24 agosto 2023

"Drácula - A Última Viagem do Deméter" agrada pelo roteiro, produção e atuações

A famosa criatura do romance de Bram Stoker traz terror e sustos à telona (Fotos: Universal Pictures)


Eduardo Jr. e Maristela Bretas


Os fãs de "Crepúsculo" que me perdoem, mas o maior vampiro de todos os tempos está de volta. “Drácula: A Última Viagem do Deméter” ("The Last Voyage Of The Demeter"), é o longa do diretor norueguês André Ovredal, que estreia nesta quinta-feira nos cinemas, trazendo muitas mortes ao cair da noite. Trata-se de um terror que agrada por contar um capítulo da obra do escritor irlandês Bram Stoker, publicado em 1897. 

Com um bom roteiro, produção e parte técnica corretas, além de um elenco sem estrelas milionárias, mas que entregam boas interpretações, o filme segue um caminho diferente do costumeiro conde Drácula. 

A história aposta no famoso vampiro e como ele saiu de sua terra natal para procurar um "cardápio" diferente, do tipo sangue inglês correndo nas veias. 


Na história, o navio Deméter, comandado pelo capitão Eliot (o experiente Liam Cunningham, da série "Game of Thrones"), parte do porto da Romênia em direção a Londres com uma carga particular misteriosa que vai colocar toda a tripulação em risco. Ao longo do percurso, uma presença assustadora vai deixando um rastro de sangue e mortes.

No elenco principal também estão Corey Hawkins (“Infiltrado na Klan" - 2018) como Clemens, médico do navio, que luta para tentar salvar os ocupantes da embarcação, e o ator espanhol Javier Botet ("It - A Coisa" - 2017), no papel de Drácula.


Já na escolha da tripulação do navio que levará uma carga misteriosa da Romênia para a Londres, os avisos de que algo ruim vai acontecer são apresentados. 

Logo no início da viagem, o primeiro evento: a descoberta de uma mulher, Anna (Aisling Franciosi), dentro de uma das caixas transportadas. Um dos marujos diz que “a presença de mulheres em navios é sinônimo de azar”. 

Começa a ser construída a tensão do filme, com cenas escuras, silêncios e sustos, e o estranho ataque que mata todos os animais que estavam sendo transportados. Daí vem a sequência de mortes noturnas e a apresentação em relances do Drácula. 


A maquiagem do vampiro ficou ótima, é assustadora, mesmo o personagem não tendo praticamente nenhuma fala, só grunhidos, ao contrário de outros filmes sobre o "chupador de sangue", em que ele é um sedutor conde, cercado de lindas mulheres e esbanjando riqueza.   

Destaque também para o garoto Woody Norman, que interpreta Toby, neto do capitão que vive no navio. O menino está muito bem, entregando uma carga emocional surpreendente em seu papel. Pelo visto gostou do gênero terror, pois está também no elenco de "Toc Toc Toc - Ecos do Além", que estreia dia 31 de agosto.


Falando do garoto Toby, vale dizer que o roteiro se mostra corajoso - só não vou dizer o porquê pra não dar spoiler. Mas dá pra dizer que há cenas bem legais à noite e também durante o dia, como a representação da incapacidade de um vampiro suportar a luz do sol.   

O filme traz ainda um certo drama. Isso se percebe, por exemplo, na história do capitão que deseja se aposentar tranquilamente, mas se vê incapaz diante das tragédias daquela última viagem. E também no dilema do médico que não é aceito nos hospitais por racismo, mas no navio é o mais capacitado para aquela luta por usar sua inteligência como arma pra enfrentar a criatura.


Verdade seja dita, o vampiro poderia ter mais tempo de tela, e talvez uma explicação de como se deu seu surgimento. Mas o longa vale o ingresso e a pipoca. 

É um filme que, mesmo não sendo um arrasa-quarteirão, se sustenta. Não tenta sobreviver apenas do nome do vampiro mais famoso de todos os tempos. 


Ficha técnica:
Direção: André Ovredal
Produção: Universal Pictures, DreamWorks Pictures, Phoenix Pictures
Distribuição: Universal Pictures
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h59
Classificação: 14 anos
País: EUA
Gêneros: terror, suspense

23 agosto 2023

Comovente, filme “Retratos Fantasmas” reflete sobre a interseção entre cinema, espaço e sociedade

Novo documentário de Kleber Mendonça Filho ilustra as consequências do trator da modernidade 
(Fotos: João Carlos Lacerda/Primeiro Plano)


Carolina Cassese
Blog no Zint


Depois de três longas-metragens ficcionais que obtiveram recepção calorosa da crítica e o reconhecimento de premiações renomadas - "O Som ao Redor" (2012), "Aquarius" (2016) e "Bacurau" (2019) - Kleber Mendonça Filho tem seu nome mais uma vez inserido na lista das estréias de cinema com "Retratos Fantasmas".

