19 janeiro 2024

"Sobreviventes - Depois do Terremoto" explora ética e moral da sobrevivência e da coexistência

A escolha de tons mais escuros e sombrios ajuda a transmitir a sensação de desespero dos personagens diante da devastação de Seul (Fotos: Lotte Entertainment)


Silvana Monteiro
@silmontheiro


"Sobreviventes - Depois do Terremoto" ("Concrete Utopia"), dirigido por Tae-hwa Eom, que assina o roteiro com Lee Shin-ji, traz análise e crítica socioambiental, escancarando as várias faces da natureza humana, principalmente frente aos desafios e à escassez de recursos e de habitação. 

O filme, que entrou em cartaz nos cinemas, começa com cenas inofensivas que demonstram a verticalização e a grande quantidade de pessoas em busca de uma chance para adquirir um apartamento em Seul, capital da Coreia do Sul.


Um cataclismo de proporções avassaladoras se desencadeia, deixando para trás uma paisagem desolada. O caos se instala e a esperança parece um fio tênue prestes a se romper. Em meio à devastação, apenas um imponente arranha-céu, o Hwang Gung Apartments, emerge como um farol solitário de resistência.

No inverno implacável, o prédio se torna uma colmeia humana, abrigando uma miríade de histórias, dores e esperanças. No entanto, a harmonia é rapidamente ameaçada à medida que a capacidade do edifício é ultrapassada.


Incomodados com aqueles "sobreviventes invasores", os "sobreviventes proprietários", tomam uma medida extraordinária para preservar a ordem. Mas como estabelecer tais regras em um lugar onde a própria vida é uma exceção, frágil e incerta? 

Na imensidão do caos, alguém é dono de algo? Quem tem domínio sobre a própria vida? O dilema moral surge, desafiando a noção de justiça em meio à adversidade.

Entre paredes marcadas pela tragédia, segredos são revelados, alianças são formadas e o destino de todos fica suspenso no fio da balança. Nesse turbilhão de emoções e dilemas morais, uma única certeza prevalece: coexistir em meio ao caos é enlouquecedor. Ser e ter se confundem.


Fotografia e cinematografia

As cenas fazem com que o espectador mergulhe profundamente na experiência dos sobreviventes. A fotografia com uma paleta de cores contrastantes, alternando entre tons claros antes do terremoto e tons mais sombrios, fortes e marcados após a catástrofe, reforça o realismo distópico da obra.

Essa escolha estética intensifica o impacto emocional de "Sobreviventes - Depois do Terremoto", transmitindo a sensação de desespero e desolação dos personagens. Os movimentos demonstram as tensões em busca de sobrevivência e convivência, o que proporciona uma experiência cinematográfica emocionalmente carregada.


Enredo e atuações

O diretor entrelaça diferentes histórias pessoais, algumas vezes com um certo desequilíbrio, o que pode causar confusão no fio condutor. Isso exige do espectador fixação total na tela. 

Os destaques da atuação vão para os atores Park Seo-joon ("Parasita" - 2020) como Min Sung, e Park Bo-young (Myung Hwa) que vivem os recém-casados da trama. Os dois dão o toque Dorama ao longa e nos remetem ao lado solidário da humanidade. Ambos permeiam a luta para salvar os sonhos e aspirações de um casal com cenas intimistas e propósitos de resiliência.


Lee Byung-hun, que já atuou em vários filmes e séries de televisão, incluindo "Sete Homens e Um Destino" (2016) , "O Bom, o Mau e o Bizarro" (2008), "Mr. Sunshine" (2018) e "Round-6" (2021), também se destaca. Ele dá o toque visceral e personifica a insurgência, nem vilão e nem mocinho, agindo como uma espécie de síndico, disposto a tudo para salvar seu teto e sua pele.

"Sobreviventes - Depois do Terremoto" peca na duração e no excesso de incidentes fragmentados no caos. Na visão desta cronista, a trama poderia ser mais coesa para prender melhor o público, porém ainda é um prato cheio para quem gosta de ficção científica e distopia, de reflexão e de debate sobre os caminhos e destinos da humanidade.


Ficha técnica
Direção:
Tae-hwa Eom
Produção: Climax Studio e BH Entertainment Co.
Distribuição: Paris Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 2h09
Classificação: 16 anos
País: Coreia do Sul
Gêneros: drama, ficção científica, suspense

18 janeiro 2024

Julianne Moore e Natalie Portman roubam a cena até mesmo em uma sátira como "Segredos de um Escândalo"

Filme é baseado em um caso real de pedofilia dos anos de 1990 que ganhou as páginas de jornais sensacionalistas pelo mundo (Fotos: May December Productions)


Wallace Graciano


Quando você tem em um filme um elenco com Julianne Moore e Natalie Portman, logo a expectativa de uma obra carregada de emoções fica no alto, certo? Impossível ser diferente, afinal estamos falando de duas das atrizes que faltam predicados para qualificá-las. 

