02 fevereiro 2023

"Batem à Porta" retrata dilema familiar e o apocalipse

Novo longa do diretor M. Night Shyamalan explora as possibilidades de um outro fim de mundo
  (Fotos: Universal Pictures)


Carolina Cassese


Uma família diante de um perigo que pode acabar com a humanidade. É o que retrata o novo longa de M. Night Shyamalan, "Batem à Porta" ("Knock at the Cabin"), que chega aos cinemas nesta quinta-feira (2). 

Não faltam exemplos de produções recentes que se desenrolam a partir dessa problemática. Podemos citar os recentes "Ruído Branco" (2022), "Nós" (2019), "Não! Não Olhe!" (2022) e "Um Lugar Silencioso" (2018). Alguns cenários definitivamente são menos críveis do que outros. 


Mas levando em conta que atualmente precisamos lidar com as severas consequências de uma pandemia e da mudança climática (tristes eventos que, diga-se de passagem, estão associados), é mais do que natural que estejamos pensando sobre o fim do mundo. 

Exemplo disso é uma das séries mais comentadas do momento - "The Last of Us" -, que retrata uma sociedade pós-apocalíptica. Agora chegou a vez de M. Night Shyamalan explorar essa temática. O flerte com o sobrenatural, característico de muitos longas do diretor, também está presente nesse novo trabalho. 


Em "Batem à Porta", uma família pode impedir o fim do mundo caso faça um sacrifício. O destino de toda a humanidade, portanto, está nas mãos de Eric (Jonathan Groff), Andrew (Ben Aldridge) e Wen (Kristen Cui), um jovem casal e sua filha. 

Pelo menos é isso que anuncia Leonard (Dave Bautista), um grandalhão que invade a cabana onde a família passa férias. Outros três desconhecidos (Rupert Grint, Abby Quinn e Nikki Amuka-Bird) se juntam a ele e fazem os personagens principais de reféns. 

Fica a pergunta: é verdade que a família pode impedir o apocalipse ou os quatro invasores não passam de lunáticos?


Para convencer o casal de que o mundo está de fato acabando, Leonard constantemente mostra as terríveis notícias: vírus que se propagam numa velocidade absurda, acidentes de avião por toda a parte, tsunamis de grandes dimensões. 

Uma das discussões relevantes que podem emergir a partir do filme é justamente essa, a respeito da quantidade de (más) notícias que temos acesso nos dias de hoje. 


Com o advento das plataformas digitais, nossa atenção está cada vez mais dividida e ainda nos deparamos com uma enxurrada constante de notícias falsas. Além disso, muitas vezes naturalizamos tragédias e tratamos crimes ambientais como “acidentes”. 

A partir dessa visão, não é de se admirar que o personagem Andrew custe a acreditar na real necessidade de tomar uma decisão tão difícil para impedir o suposto apocalipse. Afinal, o que está acontecendo é o fim do mundo ou apenas mais uma terça-feira?


Além de uma premissa intrigante (adaptada do livro "O Chalé no Fim do Mundo", de Paul Tremblay), o filme é eficiente em gerar tensão no espectador e conta com boas atuações. Vale destacar a performance de Dave Bautista, que mais uma vez prova seu talento para cenas dramáticas. 

Talvez um dos principais pontos negativos seja o fato de que o dilema da decisão familiar não consegue ganhar complexidade moral. Em nenhum momento os personagens de fato se reúnem para pensar se devem ou não cometer um sacrifício pessoal em nome da humanidade. 


Nesse sentido, fica a sensação de que uma das mais relevantes premissas do longa é “desperdiçada”. No que diz respeito à recepção, vale dizer que Shyamalan definitivamente é um diretor que divide opiniões.

Se por um lado as primeiras exibições de "Batem à Porta" geraram ótimas repercussões no Twitter, parte da crítica especializada agora publica opiniões duras - o britânico The Guardian, por exemplo, disse que “Shyamalan fez de novo, do pior jeito possível”. 


Tal divisão pôde ser observada até mesmo no fim da sessão de cinema em que estive presente: enquanto alguns saíram satisfeitos com o desenrolar da história, outros não hesitaram em demonstrar descontentamento.

É compreensível que uma parcela do público se sinta decepcionada, já que o diretor de "Sexto Sentido" (1999) nos condicionou a esperar por uma grande reviravolta.  

