29 maio 2024

“A Filha do Palhaço” - longa explora a afetividade parental entre artistas itinerantes e seus filhos

O drama explora a troca afetiva em que, tanto Joana quanto Renato precisam superar seus preconceitos e traumas do passado para se curarem (Fotos: Embaúba Filmes)


Silvana Monteiro


Filiação e paternidade, convivência familiar, relação entre gerações distintas, conflitos familiares, teatro, arte e transformações artística e humanossocial são temas retratados nesta obra de 2022, que estreia nesta quinta-feira (30), mas que já pode ser conferida na pré-estreia de hoje no Centro Cultural Unimed-BH Minas.

Com produção da Marrevolto Filmes, em associação com a Pique-Bandeira Filmes, e distribuição pela Embaúba Filmes, "A Filha do Palhaço" conquistou o prêmio principal na Mostra de Cinema de Gostoso, além de receber o prêmio do público na Mostra de Tiradentes. 

A narrativa vai muito além do contexto superficial sobre a distância entre um pai comediante e sua filha adolescente. Ao invés disso, o diretor Pedro Diógenes nos apresenta uma história profundamente conflituosa e emotiva, mergulhando nas camadas complexas da afetividade parental e da identidade artística.


O ponto de partida é a relação tensa entre Joana e seu pai, Renato, que só aparece em datas comemorativas.  Essa ausência constante cria uma ferida emocional em Joana, que luta para entender o pai e sua dedicação à carreira como Silvenelly, um personagem cômico inspirado em um ícone da cultura local. 

Conforme o filme avança, vemos os conflitos se transformarem em afeto entre pai e filha. Joana inicialmente encara o trabalho do pai como uma fuga, uma máscara que o impede de se conectar com ela de verdade. Mas à medida que ela acompanha os shows de Silvenelly, seu olhar se desnuda. Ela percebe que aquele trabalho é uma forma de expressão artística e pessoal para Renato, ainda que envolva sacrifícios e até mesmo violência verbal.

O núcleo dramático do filme reside na troca afetiva, em que tanto Joana quanto Renato precisam superar seus preconceitos e traumas do passado para finalmente se curarem. Enquanto Joana aprende a valorizar o ofício do pai, Renato faz descobertas incríveis sobre suas identidades artística e pessoal, ressignificando sua autopercepção.


Essa afetividade conflituosa é magistralmente retratada por Demick Lopes (Silvenelly, personagem inspirada em Raimundinha de Paulo Diógenes) e Lis Sutter (Joana). Lopes transita com maestria entre os dois lados de Renato - o homem deprimido e inseguro, e o artista confiante e cômico. 

Já Sutter entrega uma estreia avassaladora como Joana, capaz de transmitir toda a dor e a esperança da personagem. Além deles, estão no elenco grandes artistas como Jesuíta Barbosa, Jupyra Carvalho, Ana Luiza Rios, Valéria Vitoriano e outros talentos.

Também a produção de "A Filha do Palhaço" é igualmente impressionante. A recriação dos shows de Silvenelly, com seus figurinos, maquiagens e sotaques característicos, nos transporta diretamente para o universo daquele artista. E a evolução visual de Joana, de uma adolescente ressentida a uma jovem mais madura, espelha perfeitamente seu crescimento emocional.


O detalhe importante de Silvenelly é ser um personagem similar a Raimundinha, famoso ícone do humor cearense criado por Paulo Diógenes, primo de Pedro, falecido em 14 de fevereiro de 2024. Por isso, a distribuição da obra aos cinemas, também se apresenta como uma homenagem póstuma ao artista.

Com um estilo que mescla circo e stand-up, Silvenelly faz piadas sobre o cotidiano local, arrancando risadas e muitas vezes enfrentando a violência da homofobia. "A Filha do Palhaço" aborda seus temas de forma sensível e corajosa, em uma construção, ora tensa, ora cômica, capaz de provocar momentos de reflexão, mas também de tirar gargalhadas de quem o assiste. 

O longa transcende o simples retrato de uma relação pai-filha. Pedro Diógenes nos convida a mergulhar em uma teia de emoções e conflitos, onde a aceitação, a identidade e a importância da conexão afetiva se entrelaçam de forma profunda e emocionante. Um filme obrigatório para quem busca cinema de qualidade e narrativas complexas.


