15 fevereiro 2024

"Bob Marley - One Love" joga os holofotes sobre o herói da paz, não sobre o músico

Kingsley Ben-Adir é o destaque do elenco interpretando a lenda do reggae (Fotos: Paramount Pictures)


Larissa Figueiredo 


Músico brilhante, seguidor fiel de Jah, marido apaixonado, amante complicado, amigo dedicado e ativista político. Essas são as faces de Bob Marley, ou melhor, Skipper, no filme "Bob Marley - One Love", que estreia nesta quinta-feira nos cinemas. Quem espera assistir a ascensão da estrela do reggae que conquistou o mundo com sua música, vai se decepcionar. E que bom! 

O filme começa no ponto alto da guerra civil jamaicana. Não perde tempo com explicações desnecessárias, mas também não deixa pontas soltas quanto a isso, no decorrer da trama tudo se encaixa de forma não linear. 


O longa retrata a luta de Marley pela paz em sua terra e seus dilemas existenciais em relação à fama, amor, vida e religião. Muitos momentos decisivos se passam no inconsciente do protagonista e trabalham o equilíbrio entre o simbólico e o real. 

O elenco é muito fiel aos integrantes da história, obviamente, com destaque para Kingsley Ben-Adir, que interpreta o protagonista. O ator trouxe o personagem para além da caricatura, representou com primor as questões emocionais complexas do artista. Robert Nesta Marley é humano, chora, sente raiva, medo, se frustra e se reconstrói. 


Rita Marley (Lashana Lynch) é uma peça fundamental no desenrolar da trama, que funciona como âncora e, ao mesmo tempo, o foguete que impulsiona Marley a lutar pelo que acredita. A atriz encara com perfeição o peso da solidão de uma mulher frustrada e mãe solo. 

Em um silêncio ensurdecedor, os “gritos” de Rita são pontuais e aparecem em momentos importantes. Nos flashbacks, vemos uma menina mulher sensível, apaixonada e cheia de sonhos. É nessa diferença que o talento da atriz fica mais que evidente. 


O time de produtores é um grande diferencial que garante fidelidade nos fatos narrados na obra, afinal, eles estavam lá quando ela foi escrita. Rita Marley, esposa de Bob, Ziggy e Cedella Marley, filhos do artista, Robert Teitel ("O Ódio que Você Semeia" - 2018) e Dede Gardner "(Blonde" - 2022, "Comer, Rezar e Amar" - 2010), assinam a produção da cinebiografia. 

As músicas aparecem no momento correto do longa. Desde as mais aclamadas pelo público às menos conhecidas e mais antigas dos The Wailers. No entanto, para quem gosta, a obra não oferece grandes números musicais do artista e sua banda. 


As canções do astro funcionam como uma forma sutil de dizer o que precisa ser dito ao espectador. Fotografia, montagem e cenários pontos positivos que agregam na experiência. 

Fora da temporada de grandes premiações, "Bob Marley - One Love" definitivamente não é, e não será um dos favoritos da crítica especializada. Não há nada de excepcional. Simples, funciona bem por ser sobre quem é. Uma obra para se ver de olhos, ouvidos e corações abertos e se preparar para a emoção. 


Ficha técnica:
Direção: Reinaldo Marcus Green
Produção: Paramount Pictures, State Street Pictures, Plan B Entertainment
Distribuição: Paramount Pictures
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h47
Classificação: 14 anos
País: EUA
Gêneros: biografia, drama
Nota: 3,5 (0 a 5)

14 fevereiro 2024

"O Menino e a Garça" é uma animação poética sobre amizade e amadurecimento

Produção japonesa está na disputa do Oscar 2024 e já faturou o Globo de Ouro da categoria
(Fotos: Studio Ghibli)


Maristela Bretas e Selhe Moreira


Pureza, cores vibrantes e uma mensagem que toca o coração envolvendo família, cultura, amizade e amadurecimento. Esta é a animação japonesa "O Menino e a Garça" ("The Boy and the Heron"), que estreia nesta quinta-feira (22) nos cinemas brasileiros, em versões dubladas e legendadas. 

A animação, com distribuição da Sato Company, terá sessões antecipadas por todo país em diversas cidades do país. Em BH, elas irão acontecer no UNA Cine Belas Artes, dias 10 e 11, às 14 horas, e no Cinemark BH Shopping, dias 17 e 18, às 16 horas.