Os ávidos por um bom plot twist provavelmente terminarão o filme insatisfeitos, já que as principais surpresas de "Batem à Porta" estão concentradas no início do longa.


O filme, portanto, é sobre a jornada. Com expectativas ajustadas, se torna possível permanecer envolvido na história e apreciar as qualidades da mesma. 

O apocalipse segundo Shyamalan pode não ser surpreendente, mas prende a atenção e, em conjunto com as outras tantas narrativas sobre o fim do mundo, tem o potencial de gerar muita discussão.


Ficha técnica:
Direção e roteiro: M. Night Shyamalan
Produção: Blinding Edge Pictures / Universal Pictures
Distribuição: Universal Pictures
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h40
Classificação: 18 anos
País: EUA
Gêneros: suspense, terror

01 fevereiro 2023

Indicado a nove categorias do Oscar, "Banshees de Inisherin" impressiona pela sensibilidade

História é centrada no rompimento unilateral entre dois amigos (Fotos: Searchlight Pictures)


Carolina Cassese
https://zint.online/staff/ccassese/


"Eu não quero mais ser seu amigo". Essa frase, que nos transporta diretamente para o jardim de infância, ganha outras camadas em "Banshees de Inisherin", um dos candidatos ao Oscar de Melhor Filme deste ano. O longa foi indicado a mais oito categorias, incluindo Melhor Direção e Melhor Roteiro Original. 


Dirigido por Martin McDonagh ("Três Anúncios Para um Crime" - 2018), a história se passa numa ilha fictícia da Irlanda e é centrada no rompimento unilateral entre os amigos Pádraic (Colin Farrell) e Colm (Breendan Gleeson). De um dia para o outro, o último decide que não quer mais falar com o seu companheiro de longa data. 


A situação fica ainda mais séria quando Colm ameaça: toda vez que o recente ex-amigo lhe dirigir a palavra, ele irá cortar um de seus próprios dedos. Desesperado, Pádraic busca resolver o conflito a qualquer custo - sem necessariamente refletir sobre as consequências de seus atos.

O medo da morte é um tema bastante relevante para a trama. Uma das razões que Colm alega para o rompimento é a iminência de sua partida; ele argumenta que, como o fim está próximo, não quer mais perder tempo com conversas entediantes.


O personagem, que é violinista, reflete ainda acerca da imortalidade da arte: “Música dura. Pinturas duram e poesia dura. Sabe quem lembramos da simpatia do século 19? Nem uma única pessoa. No entanto, todos nós lembramos da música da época”. 

Considerando que seus dedos são relevantes para a atividade artística que pratica, a ameaça de cortá-los soa ainda mais dramática.


Não por acaso, a trama se desenrola durante a Guerra Civil Irlandesa, em 1923. O desentendimento entre os amigos, portanto, se relaciona com um contexto muito mais amplo de disputas e diferentes tipos de violência. Vários dos excelentes diálogos conseguem tratar, ao mesmo tempo, das dimensões pessoais e coletivas de conflitos. 

Durante um momento de trégua da Guerra Civil, Pádraic comenta: “Aposto que entram em guerra de novo em breve, não acha? Não há como superar certas coisas. E eu acho isso bom”.


É interessante considerar que "Banshees de Inisherin" está muito longe de ser aquele típico “filme de guerra” que já conhecemos tão bem; as explosões que importam por aqui são outras, de ordem muito mais íntima. Também é difícil que o longa seja classificado como uma comédia (apesar dos muitos diálogos espirituosos) ou um simples drama. 

A história mescla elementos de vários gêneros; horroriza - a ameaça dos dedos cortados é inegavelmente angustiante -, comove e também diverte em momentos pontuais. As tomadas que mostram as paisagens da ilha são de tirar o fôlego.


Talvez um dos maiores méritos da produção seja nos deixar imersos em questões quase existenciais: por quais motivos mantemos relações? Quais são os sinais do fim de uma amizade? Como as guerras de fato começam? É possível medir os desdobramentos de um conflito? Por que naturalizamos o fato de inocentes sofrerem com disputas de interesses alheios? Questões de 1923 que seguem sendo pertinentes cem anos depois.


Ficha técnica:
Direção e roteiro: Martin McDonagh
Produção: Blueprint Pictures /20th Century Studios / Searchlight Pictures
Distribuição: Walt Disney Pictures
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h54
Classificação: 16 anos
País: EUA
Gêneros: drama / comédia