24 fevereiro 2024

“Amanhã” olha para o passado, o presente, o efeito do tempo e as questões sociais

Novo documentário de Mauro Pimentel tem como cenário a a Barragem Santa Lúcia, em Belo Horizonte
(Fotos: Gabriela Matos e Arquivo Pessoal)


Eduardo Jr.


Chega aos cinemas nesta quinta-feira (29) o novo documentário de Marcos Pimentel. Batizado “Amanhã”, o longa coloca, no mesmo plano, crianças de classes sociais distintas, capturando alguns de seus desejos para o futuro, e retorna 20 anos depois para acompanhar como essas personagens estão vivendo. A obra é produzida pela Tempero Filmes, com distribuição da Descoloniza Filmes.  

O início do filme não diz ao espectador o que esperar. O ano é 2002 e crianças brincam em um cenário conhecido dos belorizontinos: a Barragem Santa Lúcia. O lago e a praça de esportes parecem atuar como fronteira, separando um bairro de classe média de uma favela.


Quando se mudou para Belo Horizonte, no ano 2000, Pimentel se impressionou ao perceber que, embora vizinhos, moradores de um lado dificilmente atravessavam para o outro. Mas a convite do diretor, morro e asfalto se aproximaram. O pequeno Tomaz é o personagem que sai do apartamento pra brincar com Julia e Cristian, dois irmãos que vivem no morro.

O material, gravado em 2002, é apresentado às mães das crianças duas décadas depois. E aí o documentário começa a mostrar a que veio. As memórias e opiniões dessas mulheres e das crianças, agora crescidas, expõem como o abismo social, não percebido na infância, se escancara. E não só porque eles se tornaram adultos, mas porque o país mudou.


O próprio diretor, em uma de suas narrações, exemplifica isso ao expor a percepção de que a camisa da seleção brasileira, festejada na Copa de 2002, se tornou símbolo da discórdia duas décadas depois. Até a ausência de uma das personagens é posicionamento. 

E a maneira como esses elementos são dispostos no longa vão levando o público a refletir sobre diversas pautas do cotidiano, de consciência política à urbanização.

Um filme sensível sobre encontros, desencontros, mazelas sociais e o efeito do tempo. Talvez por isso, o documentário tenha sido exibido em competição no É Tudo Verdade, recebido Menção Honrosa no 5º Pirenópolis Doc e premiado no 27º FAM - Florianópolis Audiovisual Mercosul.  


Ficha Técnica:
Direção: Marcos Pimentel
Depoimentos/Imagens de Arquivo: Cristian de Miranda, Cristiana Santos, Júlia Maria
Produção: Tempero Filmes
Distribuição: Descoloniza Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h46
Classificação: 12 anos
País: Brasil
Gênero: documentário

22 fevereiro 2024

"Ferrari", um recorte na vida do homem por trás da escuderia

Adam Driver interpreta o criador de uma das maiores marcas de veículos de luxo do mundo e sua obsessão
por velocidade (Fotos: Lorenzo Sisti)


Maristela Bretas


Um homem arrogante, com obsessão por corridas, velocidade e vitórias, que criou uma das maiores marcas de veículos de luxo do mundo. Esta é a história que está sendo contada em "Ferrari", filme que estreia nesta quinta-feira nos cinemas.

Ambientado na virada da década de 1950, o longa tem uma narrativa lenta, focada num recorte da vida de Enzo Ferrari (interpretado por Adam Driver), que é quebrada apenas pelas cenas de corridas, acidentes espetaculares e as brigas dele com a esposa Laura (Penélope Cruz). Foi ela que ajudou o famoso Commendadore a construir o império que revolucionou a indústria automotiva, ajudando a criar o conceito das corridas de Fórmula 1.


A cinebiografia, dirigida por Michael Mann (um apaixonado pela marca e diretor também de "Ford X Ferrari" - 2019), foca mais na vida pessoal de Enzo Ferrari, sua relação com a esposa e a amante de longos anos, Lina Lardi, papel de Shailene Woodley e a obsessão por  carros caros e velozes que o deixam à beira da falência.

