23 agosto 2023

Comovente, filme “Retratos Fantasmas” reflete sobre a interseção entre cinema, espaço e sociedade

Novo documentário de Kleber Mendonça Filho ilustra as consequências do trator da modernidade 
(Fotos: João Carlos Lacerda/Primeiro Plano)


Carolina Cassese
Blog no Zint


Depois de três longas-metragens ficcionais que obtiveram recepção calorosa da crítica e o reconhecimento de premiações renomadas - "O Som ao Redor" (2012), "Aquarius" (2016) e "Bacurau" (2019) - Kleber Mendonça Filho tem seu nome mais uma vez inserido na lista das estréias de cinema com "Retratos Fantasmas".

O filme entra em cartaz, simultaneamente no Brasil e Portugal, nesta quinta-feira (24). A primeira exibição do longa no país aconteceu durante a noite de abertura do 51º Festival de Cinema de Gramado, em sessão única fora de competição. Em outubro, será lançado nas salas da Espanha e, em novembro, nos cinemas da França e Estados Unidos. 

Cine São Luiz 

No documentário, memórias familiares se misturam à história de Recife, cidade na qual o diretor, produtor, roteirista e crítico de cinema brasileiro nasceu há pouco mais de 58 anos. 

O resultado é um filme forte e carregado de uma emoção que não é de modo algum forçada, mas inevitável diante da sucessão de acontecimentos a que o espectador assiste. Inegavelmente, há um sentimento de impotência diante desse mundo que avança como um trator rumo ao novo.

Narrado pelo próprio diretor, o longa é dividido em três partes. A primeira, “O apartamento de Setúbal”, é centrada na casa em que o recifense cresceu. O mesmo lugar serviu como cenário de vários trabalhos assinados por Mendonça Filho, como o já mencionado "O Som ao Redor". 


Aqui percebemos como realidade e ficção se entrelaçam, já que acontecimentos daquele cotidiano inspiraram ideias presentes nas obras do diretor. Uma frase dessa primeira parte ecoará por toda a obra: “O tempo transforma os lugares”. E como transforma. 

No bloco subsequente, intitulado “Cinemas do Centro de Recife”, acompanhamos como esse local sofreu importantes modificações ao longo dos anos. É a história de muitos centros brasileiros: representantes do capital passam a se interessar por outras áreas da cidade, geralmente menos acessíveis e democráticas. 

As zonas centrais então abandonadas pelo poder público e também por boa parte da sociedade, como pontua o diretor - “conheço jovens que nunca foram ao centro”.

Cine Veneza 

É também nesse momento do longa que vemos imagens de antigos cinemas de rua, que costumavam ser pontos de efervescência cultural. Como de costume, Mendonça Filho tem excelentes sacadas, como a sugestão de que os letreiros dos cinemas comentavam a situação política do país e, ainda, enviavam mensagens enigmáticas. 

Há também pontuações que ilustram a histórica (e ainda muito atual) desvalorização do cinema nacional - em detrimento de grandes distribuidoras estadunidenses.

Diante da demanda por uma cidade mais “moderna” e “funcional”, que atendesse aos interesses de grandes empresários, a maioria dos estabelecimentos independentes precisou fechar as portas. 

Essa história também se repetiu em muitos outros centros brasileiros: o cinema sai da rua e migra para o shopping center, o espaço do consumismo - se não bastasse, a própria indústria cinematográfica se torna mais e mais comercial. 

Centro de Recife 

No filme, Mendonça Filho mostra imagens de um shopping que foi construído em volta de um cinema antigo: “Essa coisa se alojou dentro do (Cinema) Veneza, como um organismo alienígena. E o cinema virou o hospedeiro”. 

No dia a dia, as ruas do centro vão ficando cada vez mais abandonadas. Como pontua uma personagem do longa “A Árvore, O Prefeito e a Mediateca” (1993), de Éric Rohmer: “Às vezes, a modernidade pode ser muito limitada”.

Em “Igrejas e Espíritos Sagrados”, o último bloco do documentário, há uma alegoria sobre símbolos religiosos, fantasmas e as ilusões do cinema. A última cena surpreende e, ao mesmo tempo, dialoga com várias outras discussões presentes na obra. 

Bilheteira de cinema

Esse é um dos principais méritos do trabalho de Mendonça Filho: seu documentário é extremamente coeso, conduzido por elementos fantasmagóricos (luzes piscando, vultos, desaparecimentos) e reflexões sobre o abandono.

Ao vermos o filme, nos damos conta de que as ruínas também contam histórias. Afinal de contas, muito pode ser inferido acerca de uma sociedade que troca cinemas por shoppings centers ou redes de farmácias. 

Em tempos de tanta correria, “Retratos Fantasmas” nos convida para uma pausa. É hora de olharmos para os escombros e refletirmos sobre o que ainda pode ser resgatado.


Ficha técnica:
Direção e roteiro: Kleber Mendonça Filho
Produção: CinemaScópio / Vitrine Filmes
Distribuição: Vitrine Filmes
Exibição: no Cineart Ponteio, Minas Tênis Clube/Unimed, Uni Cine Belas Artes
Duração: 1h31
Classificação: 12 anos
País: Brasil
Gênero: documentário

20 agosto 2023

Pise fundo, foi dada a largada para a estreia de "Gran Turismo" nos cinemas

Archie Madekwe vive o jogador de videogame Jann Mardenborough que se tornou piloto profissional
(Fotos: Sony Pictures)


Maristela Bretas


"Acelerar, acelerar". Até parece Relâmpago McQueen se preparando para uma corrida. Mas a adrenalina que vai contagiar o expectador é de “Gran Turismo - De Jogador a Corredor" ("Gran Turismo: Based On a True Story"), filme que estreia nesta quinta-feira (24) nos cinemas com a promessa de ser um dos melhores lançamentos do ano de simulador de corrida baseado em fatos. Algumas salas já estão com exibição antecipadas.

