20 março 2024

“Pobres Criaturas”: bizarrices e loucuras para falar de libertação feminina e limites éticos da ciência

Filme é tão bizarro e risível, e ao mesmo tempo tão sério e profundo, que causa desconforto ao espectador (Fotos: Searchlight Pictures)


Mirtes Helena Scalioni


Difícil definir, numa só palavra, o filme “Pobres Criaturas”, dirigido pelo grego Yorgos Lanthimos. De comédia dramática a aventura, de ficção científica a fábula, tudo pode se encaixar nesse longa cujo trunfo é – clara e propositadamente - o estranhamento. 

É tudo tão esquisito, tão bizarro e risível, e ao mesmo tempo tão sério e profundo, que resta ao espectador levar para casa o desconforto que permanece ao final da história. O ganhador de quatro Oscar poderá ser conferido a partir desta quarta-feira (20), no canal Star+.



Como um Frankenstein moderno, o Dr. Godwin Baxter, feito na medida por Willem Dafoe, vive de criar seres estranhíssimos em seu estranhíssimo laboratório. Mas nada se compara a Bella Baxter, a mulher que ele criou a partir do cérebro de um bebê. 

Magistralmente interpretada por Emma Stone, Bella é uma espécie de bebê adulto, que precisa aprender a caminhar, falar, comer, se comunicar, mas, principalmente, conviver.

O filme talvez não fosse o sucesso que é sem Emma, que não por acaso, é a vencedora do Oscar de Melhor Atriz de 2024. Ela hipnotiza e confunde o público, que ri e torce contra - e a favor – da personagem em sua difícil jornada em busca de adaptação no mundo.


Com expressão corporal só vista em grandes artistas, Emma Stone dá o tom certeiro de uma Bella Baxter inteligente e libertária, mas sem filtros, aprendendo a viver num ambiente repleto de regras, limitações e etiquetas, ao mesmo tempo em que se mostra sedenta de conhecimento.

Para além das bizarrices, “Pobres Criaturas”, que é baseado no livro do britânico Alasdair Gray, desperta boas reflexões sobre a luta pela libertação das mulheres, cuja sexualidade foi – e é – historicamente tolhida. E ainda esbarra no debate do limite ético – ou a falta dele – nos experimentos científicos. Afinal, o Dr. Godwin Baxter é quase um Deus. Não por acaso, Bella Baxter, sua mais incrível criação, o chama de God.


É preciso falar também das atuações de Ramy Youssef e Mark Ruffalo, que enriquecem o filme com interpretações seguras. O primeiro, como Max McCandless, o romântico noivo de Bella, e o segundo como o astuto advogado Duncan Wedderburn, que a leva para conhecer o mundo. 

São nessas viagens que a estranha criatura descobre, além do próprio corpo, os livros, a filosofia, a esperteza, as diferenças sociais, a miséria e até Deus.


Precioso e impagável é o momento em que Bella Baxter foge do hotel onde está hospedada em Lisboa e sai, sozinha, caminhando a esmo pelos becos e ruelas da cidade. Até que um som chama a sua atenção. Numa varanda, uma mulher toca maravilhosamente um fado. 

Atônita e claramente envolvida pela música, aquela estranha e rústica criatura se deixa envolver e se emociona. Uma cena rápida, mas tocante, que só poderia ser feita – e entendida – por uma grande atriz.


Ficha técnica
Direção: Yorgos Lanthimos
Produção: Searchlights Pictures e Film4
Distribuição: 20th Century Studios
Exibição: Canal Star+
Duração: 2h21
Classificação: 18 anos
País: EUA
Gêneros: drama, fantasia, romance, comédia

19 março 2024

“O Primeiro Dia da Minha Vida” é drama filosófico sobre assunto tabu

Quatro pessoas, unidas pelo mesmo objetivo, são orientadas por um estranho para que possam rever suas escolhas (Fotos: Maria Marin PH)


Eduardo Jr.


Chega aos cinemas brasileiros no dia 21 de março um longa de temática “ousada” - afinal, suicídio é assunto delicado. O autor da proeza é o diretor Paolo Genovese que, baseado em um romance de sua própria autoria, traz no longa “O Primeiro Dia da Minha Vida” ("Il Primo Giorno Della Mia Vita") quatro pessoas que recebem a chance de rever suas escolhas (não necessariamente em vida). A distribuição é da Pandora Filmes. 

Na trama, os quatro indivíduos são abordados pelo protagonista, vivido por Toni Servillo. Para definir esse protagonista, “misterioso” seria a palavra ideal, pois nem nome ele tem. Mas sua chegada tem um propósito: fazer essas pessoas que optaram pelo autoextermínio avaliarem se irão, de fato, prosseguir com isso, ou se darão uma chance a uma nova vida, sem o peso dessa escolha drástica. 


A partir da relação entre os quatro suicidas, se abrem pautas polêmicas (principalmente para a nossa cultura), como, por exemplo, o que acontece após a morte, qual destino nos espera depois do fim, e as motivações e consequências ligadas à escolha de encerrar antes da hora sua passagem nessa terra.

Essas questões partem das dores que levaram cada uma das personagens àquele lugar. No grupo estão uma ginasta paraplégica, presa a uma cadeira de rodas, um youtuber mirim que não queria a fama, uma mãe que perdeu a filha e um coach motivacional que não vivia aquilo que pregava. 


E quem os orienta é o protagonista, uma espécie de anjo ou agente da morte. Tudo se passa em uma Itália que se afasta dos famosos cartões postais - talvez uma alusão do diretor a uma cidade não identificada, tal qual o além para nós, que aqui estamos. 

Se o tema parece denso, a direção consegue inserir leveza, reflexões e uma pitada de humor. Não só por conta do roteiro, mas pelas personagens construídas e por algumas interpretações. Destaque para o carismático garoto Gabriele Cristini. Não é uma obra que leva a um clímax exuberante, mas também não provoca sono. 


Embora a música marque presença sem muita originalidade (talvez até meio clichê), a acidez do texto em certos momentos e algumas escolhas de filmagem, como a câmera que passeia acima do cemitério, exibindo uma “cidade dos mortos” tiram o espectador do marasmo. 

Pode ocorrer também um incômodo diante dos diálogos e provocações acerca das motivações, das convenções sociais e morais. E aí “O Primeiro Dia da Minha vida” cumpre seu papel. Faz com que o público saia diferente do cinema com essa experiência, ou leve consigo algo dessa obra. 

Concordando ou não com a resposta apresentada em certo diálogo do filme sobre a vida e o autoextermínio, o longa traz questões filosóficas a partir do carisma do elenco e de uma proposta interessante.      


Ficha técnica:
Direção: Paolo Genovese
Produção: Lotus Production
Distribuição: Pandora Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 2h01
Classificação: 16 anos
País: Itália
Gênero: Drama