25 janeiro 2024

“Vidas Passadas” reflete com sensibilidade sobre a passagem do tempo

História de amor, indicada ao Oscar 2024 de Melhor Filme e Melhor Roteiro Original, consegue escapar
dos clichês do gênero (Fotos: A24)


Carol Cassese


“Quando você abandona uma coisa, acaba ganhando outra”. Uma das primeiras frases de "Vidas Passadas" ("Past Lives"), filme de Celine Song, ecoa durante toda a narrativa, que reflete sobre as chances perdidas e as boas surpresas do cotidiano. 

O longa, que foi indicado ao Oscar 2024 de Melhor Filme e Melhor Roteiro Original, estreou com aclamação no Festival de Sundance e recebeu o troféu de Melhor Filme Independente no Gotham Awards.

Em cartaz nos cinemas a partir desta quinta-feira (25), essa nova produção da A24 acompanha a relação de Nora (Greta Lee) e Hae Sung (Teo Yoo), amigos de infância que seguem caminhos separados quando a família da protagonista se muda da Coreia do Sul para o Canadá. 


Os dois personagens se reencontram em dois momentos: primeiramente, 12 anos após a partida de Nora, quando passam a conversar online por um breve período.

Mais uma década se passa e Hae Sung decide que irá visitar Nova York, cidade em que Nora passou a morar. No entanto, agora a protagonista definitivamente não é mais aquela garotinha ingênua da Coreia do Sul: Nora vive com seu marido estadunidense, Arthur (John Magaro), e se encontra bem mais adaptada à realidade norte-americana.


A diretora medita sobre a noção de “In-Yun” ao longo de toda a história; segundo o conceito coreano, o nosso “eu atual” (e as pessoas ao nosso redor) estão diretamente relacionadas a acontecimentos de vidas passadas. Em diferentes momentos, os personagens da trama de Song refletem filosoficamente sobre como estão profundamente conectados.

Além de acompanhar o desenrolar do relacionamento entre Nora e Hae Sung, o longa também tangencia o tema do “sujeito dividido”, bastante comum em narrativas de imigração. Numa determinada cena, o marido de Greta observa que a esposa fala em coreano enquanto está dormindo: “Você sonha em uma língua que eu não entendo; é como se tivesse um lugar dentro de você que eu não posso acessar”. 


Por sua vez, a protagonista frequentemente se sente desconectada das origens sul-coreanas - inclusive ao comparar sua vida com a de Hae Sung, que, segundo ela, é um “típico coreano”.

Um dos principais méritos do longa é o fato de o mesmo não apresentar um desenrolar óbvio, como acontece em muitas comédias românticas. Nesse sentido, podemos até mesmo relacionar o filme com "Folhas de Outono" (2023), que também é centrado numa história de amor e consegue escapar dos clichês do gênero.


Em entrevista ao veículo The Hollywood Reporter, a diretora Celine Song fez um pedido aos espectadores: “Espero que o público compareça ao cinema com o coração aberto, mais do que qualquer outra coisa. (..) Espero que pelo menos na hora e 45 minutos em que estiverem no teatro, eles consigam se conectar com os protagonistas e estar abertos a eles”. Levando em conta a excelente construção de personagem, não é uma tarefa difícil se envolver com os acontecimentos.

Ao reunir belos enquadramentos e ótimas atuações, "Vidas Passadas" merece destaque nessa temporada de premiações. É ainda mais impressionante, vale assinalar, o fato de que esse é o primeiro filme de Song - definitivamente podemos ficar ansiosos pelo que vem pela frente.


Ficha técnica:
Direção e roteiro: Celine Song
Produção: A24
Distribuição: California Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h45
Classificação: 12 anos
Países: Coreia do Sul e EUA
Gêneros: comédia romântica, drama

23 janeiro 2024

Animação “Bizarros Peixes das Fossas Abissais” entrega a estranheza que o título sugere

Estreia do animador Marão na direção de um longa tem vozes de Guilherme Briggs, Rodrigo Santoro e Natália Lage (Fotos: Pedro Gallo) 


Eduardo Jr.


O título é bem exótico. E o que se vê na tela é igualmente estranho. Mas a mensagem chega ao destinatário e até diverte o público durante esse trajeto. O filme “Bizarros Peixes das Fossas Abissais” marca o primeiro passo do diretor e animador Marão no mundo dos longas-metragens, e chega aos cinemas no dia 25 de janeiro. A distribuição é da Vitrine Petrobras, em parceria com a Boulevard Filmes. 


O título se refere ao destino das personagens, as profundezas do mar, onde esperam encontrar um segredo oculto por um mapa. Nessa jornada, que vai da baixada fluminense até a Sérvia, três personagens se unem: uma mulher que transforma seus glúteos em um primata bom de briga ao pronunciar a frase “minha bunda é um gorila” (oi?), uma tartaruga com transtorno obsessivo-compulsivo (que é ótima!) e uma nuvem com incontinência urinária - ou melhor, pluviométrica (eu juro, é isso mesmo que você leu). 


Toda essa esquisitice chega ao espectador vestida em traços rústicos como rascunhos, em piadas nonsense e ironias sobre o universo dos heróis. Na dublagem, nomes de destaque como Natália Lage, Guilherme Briggs e Rodrigo Santoro. E o que parece ser limitação é, na verdade, uma escolha. Marão, que roteirizou o longa, decidiu trabalhar com apenas dois nomes, já velhos conhecidos do diretor: Rosaria e Fernando Miller. 

Talvez por isso tenha levado dez anos para concluir a obra. Foram quatro anos para captar recursos e outros seis para desenhar e animar tudo. A história foi ganhando vida em ordem cronológica, em formato 2D, utilizando a técnica full animation, na qual os personagens se movem por inteiro, e não algumas partes. 


A animação dialoga com jovens adultos, e nela há pautas como amizade, a força do coletivo, a coragem para enfrentar seus medos, valores de vida e resiliência. Abordagens presentes também em outras obras, como “Chef Jack” (2023), um dos representantes deste momento de ascensão da animação brasileira.    

Mesmo que a proposta seja duvidosa, as credenciais do longa vão se acumulando. Marão e seu “Bizarros Peixes das Fossas Abissais” receberam Menção Honrosa na Première Brasil - Novos Rumos no Festival do Rio; prêmio de Melhor Longa pelo júri popular do Monstra Festival, em Lisboa; prêmio de Melhor Longa de Animação do City Film Festival Stockholm, na Suécia; além de integrar a programação da 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo e do Festival Internacional Del Nuevo Cine Latinoamericano de Havana. 

Diretor e animador Marão

Mostras de cinema não são uma novidade para Marão, que tem passagem por 667 festivais e 127 prêmios. Entre seus 15 filmes, há, sim, curtas mais interessantes do que “Bizarros Peixes”. Mas a experiência de conhecer o trabalho do diretor e animador pode ser interessante. 

As cidades com exibição confirmada do longa são Aracaju, Belém, Belo Horizonte, Brasília, Cuiabá, Curitiba, Fortaleza, Goiânia, João Pessoa, Maceió, Manaus, Niterói, Palmas, Porto Alegre, Recife, Rio Branco, Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo e Vitória. 


Ficha Técnica:
Direção e roteiro: Marão
Animação: Marão, Rosaria e Fernando Miller
Produção: Letícia Friederich
Distribuição: Vitrine Filmes e Boulevard Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h15
Classificação: Livre
País: Brasil
Gêneros: comédia, animação