitivamente um sentimento que permeia toda a narrativa, já que muitos personagens parecem mergulhados em arrependimentos. 

Um acerto do filme é mostrar que as relações são de fato complexas e, ainda, como é difícil etiquetar as pessoas como apenas “boas” ou “más”.


Há mais eventos que se desenrolam paralelamente, como o mistério envolvendo o cantor Marcello Bianchini - um ocorrido que é deixado no plano das possibilidades. 

Do que se tem em tela, há uma história que, com as devidas nuances, está na órbita do familiar a todas as pessoas, conduzida por atores de gerações distintas.


Se não se trata de nenhuma surpresa no que diz respeito a Marieta Severo, fica a oportunidade de desfrutar do talento de Giannini e Elizabetta, visto com menos frequência por aqui. 

Sem contar as já citadas maravilhas da região da Puglia e outros atrativos, como música e figurino.


Ficha técnica:
Direção: Vicente Amorim
Produção: Nexus Produções
Distribuição: Imagem Filmes
Exibição: salas Cineart dos shoppings Cidade e Del Rey e no Cinemark BH Shopping
Duração: 1h42
Classificação: 14 anos
Países: Brasil e Itália
Gênero: drama

29 setembro 2022

“Marte Um”: de Contagem para o mundo, com esperança e afeto

É no personagem Deivinho e seu sonho de ser astrofísico que a história marca seu diferencial (Fotos: Embaúba Filmes)



Mirtes Helena Scalioni


O filme é meio triste, mas terno. Talvez se possa resumir assim o longa “Marte Um”, mais um trabalho produzido pela Filmes de Plástico, da turma de Contagem, desta vez dirigido por Gabriel Martins (“No Coração do Mundo” - 2019). 

Incensado pela crítica e aprovado pelo público, o filme foi pré-selecionado para representar o Brasil no Oscar 2023 depois de abocanhar prêmios em Gramado. 


Sem suspenses nem sustos, sem sequências de ação ou cenas de grandes reviravoltas dramáticas, a vida de uma família de negros da periferia da Região Metropolitana de BH é contada como se deve: naturalmente, sem enfatizar alegrias nem dores. Sem carregar nas tintas.


A família comandada por Wellington (Carlos Francisco, “Arábia” - 2017 e “Bacurau” - 2019) e Tércia (Rejane Faria, “No Coração do Mundo”) é como tantas outras na sua estrutura e cotidiano. Ele é porteiro e zelador de um condomínio de classe média alta, e ela é faxineira diarista. 

Ambos parecem cientes dos seus deveres e em paz com as limitações impostas pela dureza da vida. Os filhos - a jovem universitária de Direito Eunice (Camila Damião) e o menino Deivinho (Cícero Lucas) - vivem suas rotinas de escola, futebol, baladas, cervejas, estudos, paqueras, redes sociais e, claro, sonhos - de um jeito que parece equilibrado.


É no personagem Deivinho que a história marca seu diferencial. Como pode um menino negro e pobre querer ser astrofísico em vez de jogador de futebol como deseja com empenho seu pai? 

Que direito tem esse pirralho de querer chegar tão alto, sonhando, inclusive, fazer parte da comitiva que, no ano 2030, vai sair da Terra embarcada num foguete rumo à colonização do planeta vermelho? Pois esse menino míope e franzino quer nada mais, nada menos, do que fazer parte da missão Marte Um.


A grande magia do trabalho de Gabriel Martins, que também cuidou do roteiro, é que tudo, desde os pequenos conflitos, dúvidas, doenças, vícios, diferenças e celebrações, absolutamente tudo é administrado com amor e união. 

Reside aí o encantamento de “Marte Um”, que não se parece em nada com outras tantas produções que têm favelas e periferias como cenário. Trata-se de um filme sincero e honesto.


É tudo tão natural que há momentos em que o espectador pode ter a sensação de estar vendo um documentário. As interpretações, todas irrepreensíveis, fortalecem essa ideia. Nada se fala de política, mas a TV, ligada em alguns momentos, deixa escapar que estamos vivendo no início da era Bolsonaro. 

Ninguém discute nem faz discursos, nem mesmo quando Eunice revela sua vontade de sair de casa para viver a própria vida, ou quando Tércia, traumatizada depois de ter sido vítima de uma brincadeira de mau gosto, decide fazer uma viagem para simplesmente descansar.


Os cenários, figurinos e trilha sonora garantem a veracidade das cenas, tanto na casa da família, que não deixa de festejar aniversários, apesar do arrocho financeiro, quanto nas baladas frequentadas por Eunice ou nas reuniões de Alcoólicos Anônimos, onde Wellington aparece periodicamente. 

Ao mesmo tempo, nada peca pelo exagero, não há clichês ou estereótipos. Tudo está na medida da verossimilhança.


Em tempos de polarização, radicalismos e violências, “Marte Um” fisga o público, mas cai leve no coração do espectador, como se quisesse mostrar que pode haver outro caminho e que há sim, espaço para a fé no outro. Como já disse o conhecido poeta e cordelista Bráulio Bessa, “enquanto houver um abraço, há de haver esperança”.


Ficha Técnica
Direção e roteiro: Gabriel Martins
Produção: Filmes de Plástico / coprodução Canal Brasil
Distribuição: Embaúba Filmes
Exibição: nas salas Cineart Ponteio (sessões 18h30 e 21 horas), Cinemark Pátio Savassi (sessão 15h30) e UNA Cine Belas Artes (sessões 14h, 16h20, 18h20 e 20h30)
Duração: 1h54
Classificação: 16 anos
País: Brasil
Gênero: drama