17 novembro 2022

"Pantera Negra: Wakanda Para Sempre" é sobre representatividade, poder e emoções

Letitia Wright, Lupita Nyong'o e Tenoch Huerta protagonizam o segundo filme da saga (Fotos: Marvel Studios)


Maristela Bretas


Com características bem expressivas, "Pantera Negra: Wakanda Para Sempre" ("Black Panther: Wakanda Forever") reúne ingredientes muito fortes, que se entrelaçam a cada cena. Desde o início até o final, o filme é uma homenagem ao grande ator Chadwick Boseman, que morreu de câncer em agosto de 2020. 

Intérprete do rei T'Challa, ele foi o protagonista de "Pantera Negra", de 2018, filme que abriu as portas e valorizou o trabalho excelente do elenco, formado em sua maioria por atores negros, em especial, por mulheres. Veja o que alguns atores falam sobre o filme e a perda do ator.


Previsto para ser completamente diferente, a perda do ator principal exigiu uma mudança completa no roteiro de "'Wakanda Forever" por parte do diretor e roteirista Ryan Coogler. 

Sem a sua estrela, a nova história se voltou ainda mais para o elenco feminino, que tinha sido destaque no primeiro filme. Perdeu um pouco em ação, mas deixa sua marca na abordagem de temas importantes.


A representatividade da mulher negra é um dos pontos principais da produção, que foca ação, força e emoção em Letitia Wright (Shuri), Angela Basset (rainha Ramonda), Danai Gurira (Okoye), Lupita Nyong'o (Nakia) e Dominique Thorne (Riri Williams). Elas roubam as cenas e entregam grandes e poderosas interpretações. 

Claro, entram em cena também atores masculinos, como Winston Duke (lorde M'Baku), Martin Freeman (agente Everett Ross) e Michael B. Jordan (Killmonger), todos do primeiro filme, mas sem desempenharem papéis de protagonistas. 


Cabe a Shuri a tomada de decisões que irão afetar sua família e transformar o reino de Wakanda. A personagem passa por um amadurecimento forçado. De gênio da ciência e da tecnologia, ela passa a herdeira do maior símbolo de poder e respeito de seu reino - ser a nova Pantera Negra. 


Mas nem tudo é tão fácil. Ela não se conforma com a morte do irmão T'Challa de uma doença que ela não conseguiu achar a cura. Nesse ponto, a cientista, que sempre coloca a razão em primeiro lugar, é tomada pelo rancor e fecha o coração para bons sentimentos. 

Chega a incomodar um pouco essa postura vingativa da futura super-heroína, que não se importa com as consequências de seus atos impensados.


Isso fica ainda pior quando surge o novo vilão da franquia, Namor, rei do reino submarino de Talocan, cujo poder bélico é comparado somente ao de Wakanda, graças ao vibranium que ambos possuem. 

Namor e Shuri têm os mesmos sentimentos amargos e cada um, a sua maneira, busca vingança contra aqueles que lhes tiraram as pessoas que amavam e colocam seus reinos em risco. 


Fragilizado pela morte de T'Challa, o povo de Wakanda se esforça para continuar em frente, o que vai exigir união da família e dos amigos do falecido rei para enfrentarem o Namor e seus guerreiro indestrutíveis. Essa disputa entre as duas potências - da superfície e dos oceanos - proporciona as ótimas cenas de ação, com batalhas em terra e no mar. 


Claro que "Wakanda Para Sempre" não poderia ficar sem uma trilha sonora marcante, que mostrasse a força e a emoção do filme. E o compositor sueco Ludwig Göransson (da série "The Mandalorian"- 2022) cumpriu muito bem a parte ele. 

Destaque para a versão do sucesso "No Woman No Cry" e para canções como "Alone" e "Con La Brisa". Além de contar com a música-tema composta e interpretada por Rihanna - "Lift Me Up". 


Figurino e maquiagem também são destaques, apesar do tom de pele azulada dos habitantes de Talocan lembrar o povo de "Avatar". Confesso que acho muito mais elegantes e bonitos os uniformes das guerreiras de Wakanda, além da classe e da precisão com que lutam. Um show à parte. 


Impossível não comparar Namor com Aquaman. Visualmente, o musculoso tatuado da DC interpretado por Jason Momoa, é mais "interessante" de se ver na tela que Tenoch Huerta, da Marvel. Mas o ator mexicano tem uma interpretação mais marcante, dominando as cenas em que Namor aparece. 

Em seu pais, Huerta também é um forte defensor dos direitos das minorias de seu país, especialmente dos pobres e negros, o que condiz com a proposta do franquia.


Para quem acompanhou os desenhos animados do passado, fica a dúvida do por que não manter Namor como príncipe submarino, e não rei, e por que seu reino é chamado de Talocan e não de Atlantis (ou Atlântida).  