Imagine, então, para dar vida a um filme baseado em fato real, no qual, normalmente, sentimentos e trejeitos são explorados de forma exaustiva? 

Porém, se podemos lhe dar um conselho é que dispa-se dela quando for assistir "Segredos de um Escândalo" ("May December"). Não que a atuação das duas não seja fantástica, como outrora. É. A questão está na premissa da obra em si, que carrega uma sátira a todo o mercado.


Todd Haynes, de "Carol" (2016), deixou para trás os embates morais de uma relação que ia de contraponto ao status quo de uma sociedade para, agora, atacar de forma melodramática tudo que está envolto no sensacionalismo da vida real.

Na trama, ele nos traz Gracie Atherton-Yoo, que é vivida por Moore. Uma mãe dedicada aos filhos, que é casada com Joe (Charles Melton). Seriam mais uma família estadunidense estereotipada não fosse o fato dela, quando tinha 36 anos e três filhos, ter se envolvido sexualmente com ele, que, aos 13 anos, era amigo de escola do seu filho. 

Da relação nasceu um casal de gêmeos e fez com que a outrora dedicada mãe fosse parar atrás das grades.


Após se acertar com a Justiça, Gracie volta a se relacionar com Joe e eles tentam seguir uma vida comum, como se o passado fosse apenas uma mera pedrinha que ultrapassaram. 

E assim seria, com os filhos prestes a entrar na universidade, não fosse o fato de Elizabeth (Portman), uma renomada atriz vencedora de séries, ser convidada para dar vida à Gracie em um filme. Pura metalinguagem.

Enquanto “investiga” trejeitos de sua futura personagem, Elizabeth passa do papel de detetive ao de psicóloga, colocando na sala do casal vários elefantes que estavam obscuros. E eles são muitos, com a relação abusiva do passado, que ficou por baixo do tapete, sendo mantida no presente, onde Gracie trata o marido como uma de suas proles, quase que de forma infantil. 


Nesse contexto, Haynes é brilhante ao conseguir expor o absurdo do caso. E ele conta com atuações impactantes de Portman e Moore para chegar a isso, já que elas misturam seus atos a um constante desconexo de frases e falta de linearidade da fotografia. O confuso é proposital e traz uma provocação ao sensacionalismo. 

Se podemos resumir a você, caro leitor, é que você precisa ir ao cinema com a certeza de que a obra não será eternizada como uma das mais brilhantes que assistimos, mas que valerá todo seu esforço. Seja por sair provocado pela construção propositalmente confusa de Haynes, seja por saber que Moore e Portman são duas das mais brilhantes atrizes de nossa geração.


Em qual caso "Segredos de um Escândalo" é inspirado?

A obra vivida por Portman e Moore não traz os nomes reais dos personagens que a inspirou. Na verdade, Gracie tem paralelos com Mary Kay Letourneau, enquanto Joe é um personagem que tenta reproduzir a vida de Vili Fualaau.

Os dois protagonizaram um dos maiores escândalos sensacionalistas estadunidenses dos anos 1990. Mary Kay e Vii se conheceram em 1991, quando ele tinha apenas oito anos e estudava na mesma escola em que Mary era sua professora numa cidade ao sul de Seattle. 

Ao conhecer mais profundamente aquele garoto, ela buscou estimulá-lo, já que ele vinha de uma família desestruturada, com 17 irmãos. Porém, cinco anos mais tarde, o que era cumplicidade ganhou outros rumos. 

Fualaau apostou com uma prima que conseguiria conquistar a professora e passou a “cantá-la” em um acampamento de verão. Mary, com 35 anos, consentiu e a relação mudou de status, virando um romance. 

O casal Mary Kay e Vii (Reprodução/Youtube)

Eles viveram em segredo até que em meados de 1996 um policial descobriu o casal. Ele patrulhava uma rua e verificou um carro suspeito, descobrindo a relação. Eles tentaram negar o caso, mas Steve, o marido de Mary, encontrou os bilhetes românticos, denunciando a então esposa à polícia.

Mary foi presa, acusada de estupro de vulnerável. Ela chegou a fazer um acordo com a promotoria e ficou somente seis meses presa, quando avisou que estava grávida. Ela cumpriu só metade da pena, com a condição de não ver mais Vii. Porém, ao sair, se reaproximou do rapaz, o que fez com que pegasse sete anos de prisão, após anunciar nova gravidez.

Quando Mary foi solta, os dois se casaram, já que Fualaau era maior, vivendo 12 anos juntos e se separando em 2017, a pedido de Vili. No ano seguinte, Mary foi diagnosticada com câncer de cólon, e dois anos depois, em 2020, faleceu aos 58 anos.


Ficha técnica:
Direção: Todd Haynes
Produção: Killer Films, May December e Netflix Productions
Distribuição: Diamond Films Brasil
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h57
Classificação: 16 anos
País: EUA
Gêneros: drama, comédia