28 janeiro 2023

Cate Blanchett coloca “TÁR” na lista de indicados ao Oscar

Filme de Todd Field é bem editado, mas exige calma para lidar com as tensões da protagonista
(Fotos: Focus Features)


Eduardo Jr.


A chegada de “TÁR” aos cinemas brasileiros promete encantar e também incomodar. Durante as duas horas e 40 minutos do novo filme do diretor norte-americano Todd Field, o espectador experimenta o encanto, por meio da atuação de Cate Blanchett.

E também o incômodo, por conta da construção de uma personagem tão difícil - que carrega doses de genialidade, mas não se explica pelo clichê dos gênios excêntricos; que se masculiniza e ainda assim consegue expressar feminilidade; que poderia ser militante de uma causa, mas apresenta uma complexidade ainda maior. 


Tudo começa com a apresentação (‘beeem’ longa) da personagem central, Lydia Tár. Mas prepare-se para ser hipnotizado por Blanchett. É este o momento que nos permite conhecer a inteligência - e a agressividade - de uma mulher lésbica, que gosta de ser chamada de maestro, e que está à frente de uma das maiores orquestras do mundo. 


Quando Lydia fala, tudo é silêncio. E, se o que escuta não a convence, ela age, com força, e sem pestanejar. Mas além do silêncio, a edição do filme, que costura a música a momentos determinados para anunciar novas camadas (e, consequentemente, mexer com os sentimentos do público), só engrandece a produção.   


Lydia controla. É ela quem figura como organizadora da casa onde mora com a mulher e a filha. No mundo da música clássica, dominado por homens, ela é quem rege. Mas a mulher forte, no ápice da carreira, tem esqueletos no armário. E pra quem está no topo, só resta a queda. 


O diretor nos coloca dentro do ambiente para assistir como uma pessoa é capaz de certas atitudes em relação àqueles ao seu redor. O que nos deixa tensos e apreensivos sobre o que virá a seguir. Cada ameaça à projeção de Lydia vai dando mais força para o desfecho do filme.  


Ainda assim, vemos na protagonista não só um lado ‘monstro’, mas também um ser humano que erra. Imersa no universo da música clássica, Lydia tem dificuldades em aceitar a modernidade. 

Acostumada às obras requintadas, criadas por homens brancos forjados pelo machismo de décadas e décadas, autoridades oriundas do Youtube e julgamentos que viralizam nas redes sociais se tornam o inferno para a regente. 


Julgamentos morais parecem ser uma especialidade de Todd Field. É ele a mente por trás de “Pecados íntimos” (PlayArte, 2007). Mas agora, em “TÁR”, o diretor vai além e propõe um filme ‘de personagem’. 

A construção do roteiro associada à criação da personagem de Blanchett é impecável! Principalmente pelo final apresentado. 


Filme de arte! Um adjetivo que pode ser prejudicial na luta pela principal categoria do Oscar. Embora ainda concorra com outras indicações (melhor direção, melhor atriz, melhor roteiro original, melhor edição e melhor fotografia), “TÁR” e Cate Blanchett merecem passar à história como um exemplo do que é cinema de qualidade.  


Ficha técnica:
Direção e roteiro: Todd Field
Produção: Focus Features / Standard Films
Distribuição: Universal Pictures
Exibição: nos cinemas
Duração: 2h38
Classificação: 12 anos
País: EUA
Gêneros: drama / musical

26 janeiro 2023

“A Lenda de Shahmaran”, um drama psicológico de amor, traição, mistério e uma deusa serpente

Burak Deniz e Serenay Sarıkaya protagonizam história baseada no folclore curdo (Fotos: Netflix Turquia)


Silvana Monteiro


Mitologia do Oriente Médio. Drama psicológico. Romance. Sonambulismo. Autoconhecimento e ancestralidade. Essas são as bases da produção da Netflix turca “A Lenda de Shahmaran” ("Sahmaran"), uma espécie de “Cidade Invisível”, contextualizada no folclore curdo do ser mítico, metade mulher, metade cobra. 