Um dos pontos negativos do filme é o sotaque italiano sofrível de Adam Drive (para quem for assistir o filme legendado), repetindo um erro cometido em "Casa Gucci" (2021). O ator apresenta o criador da famosa marca italiana automotiva como um homem extremamente exigente quanto à qualidade de seus carros, mas nem tanto com a vida dos pilotos, e que não admitia qualquer tipo de erro de sua equipe. 


Até mesmo nas tragédias, o Enzo Ferrari do filme aparentava frieza. Os poucos momentos de ternura acontecem quando se lembra do filho falecido, Dino. Mesmo com suas mulheres, ele se mostra uma pessoa metódica e controladora, agindo como um empresário comandando seus funcionários. Pessoas que conheceram o verdadeiro Enzo Ferrari e viram o filme comentaram em matérias na imprensa que ele não era desta forma.

Apesar de Adam Driver ser o protagonista, a grande estrela do filme é Penélope Cruz. A atuação da atriz dá gás e vida à trama fora das pistas de corrida, mostrando garra e presença forte, especialmente quando enfrenta o marido sobre suas decisões erradas que ameaçam a empresa. 

É ela quem controla com mãos de ferro as finanças da Ferrari, enquanto sofre com a morte do filho, o casamento de fachada, as traições e a solidão de uma vida a dois.  


Shailene Woodley é Lina Lardi, a amante de Enzo. A atriz tem uma atuação dentro do esperado, um pouco apagada, como a de sua personagem, mantida em "segredo" pelo Commendadore. Lina é a mãe do segundo filho dele - Piero, que foi reconhecido anos depois. Hoje ele é acionista e ocupa a vice-presidência da multinacional Ferrari. 

Outro que tem papel decisivo na história, mesmo sendo colocado em segundo plano, é o brasileiro Gabriel Leone ("Eduardo e Mônica" - 2020). Ele vive o jovem marquês milionário e piloto espanhol Alfonso De Portago, contratado para correr pela Ferrari na corrida Mille Migla, no Norte da Itália, em 1957. 


Michael Mann empregou muito CGI nas imagens de disputas da época e nos acidentes (algumas cenas chegam a chocar). No entanto, Adam Drive não teve permissão para dirigir nenhum dos carros clássicos originais de corrida da Ferrari usados nas filmagens por causa do seguro. 

O diretor também reproduziu a cena do beijo dado por Alfonso de Portago em sua namorada Linda Christian (papel de Sarah Gadon) em uma das paradas da corrida Mille Miglia. A foto ficou conhecida como "O Beijo da Morte".

Já Patrick Dempsey (da série "Gray's Anatomy"), que além de ator é piloto de corridas, conseguiu dirigir algumas réplicas da Ferrari no filme. Ele interpreta o piloto da escuderia, Piero Taruffi. No elenco contamos também com Derek Hill (filho do falecido piloto e campeão de Fórmula 1 pela Ferrari, Phill Hill), no papel do piloto da Maserati, Jean Behra. Outro que faz papel de corredor é Jack O'Connell, como o britânico Peter Collins, entre outros.


"Ferrari" também tem como pontos positivos a fotografia, as locações (especialmente onde ocorrem as corridas), figurino e maquiagem. Mas o desenrolar, apesar de ser apenas um recorte da vida do empresário, pode não agradar aos amantes de corridas., que esperam ver grandes competições.

Diferente de outras cinebiografias do gênero, como "Rush: No Limite da Velocidade" - 2013, sobre a rivalidade entre os pilotos Niki Lauda e James Hunt (pode ser conferido na Netflix); o recente "Gran Turismo" - 2023, que conta a vida do jogador de videogame que virou piloto, Jann Mardenborough (HBO Max) e até "Ford X Ferrari", sobre a disputa entre as duas grandes marcas para provar quem era melhor nas pistas (Star+).


Ficha técnica
Direção: Michael Mann
Produção: STX Films
Distribuição: Diamond Films
Exibição: nos cinemas
Duração: 2h10
Classificação: 16 anos
País: EUA
Gêneros: ação, cinebiografia