05 outubro 2023

Filme "Nostalgia" aborda tentativa de resgatar o passado

Produção italiana é baseada em romance homônimo de Ermanno Rea e tem Pierfrancesco Favino como protagonista (Fotos: Pandora Filmes/Divulgação)


Eduardo Jr.


Voltar pra casa para resgatar uma amizade parece algo bonito. Mas não é exatamente o que se vê no novo filme de Mario Martone, “Nostalgia”, distribuído pela Pandora Filmes, que estreia nesta quinta-feira (5).

Baseado no livro homônimo do escritor italiano Ermanno Rea, publicado em 2016, o longa traz o drama de um homem que retorna à sua cidade natal 40 anos depois.


O protagonista Felice, vivido por Pierfrancesco Favino (“Anjos e Demônios”, 2009), vive no Cairo, tem uma vida estável, se converteu à religião muçulmana e decide viajar para a cidade onde nasceu e passou a juventude. 

A princípio, o objetivo é cuidar da mãe idosa (Aurora Quattrocchi, que tensiona brilhantemente a trama). Mas a real intenção se mostra quando ele pergunta sobre um amigo de infância. 


Assim como Felice está voltando pra casa, o diretor Italiano Mario Martone também está voltando seus olhos para sua cidade natal. Nascido em Nápoles, Martone aborda de forma recorrente algumas páginas e personagens da história napolitana e da Itália. 

Entre essas obras estão “O Rei do Riso” (2022), “O Prefeito de Rione Sanità” (2019), “Capri-Revolution” (2018), “Leopardi: Um Jovem Fabuloso” (2014), “Nós Acreditávamos” (2011), “Caravaggio - The Last Act” (2005), “O Odor do Sangue” (2004) e “Morte de um Matemático Napolitano” (1992). 


Em “Nostalgia” a câmera acompanha Felice, e a profundidade de campo apresenta ao espectador a arquitetura napolitana e sua beleza decadente. Um reforço da informação que o texto oferece, de que Nápoles está entregue à criminalidade. 

A pauta da violência abre mais um assunto abordado no longa. Oreste (Tommaso Ragno), o melhor amigo do protagonista, se tornou uma das lideranças do crime. Já o padre Luigi Rega (Francesco Di Leva) de quem Felice se aproxima, é quem tenta evitar que jovens da cidade sejam cooptados pelos criminosos.    


Os flashbacks apresentados em uma mini tela mostram como aquela amizade (ou amor) do passado foi sinônimo de alegria - e como tinha tudo para trazer problemas. 

Aqui, desponta algo que pode ser lido, talvez, como inocência do protagonista: querer voltar para resgatar um passado que se rompeu abruptamente, mesmo que sua presença não pareça ser desejada. 


O muçulmano Felice volta a frequentar a igreja católica e até bebe vinho. Neste ponto se revela a opção do diretor de não explicar muito as situações e as questões sentimentais. Fica no ar se a mudança do protagonista é por uma obsessão com o passado, se o padre Luigi está apresentando o protagonista para toda a cidade e dando vinho a ele para ajudá-lo a se enturmar, ou se é por outra razão.    

'Nostalgia” é um filme de memórias. De silêncios e perguntas sem respostas que falam muito. Obra marcada por uma interpretação precisa de Pierfrancesco Favino. 

Apesar do desfecho se apresentar como previsível na segunda metade do filme, a obra pode agradar, seja pela fotografia, pela dramaticidade ou pela reflexão acerca do que a nostalgia pode fazer.  


Ficha técnica:
Direção: Mario Martone
Roteiro: Mario Martone e Ippolita di Majo
Distribuição: Pandora Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h57
Classificação: 14 anos
País: Itália
Gênero: drama

04 outubro 2023

Superficial e incompleto, “Ângela” não consegue contar a verdadeira história da pantera mineira

Atuação de Isis Valverde como Ângela Diniz é convincente e de total entrega à personagem, apesar do roteiro fraco (Fotos: Downtown Filmes)


Mirtes Helena Scalioni


Quem assiste à “Ângela”, sabendo apenas vagamente do rumoroso caso que abalou o Brasil em 1976, vai achar o filme fraco. Quem viu pelos jornais da época a tragédia da pantera mineira, a socialite que morreu brutalmente assassinada à queima-roupa pelo amante ciumento às vésperas de um réveillon em Búzios, talvez ache o longa fraco e vago. 

Mas, quem teve a oportunidade de acompanhar os oito episódios do podcast “Praia dos Ossos” (2020) vai sair do cinema decepcionado, certo de que a história foi muito mal contada, deixando pontas soltas, além de colaborar para que a imagem da moça seja, de novo, achincalhada, como se ela não passasse de uma mulher meio inconsequente e louca por sexo.


Responsável por algumas importantes mudanças na forma de se julgar um feminicídio, o assassinato de Ângela Diniz merecia um filme mais completo, capaz de levar a reflexões ainda hoje necessárias. Em pleno 2023, homens continuam matando mulheres como baratas porque se sentem seus donos. 

Nem mesmo o movimento feminista que, naquele tempo, mobilizou o Brasil a ponto de exigir um segundo julgamento do assassino, foi bem colocado no longa. O tal recorte dos últimos dias da pantera, escrito por Duda de Almeida e dirigido por Hugo Prata, deixa a desejar.

Ângela Diniz e Doca Street (Reprodução)

Para não ficar só na corrente do contra, talvez se possa pinçar algum mérito em “Ângela”: a atuação, convincente e de total entrega, de Isis Valverde. Apesar do roteiro fraco, a atriz mineira consegue revelar nuances de uma mulher moderna, libertária e atrevida, mas ao mesmo tempo melancólica, reflexiva e, de certa forma, solitária. 

Os aplausos podem ser estendidos também a Gabriel Braga Nunes, que faz o ciumento, agressivo e picareta Raul Doca Street, o amante assassino. 


De um modo geral, o elenco é todo um acerto, incluindo Gustavo Machado como o colunista Ibrahim Sued, Chris Couto como a mãe de Ângela, Bianca Bin como Tóia (representando todas as amigas da protagonista), Emilio Orciolo Neto como Moreau, Carolina Mânica como Adelita Scarpa e Alice Carvalho como Lili, a empregada que se torna amiga da patroa na casa de Búzios.


Quem gosta de música também vai poder observar que as guitarras falam muito alto na trilha sonora assinada por Otávio de Moraes, também responsável pelas composições de "Meu Nome é Gal". 

Belos solos embalam e preenchem cenas paradisíacas de praias, ondas que vêm e vão, sol se pondo, lua nascendo e tudo o mais necessário para ilustrar e valorizar um romance – que aliás não se concretiza com beleza – mas parece antever o trágico.

Outro detalhe que chama a atenção no filme, principalmente das mulheres: as cenas tórridas das muitas transas de Ângela e Raul são exageradas e nada plásticas. Há quem diga que nem parece paixão.


Ficha técnica:
Direção: Hugo Prata
Roteiro: Duda de Almeida
Produção: Bravura Cinematográfica, coprodução Star Productions
Distribuição: Downtown Filmes
Exibição: na sala 1 do UNA Cine Belas Artes, sessões às 14 e 18 horas 
Duração: 1h44
Classificação: 16 anos
País: Brasil
Gêneros: drama, biografia