Entre as mais vistas da Netflix, a história diz respeito a seres ofídicos e humanos, envoltos por amor e traição e imortalizados nas culturas populares da Turquia, Curdistão e até da Índia. 


Para contar essa história sobre a traição de um homem a uma divindade serpente, o enredo explora a trajetória de uma solitária jovem órfã. A psicóloga e doutoranda Shahsu (Serenay Sarıkaya) viaja da cosmopolita Istambul à província de Adana para palestrar na universidade local. 

Ela aproveita a oportunidade para visitar, pela primeira vez, o desconhecido avô Davut (Mustafa Ugurlu), o homem que abandonara sua mãe ainda criança.


Após conhecer o vilarejo Mar, onde seu avô vive, a jovem deixa o hotel e passa a viver na casa dele de forma inesperada, sem relação socioafetiva e sem perspectivas. Mas quem é aquele homem calado, de olhar fixo e corpo frágil?

Além de não conhecer quem é seu avô e, nem mesmo, as histórias deixadas por sua mãe em cartas enviadas a ele, a jovem vai se esbarrar com outro estranho, Maran (Burak Deniz), que vai mexer com sua mente e seu corpo. 


Maran vive com o pai e três irmãs. Eles são os únicos vizinhos próximos do avô de Shahsu. O jovem é, também, um homem sério, monossilábico e arredio, integrante de uma família com comportamentos bastante insociáveis. Quem são eles? Quais segredos guardam? 

Aos poucos, Shahsu começa a se relacionar com Maran. Na medida em que se conecta ao lugar e ao povo, a jovem passa a desenvolver ainda mais seu sonambulismo e a sentir fenômenos psicológicos que acabam afetando seu corpo e sua mente. 


Na faculdade, o amigo Cihan (Mert Ramazan Demir), assistente de departamento e a professora titular, parecem ser as únicas pessoas com as quais ela pode contar. Mas será possível confiar neles? 

Shahsu se sente observada em todos os locais que frequenta, até mesmo em uma feira popular da província. Depois de adquirir um colar com uma feirante local, a acadêmica verá sua vida envolta em um incidente misterioso, sofrerá mudanças psíquicas e estará sempre se indagando em quem confiar. 


Às suas costas, os rumores são de que a presença da jovem e o envolvimento com Maran farão com que uma profecia mítica se cumpra. O que irá acabar ou piorar a relação entre homens e serpentes ao acordar, de vez, uma criatura aprisionada por séculos. 

Quem faz parte dos Basílicos e quem é apenas humano? Para responder a essas perguntas a série capricha na fotografia, explorando as florestas, as serras e as planícies de Adana. 


Entre picadas e perseguições, a obra provoca no telespectador muitos questionamentos sobre a exploração da natureza e o papel do ser humano frente à destruição. A todo o tempo, uma narração feminina rememora: “o mundo não é só dos humanos”. 

Destaque para os modestos, mas efetivos efeitos especiais e para a atuação dos protagonistas, já bastante conhecidos dos telespectadores da Turquia por suas atuações em novelas e séries locais. 


Por ser uma série turca, o diretor investiu de forma incomum na nudez dos personagens, sempre cercados por ambientes relacionados ao habitat das serpentes, tais como telhados, rios, lagos, pedras e florestas. 

Um importante aviso: se você tem ofidiofobia (pavor e fobia a cobras), não assista a série. Se não for o caso, aproveite. Você vai se prender ao poderoso veneno de Shahmaran.


Ficha técnica:
Direção:
Umur Turagay
Produção: Netflix Turquia
Exibição: Netflix
Duração: série com 8 episódios (média de 50 minutos cada)
Classificação: 16 anos
País: Turquia
Gêneros: aventura, drama, fantasia