Depois de conquistar o Globo de Ouro deste ano como Melhor Animação e ser um forte candidato ao Oscar na mesma categoria, a obra não poderia ser considerada menos que encantadora e envolvente.

Com direção e roteiro de Hayao Miyazaki (o mesmo do premiado "A Viagem de Chihiro" - 2001), o filme conta a história de Mahito, um menino de 12 anos que perdeu a mãe durante um ataque aéreo a Tóquio na Guerra do Pacífico. 


Tempos depois, o jovem é levado pelo pai para morar numa propriedade da família no campo, onde descobre que sua madrasta e tia, irmã da mãe falecida, está grávida de seu pai.

Mahito não se conforma com a perda da mãe, e se julga culpado por não ter conseguido salvá-la do incêndio. O jovem é levado para um ambiente novo, vivendo entre idosos e idosas que o chamam de "patrãozinho". 

O pai trabalha o dia todo e dá mais atenção à nova esposa e ao filho que está chegando do que para ele. Ele tem de conviver com a "nova mãe" que ele não aceita apesar de ser uma pessoa doce e atenciosa. O bullying na escola também é outro problema na vida do garoto.


Mas são as criaturas locais, como a garça-real azul que fala, que vão atrair Mahito para outro mundo, partilhado pelos vivos e pelos mortos, cheio de fantasia, perigo e aventura. 

Guiado pela garça, ele irá tentar descobrir se sua mãe realmente morreu e tentar encontrar a madrasta que desapareceu misteriosamente em uma torre antiga e isolada que existe há anos na propriedade.

O diretor emprega muita linguagem figurada para apresentar as situações vividas por protagonista, como os costumes da cultura japonesa, a morte, o medo do abandono, o parto, a guerra (inclusive com símbolos que remetem aos discursos de Hitler) e a responsabilidade de dar sequência a um legado que dará paz ao mundo.


Num dos diálogos polêmicos entre Mahito e a garça, a ave afirma que sua espécie é mentirosa, provocando dúvidas sobre o que é verdade e o que é mentira, seja contada por uma ave ou pelo ser humano. Todas essas colocações levam a um único objetivo - mostrar que é possível um recomeço.

Destaque para as simpáticas vovozinhas, que proporcionam momentos divertidos ao disputarem um cigarro ou um prato de arroz ou açúcar, produtos escassos num Japão arrasado pela guerra. As confusões que a garça falante se mete e coloca Mahito também garantem boas risadas. 


Autobiografia

O roteiro é uma semiautobiografia, baseada na experiência do próprio Miyazaki em sua infância, e entre as mensagens do longa está a possibilidade da paz entre as nações num mundo marcado pela guerra.

A produção poderá ser a última do diretor por causa de sua idade - 82 anos. Se isso acontecer, ele terá se aposentado com outra bela obra em animação.

Desde o início do filme já se percebe a preocupação de Hayao em destacar os movimentos apenas dos personagens que ganham mais vida com a palheta de cores do fundo estático das cenas, ora com imagens em tons pálidos, ora em tons fortes. 


Completa o cenário a bela trilha sonora de "The Boy and the Heron", composta por Joe Hisaishi, com 36 canções, entre elas as versões da música-tema "Ask Me Why". A trilha está disponível no Spotify. 

Vale conferir um detalhe que chamou a atenção de minha colaboradora Selhe Moreira: a música "Reincarnation", que toca quando os warawara vêem a lua, tem os primeiros acordes semelhantes aos do início de "Moonlight Sonata", de Beethoven.

Premiações e disputas

Forte candidato ao Oscar de 2024 como Melhor Animação, "O Menino e a Garça" vai para a disputa contra "Elementos", "Nimona", "Meu Amigo Robô" e "Homem-Aranha: Através do Aranhaverso" já com duas conquistas: o Globo de Ouro e o New York Film Critics Circle Award deste ano nesta mesma categoria. Não faltam indicações de que se trata de uma obra que encanta e é para ser curtida, especialmente no cinema. 


Ficha técnica
Direção e roteiro: Hayao Miyazaki
Produção: Studio Ghibli
Distribuição: Sato Company
Exibição: nos cinemas
Duração: 2h04
Classificação: 12 anos
País: Japão
Gêneros: animação, fantasia, aventura