Se ainda não assistiu, não deixe de ir. "Pantera Negra - "Wakanda Forever" é mais que um filme de super-herói. Não supera o primeiro, mas entrega muita emoção em mensagens e situações que inspiram, dão poder e ajudam a criar consciência. 

Além de ser um lindo e emocionante tributo a Chadwick Boseman do início ao fim. Não saia do cinema sem assistir a única cena pós-crédito.


Ficha técnica:
Direção e roteiro: Ryan Coogler
Produção: Marvel Studios / Walt Disney Pictures
Distribuição: Walt Disney Pictures
Duração: 2h42
Gêneros: ação /aventura / fantasia
País: EUA
Classificação: 14 anos

14 novembro 2022

"Armageddon Time" critica discurso meritocrático nos EUA dos anos 1980

Destaque para as interpretações de Anthony Hopkins e Michael Banks Repeta, que vivem avô e neto sonhadores (Fotos: Focus Features)


Carolina Cassese
Blog no Zint


Contando com um elenco bastante estrelado, "Armageddon Time" é o mais novo trabalho de James Gray. A produção, que esteve na competição oficial do Festival de Cannes esta em cartaz nos cinemas de BH. O filme narra uma história inspirada na infância do diretor: a vida de uma família de classe média na Nova York dos anos 1980, logo antes da eleição do conservador presidente Ronald Reagan.

Essa narrativa se desenrola por meio dos olhos de Paul, criança interpretada por Michael Banks Repeta. Quando vai para um colégio tradicional de elite, o garoto é descrito pelo diretor da escola como "devagar demais". Ao se dirigir aos meninos da mesma escola, um dos coordenadores diz: "Vocês, aqui, podem ser o que vocês quiserem. CEOs, banqueiros, até mesmo presidentes". 


O mesmo discurso meritocrático é repetido por Maryanne Trump (sim, membro da célebre família Trump) que, com uma pose de CEO, diz: "Se vocês trabalharem duro, podem conseguir o que quiserem". Paul, no entanto, não se interessa por nenhuma das opções apresentadas. Ele quer ser artista - e talento não lhe falta.

Quando diz isso para sua família conservadora, apenas um membro o apoia: seu avô, Aaron (Anthony Hopkins), que aconselha o menino a "assinar todos os seus desenhos, pois é isso que os artistas fazem". Já os pais, interpretados por Anne Hathaway e Jeremy Strong, não se movem para incentivar o garoto.



Outro tema bastante presente no longa de Gray é o racismo. O amigo mais próximo do protagonista é Johnny Davis (interpretado por Jaylin Webb), um garoto negro que, por causa de sua cor e da classe social a qual pertence, leva uma vida muito mais dura do que a de Paul. O filme mostra essa desigualdade, mas não tem a ambição de solucioná-la na própria trama.


Um destaque da produção é sem dúvidas as atuações, em especial as de Hopkins e Strong, conhecido por estrelar a série "Succession", da HBO. O último entrega uma performance bastante intensa ao interpretar Irving, um inseguro chefe de família que tenta a todo custo impor sua autoridade. 

Os diálogos do longa são significativamente críveis: em determinada cena, nos sentimos como verdadeiros espectadores de um típico jantar da classe média estadunidense.


No que diz respeito à recepção do filme, muitas críticas e elogios foram direcionados ao mesmo ponto: a sutileza da crítica apresentada. Para alguns, o longa falha em não ser tão enfático no que diz respeito aos temas relacionados à desigualdade. 

Outras análises, como a publicada pela revista Vanity Fair, enfatizam que a produção acerta em não ser muito didática. Como pontua o crítico Richard Lawson, "Gray deixa sua tese florescer gradualmente nas mentes de seu público, movendo-nos lentamente em direção a uma conclusão arrasadora que também funciona como um apelo gentil, mas firme, à ação política pessoal."


A ação política parece mesmo ser relevante para o diretor nascido nos EUA, que, durante a conferência de imprensa do longa no Festival de Cannes, realizou diversas críticas ao próprio país. "Acho que estamos com sérios problemas hoje. O que aconteceu, como chegamos aqui, como duas pessoas detém tudo e vários autoritários tentam dominar nosso planeta? (...) Antes, quando se falava de franquias, pensávamos em McDonald's e Burger King. Agora pensamos em cinema".


A representação de dois membros da família Trump na narrativa (além de Maryanne, o avô de Donald Trump, Fred, é um dos personagens) também não deixa dúvidas a respeito da crítica realizada por Gray, que se opõe ao trumpismo e a qualquer mentalidade similar. 

Essa volta ao passado realizada pelo diretor, portanto, inegavelmente nos auxilia a compreender melhor o nosso presente.


Ficha técnica:
Direção e roteiro: James Gray
Produção: Focus Features / Keep Your Head
Distribuição: Universal Pictures
Duração: 1h55
Gênero: drama
País: EUA
Classificação: 16 anos