26 janeiro 2023

“A Lenda de Shahmaran”, um drama psicológico de amor, traição, mistério e uma deusa serpente

Burak Deniz e Serenay Sarıkaya protagonizam história baseada no folclore curdo (Fotos: Netflix Turquia)


Silvana Monteiro


Mitologia do Oriente Médio. Drama psicológico. Romance. Sonambulismo. Autoconhecimento e ancestralidade. Essas são as bases da produção da Netflix turca “A Lenda de Shahmaran” ("Sahmaran"), uma espécie de “Cidade Invisível”, contextualizada no folclore curdo do ser mítico, metade mulher, metade cobra. 

Entre as mais vistas da Netflix, a história diz respeito a seres ofídicos e humanos, envoltos por amor e traição e imortalizados nas culturas populares da Turquia, Curdistão e até da Índia. 


Para contar essa história sobre a traição de um homem a uma divindade serpente, o enredo explora a trajetória de uma solitária jovem órfã. A psicóloga e doutoranda Shahsu (Serenay Sarıkaya) viaja da cosmopolita Istambul à província de Adana para palestrar na universidade local. 

Ela aproveita a oportunidade para visitar, pela primeira vez, o desconhecido avô Davut (Mustafa Ugurlu), o homem que abandonara sua mãe ainda criança.


Após conhecer o vilarejo Mar, onde seu avô vive, a jovem deixa o hotel e passa a viver na casa dele de forma inesperada, sem relação socioafetiva e sem perspectivas. Mas quem é aquele homem calado, de olhar fixo e corpo frágil?

Além de não conhecer quem é seu avô e, nem mesmo, as histórias deixadas por sua mãe em cartas enviadas a ele, a jovem vai se esbarrar com outro estranho, Maran (Burak Deniz), que vai mexer com sua mente e seu corpo. 


Maran vive com o pai e três irmãs. Eles são os únicos vizinhos próximos do avô de Shahsu. O jovem é, também, um homem sério, monossilábico e arredio, integrante de uma família com comportamentos bastante insociáveis. Quem são eles? Quais segredos guardam? 

Aos poucos, Shahsu começa a se relacionar com Maran. Na medida em que se conecta ao lugar e ao povo, a jovem passa a desenvolver ainda mais seu sonambulismo e a sentir fenômenos psicológicos que acabam afetando seu corpo e sua mente. 


Na faculdade, o amigo Cihan (Mert Ramazan Demir), assistente de departamento e a professora titular, parecem ser as únicas pessoas com as quais ela pode contar. Mas será possível confiar neles? 

Shahsu se sente observada em todos os locais que frequenta, até mesmo em uma feira popular da província. Depois de adquirir um colar com uma feirante local, a acadêmica verá sua vida envolta em um incidente misterioso, sofrerá mudanças psíquicas e estará sempre se indagando em quem confiar. 


Às suas costas, os rumores são de que a presença da jovem e o envolvimento com Maran farão com que uma profecia mítica se cumpra. O que irá acabar ou piorar a relação entre homens e serpentes ao acordar, de vez, uma criatura aprisionada por séculos. 

Quem faz parte dos Basílicos e quem é apenas humano? Para responder a essas perguntas a série capricha na fotografia, explorando as florestas, as serras e as planícies de Adana. 


Entre picadas e perseguições, a obra provoca no telespectador muitos questionamentos sobre a exploração da natureza e o papel do ser humano frente à destruição. A todo o tempo, uma narração feminina rememora: “o mundo não é só dos humanos”. 

Destaque para os modestos, mas efetivos efeitos especiais e para a atuação dos protagonistas, já bastante conhecidos dos telespectadores da Turquia por suas atuações em novelas e séries locais. 


Por ser uma série turca, o diretor investiu de forma incomum na nudez dos personagens, sempre cercados por ambientes relacionados ao habitat das serpentes, tais como telhados, rios, lagos, pedras e florestas. 

Um importante aviso: se você tem ofidiofobia (pavor e fobia a cobras), não assista a série. Se não for o caso, aproveite. Você vai se prender ao poderoso veneno de Shahmaran.