O filme entra em cartaz, simultaneamente no Brasil e Portugal, nesta quinta-feira (24). A primeira exibição do longa no país aconteceu durante a noite de abertura do 51º Festival de Cinema de Gramado, em sessão única fora de competição. Em outubro, será lançado nas salas da Espanha e, em novembro, nos cinemas da França e Estados Unidos. 

Cine São Luiz 

No documentário, memórias familiares se misturam à história de Recife, cidade na qual o diretor, produtor, roteirista e crítico de cinema brasileiro nasceu há pouco mais de 58 anos. 

O resultado é um filme forte e carregado de uma emoção que não é de modo algum forçada, mas inevitável diante da sucessão de acontecimentos a que o espectador assiste. Inegavelmente, há um sentimento de impotência diante desse mundo que avança como um trator rumo ao novo.

Narrado pelo próprio diretor, o longa é dividido em três partes. A primeira, “O apartamento de Setúbal”, é centrada na casa em que o recifense cresceu. O mesmo lugar serviu como cenário de vários trabalhos assinados por Mendonça Filho, como o já mencionado "O Som ao Redor". 


Aqui percebemos como realidade e ficção se entrelaçam, já que acontecimentos daquele cotidiano inspiraram ideias presentes nas obras do diretor. Uma frase dessa primeira parte ecoará por toda a obra: “O tempo transforma os lugares”. E como transforma. 

No bloco subsequente, intitulado “Cinemas do Centro de Recife”, acompanhamos como esse local sofreu importantes modificações ao longo dos anos. É a história de muitos centros brasileiros: representantes do capital passam a se interessar por outras áreas da cidade, geralmente menos acessíveis e democráticas. 

As zonas centrais então abandonadas pelo poder público e também por boa parte da sociedade, como pontua o diretor - “conheço jovens que nunca foram ao centro”.

Cine Veneza 

É também nesse momento do longa que vemos imagens de antigos cinemas de rua, que costumavam ser pontos de efervescência cultural. Como de costume, Mendonça Filho tem excelentes sacadas, como a sugestão de que os letreiros dos cinemas comentavam a situação política do país e, ainda, enviavam mensagens enigmáticas. 

Há também pontuações que ilustram a histórica (e ainda muito atual) desvalorização do cinema nacional - em detrimento de grandes distribuidoras estadunidenses.

Diante da demanda por uma cidade mais “moderna” e “funcional”, que atendesse aos interesses de grandes empresários, a maioria dos estabelecimentos independentes precisou fechar as portas. 

Essa história também se repetiu em muitos outros centros brasileiros: o cinema sai da rua e migra para o shopping center, o espaço do consumismo - se não bastasse, a própria indústria cinematográfica se torna mais e mais comercial. 

Centro de Recife 

No filme, Mendonça Filho mostra imagens de um shopping que foi construído em volta de um cinema antigo: “Essa coisa se alojou dentro do (Cinema) Veneza, como um organismo alienígena. E o cinema virou o hospedeiro”. 

No dia a dia, as ruas do centro vão ficando cada vez mais abandonadas. Como pontua uma personagem do longa “A Árvore, O Prefeito e a Mediateca” (1993), de Éric Rohmer: “Às vezes, a modernidade pode ser muito limitada”.

Em “Igrejas e Espíritos Sagrados”, o último bloco do documentário, há uma alegoria sobre símbolos religiosos, fantasmas e as ilusões do cinema. A última cena surpreende e, ao mesmo tempo, dialoga com várias outras discussões presentes na obra. 

Bilheteira de cinema

Esse é um dos principais méritos do trabalho de Mendonça Filho: seu documentário é extremamente coeso, conduzido por elementos fantasmagóricos (luzes piscando, vultos, desaparecimentos) e reflexões sobre o abandono.

Ao vermos o filme, nos damos conta de que as ruínas também contam histórias. Afinal de contas, muito pode ser inferido acerca de uma sociedade que troca cinemas por shoppings centers ou redes de farmácias. 

Em tempos de tanta correria, “Retratos Fantasmas” nos convida para uma pausa. É hora de olharmos para os escombros e refletirmos sobre o que ainda pode ser resgatado.


Ficha técnica:
Direção e roteiro: Kleber Mendonça Filho
Produção: CinemaScópio / Vitrine Filmes
Distribuição: Vitrine Filmes
Exibição: no Cineart Ponteio, Minas Tênis Clube/Unimed, Uni Cine Belas Artes
Duração: 1h31
Classificação: 12 anos
País: Brasil
Gênero: documentário