Um presente para quem curte carros, roncos de motores possantes, grandes e conhecidos circuitos de corrida. "Gran Turismo" conta a história do jogador de videogame Jann Mardenborough (o britânico Archie Madekwe, de "Agente Stone" - 2023). 

Suas habilidades impressionantes com o simulador de corrida da PlayStation o levam a ser escolhido para disputar uma série de competições pela equipe Nissan e se tornar um verdadeiro piloto profissional. 


Além de mostrar grandes circuitos de Fórmula 1 conhecidos pelos aficionados - como Nürburgring e Hockenheimer (Alemanha) e Silverstone (Inglaterra) -, o longa alfineta o jogo de interesses que corre por trás dos boxes e nas pistas. Sem contar os riscos a cada curva ou lombada para quem não tem a experiência real de pilotar, como no acidente de Jann.

As cenas de ação contaram com um uso menor de computação gráfica, o que exigiu maior preparo do elenco, mas deixou o filme mais realista. Os efeitos visuais funcionam perfeitamente como no game, às vezes fica difícil diferenciar realidade da simulação nas corridas. O formato IMAX é bem explorado, especialmente nos acidentes e nas competições.


Archie Madekwe está muito bem no papel de Jann Mardenborough, que também participa da produção como dublê do ator quando ele está correndo. 

Destaque também para o talentoso e sempre simpático, mesmo quando tenta ser mal-humorado, David Harbour ("Stranger Things" - 2022 e "Noite Infeliz" - 2022) como Jack Salter, chefe de equipe que treina Jann. A sintonia entre os dois atores funciona muito bem.

Claro que, como uma história baseada em fatos reais, não poderia faltar a parte emocional. Essa fica por conta da relação de Jann com Jack e a família, especialmente com o pai, interpretado pelo ótimo Djimon Hounsou ("Shazam! Fúria dos Deuses" - 2023). Ele é Steve, o cara pé no chão que não acredita no sonho impossível do filho. 


Temos ainda Orlando Bloom ("Piratas do Caribe - A Vingança de Salazar" - 2017) que entrega o convincente Danny Moore, responsável pelo marketing da escuderia. É dele a ideia de criar o torneio da GT Academy para escolher o melhor jogador de Gran Turismo que será treinado para se tornar um piloto profissional.

Até mesmo o elenco de apoio, que conta com jovens atores como Darren Barnet (o piloto Matty Davis, da equipe de Jann) e Josha Stradowski (o piloto Nicholas Capa, da equipe rival, que dirige a maravilhosa Lamborghini Huracan STO dourada), funciona bem.

O verdadeiro Jann Mardenborough (Divulgação)

O longa não é nada discreto quanto à publicidade. A começar pela própria Nissan, que é a fabricante japonesa do GT-R Nismo dirigido por Jann, e a Playstation, responsável pelo game - não teria como contar a história sem falar dessas duas marcas. 

Temos também a Red Bull, cujo circuito é mostrado em destaque, com longas imagens, inclusive aéreas. O filme conta ainda com a participação de Geri Halliwell, uma das Spice Girls atacando aqui de atriz, no papel da mãe de Jann. Na vida real, ela é esposa de Christian Horner, chefão da escuderia.


Carros e velocidade

Já vimos inúmeras produções sobre corridas que se tornaram referências no gênero, alguns bons, outros nem tanto. Confira alguns abaixo e onde estão sendo exibidos:
- "Ford vs Ferrari" (2019 - Star+);
- "Rush - No Limite da Emoção” (2013 - Netflix);
- "Velozes e Furiosos" (franquia iniciada em 2001- Telecine);
- "Herbie - Se Meu Fusca Falasse (2005 - Disney+);
- "Senna" (2010 - para alugar em plataformas de streaming);
- “Need For Speed - O Filme” (2014 - Disney+);
- "Dias de Trovão" (1990 - Globoplay e Youtube) e muitos outros.


Sem contar animações como "Carros" (2006, em exibição na Disney+); "Turbo" (2013 - Globoplay) e as antigas séries de TV, "Corrida Maluca" (1968 - HBO Max) - como esquecer de Dick Vigarista, Mutley e Penélope Charmosa - e "Speed Racer" (1967 - Prime Vídeo), que em 2008 ganhou uma versão para cinema (HBO Max).

Mas o que importa mesmo em todas produções sobre corridas é a adrenalina e o prazer que elas proporcionam a quem assiste (e gosta). Essas sensações são bem fortes em "Gran Turismo", exatamente por focar nas disputas e nos acidentes, que são inevitáveis e marcaram a carreira do jovem piloto. 

Fica a dica: se você gosta de carros e corrida, corra para o cinema e garanta seu ingresso para conferir este lançamento da Sony Pictures.


Ficha técnica:
Direção: Neill Blomkamp
Produção e distribuição: Sony Pictures
Exibição: nos cinemas
Duração: 2h14
Classificação: 12 anos
País: EUA
Gêneros: ação, drama, corrida