Ficha técnica:
Direção:
Umur Turagay
Produção: Netflix Turquia
Exibição: Netflix
Duração: série com 8 episódios (média de 50 minutos cada)
Classificação: 16 anos
País: Turquia
Gêneros: aventura, drama, fantasia

25 janeiro 2023

"Até o Fim" é sobre lembranças, conflitos do passado e irmandade

Longa foi apresentado na 26ª Mostra de Cinema de Tiradentes, na categoria Mostra Homenagem
(Fotos: Rosza Filmes)



Marcos Tadeu
Narrativa Cinematográfica


Com uma direção muito afinada e um texto primoroso, a obra "Até o Fim" (2020) é um dos longas que compõem a 26º Mostra de Tiradentes na categoria Mostra Homenagem. 

Para saber mais sobre esta e outras produções do evento, basta entrar no link www.mostratiradentes.com.br. A programação, que segue até o dia 28 de janeiro, é online e presencial, totalmente gratuita.


Os diretores Ary Rosa e Glenda Nicácio são os homenageados da edição deste ano e levaram para o evento outras cinco obras - "Voltei" (2021), "Café com Canela" (2017), "Ilha" (2018), "Mugunzá" e "Na Rédea Curta", produções de 2022 que abriram a Mostra no dia 21.

"Até o Fim" é uma obra que se passa quase todo o tempo na mesa do quiosque à beira de uma praia, no Recôncavo Baiano. A dona é Geralda, uma mulher humilde, trabalhadora, que recebe um telefonema do hospital dizendo que seu pai pode morrer a qualquer momento. 


Ela convoca as três irmãs para aguardarem a morte e o quiosque se torna o ponto de encontro. A conversa é repleta de desabafos e lembranças. Geralda é a protagonista, mas divide bem o tempo de tela com as irmãs, expondo seus traumas, lembranças, culpa e arrependimentos.

Ao compartilhar tudo isso com Rose, Bel e Vilmar, a irmandade se torna o elo principal do filme. Cada irmã tem um diferencial, Rose é mais leve e para cima, lembra de histórias engraçadas do pai, apesar do passado complicado com Geralda.


Bel se tornou atriz e até separou, mas tem boas lembranças tanto da mãe, quanto do pai. E Vilmar, o caçula, que agora se chama Ana. Ela é a personagem com mais problemas por causa de sua transexualidade e ainda carrega muita mágoa do pai. Muitas vezes desejou que ele estivesse morto.

O encontro de Ana e Geralda é o ponto de maior conflito do filme. A caçula questiona a irmã sobre como o pensamento radical e atrasado fez com que ela perdesse muito de sua vida e da relação entre elas. E que agora tem a chance de fazer melhor e aceitar.  


Aninha agora é publicitária e se posiciona sobre os lugares que precisa e quer estar e deixa isso muito claro para sua irmã. Mesmo após 15 anos da morte da mãe, ela e Geralda não conseguem dizer as palavras "mãe" e "filha". 

No desabafo entre irmãs, ela fala das dores para se tornar uma pessoa transgênero e, principalmente, ao contar que quando foi violentado, em nenhum momento o pai decidiu defendê-la.


Talvez o maior defeito do filme sejam os cortes repetitivos, falas que voltam sem nenhuma necessidade, fazendo com que o ritmo fique um pouco truncado. 

Mesmo assim, ainda é agradável de se ver. "Até o Fim" é daquelas obras que você sai orgulhoso por ter a marca do cinema nacional, o tempero da Bahia e a força de quatro mulheres. 

Sobre os diretores

Mineiros de nascimento - Glenda Nicácio é de Poços de Caldas e Ary Rosa, de Pouso Alegre -, radicaram-se em Cachoeira (BA) em 2010, quando foram estudar cinema na Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB). 

Glenda Nicácio e Ary Rosa (Foto: Leo
Lara/Universo Produção)

A homenagem à dupla na 26ª Mostra de Cinema de Tiradentes é também estendida à produtora Rosza Filmes, fundada por eles e responsável por alguns dos títulos mais celebrados do cinema brasileiro contemporâneo. Construíram uma vasta comunidade local de realizadores, inclusive em projetos de educação audiovisual.

Glenda e Ary assinaram a direção conjunta de cinco longas-metragens em cinco anos: “Café com Canela” (2017), “Ilha” (2018), “Até o Fim” (2020), “Voltei!” (2021), “Mugunzá” (2022) e “Na Rédea Curta” (2022). Glenda ainda dirigiu um projeto solo, o média-metragem “Eu não Ando Só” (2021). 


Ficha técnica:
Direção: Ary Rosa e Glenda Nicácio
Produção: Rosza Filmes
Duração: 1h33
Classificação: 14 anos
País: Brasil (feito na Bahia)
Gênero: Ficção