Ficha técnica:
Direção: Pedro Diogenes
Produção: Marrevolto Filmes, em associação com a Pique-Bandeira Filmes
Distribuição: Embaúba Filmes
Exibição: Centro Cultural Unimed-BH Minas - sala 1 (sessão às 18h10) e sala 2 (sessão 18h20)
Duração: 1h44
Classificação: 16 anos
País: Brasil
Gênero: drama

28 maio 2024

Com Anne Hathaway, “Uma Ideia de Você” aborda temas que ainda são tabus nos dias de hoje

Comédia romântica é um entretenimento leve, ideal para ser assistido numa sessão da tarde e debatido
numa boa conversa de bar (Fotos: Prime Video)


Jean Piter Miranda


Solene (Anne Hathaway) é uma mulher que acaba de completar 40 anos. Recém-divorciada e com uma filha adolescente, ela não viveu outro romance desde que se separou do marido. Entretanto, a vida pacata dela muda completamente e de forma inesperada. 

Por um acaso, ela conhece Hayes Campbell (Nicholas Galitzine), um astro da música pop de apenas 24 anos. Os dois se apaixonam e, aí, pagam para ver no que vai dar. Esse é “Uma Ideia de Você” ("The Idea Of You"), novo filme do diretor Michael Showalter (“Os Olhos de Tammy Faye”, 2021 e “Doentes de Amor”, 2017), disponível no Prime Vídeo. 


A história começa quando Izzy (Ella Rubin), filha de Solene, está se preparando para ir ao famoso festival de Coachella com os amigos adolescentes. Eles estão indo conhecer a banda August Moon, a mais famosa boyband do momento. Desses grupos, compostos por jovens que cantam e dançam, como o Backstreet Boys e o 'N Sync foram para outras gerações. 

Daniel (Reid Scott), o ex-marido de Solene, era quem levaria a filha ao festival. Mas, de última hora, ele fica impedido de ir. Sobra então para ela a missão de acompanhar os adolescentes. Eles compraram pacotes especiais para o festival, com direito a participar de uma sessão de autógrafos com os integrantes da August Moon. É nesse momento que o casal do filme se conhece. 


Como em toda comédia romântica, Solene e Hayes passam por momentos um tanto constrangedores. Situações que são engraçadas e vão aproximando o casal. Aquele jogo de um fazer charme para o outro. Quando os dois querem, mas um quer mais que o outro. É o que vai gerando a química para o casal. E, neste caso, funciona. 

É claro que os dois ficam juntos e iniciam uma “lua de mel”. Isso é bem previsível. A diferença de idade é o grande problema entre eles. Mais dos que isso, é um dilema. Se podem ou não, se devem ou não, como as outras pessoas vão enxergar esse relacionamento e como o casal vai reagir a tudo isso. Se ficam juntos em segredo ou se assumem publicamente o romance. 


O cinema sempre teve o poder de promover debater. De levar determinados temas para a telona que depois podem repercutir em outros meios. Em tempos de redes sociais, isso é uma certeza. É quase instantâneo. Todos os filmes são comentados e até pautam reportagens, podcasts e programas de TV. Há casos que ecoam muito mais quando influencers e celebridades opinam sobre os temas abordados no filme. 

“Uma Ideia de Você” traz vários temas à tona sem se aprofundar em nenhum deles. A mulher mais velha pode namorar um rapaz mais jovem? Isso pode durar? É empoderamento feminino? É etarismo achar que esse tipo de relacionamento é errado? Temos que nos preocupar com a forma com que os outros vão enxergar tudo isso? Dá pra refletir sobre muita coisa. 

Ao longo da trama, como não podia ser diferente, o romance chega aos sites de notícias de celebridades. Com as manchetes mais sensacionalistas possíveis. Muitas são cruéis, preconceituosas e apelativas. É a era do clickbate, de monetizar a audiência, do vale tudo por mais um clique ou um like. Algo bem comum de vermos no mundo real. No filme, isso é turbulento para o casal. 


Solene tem então que lidar com as reações de pessoas conhecidas e de estranhos. Isso afeta as relações com os amigos, com a filha e até mesmo com o ex-marido. São problemas bem críveis, que certamente poderiam ocorrer em uma situação dessas, onde um jovem astro namora uma mulher mais velha. 

Em uma leitura mais profunda, dá para analisar outras situações do filme. Se em décadas passadas os adolescentes seguiam com fãs de determinadas bandas até o início da fase adulta, agora essa transição é muito mais rápida. Uma menina de 16 anos pode já não mais gostar dos ídolos que ela tinha aos 14 ou 15 anos. É um reflexo do nosso tempo. 


Comentários cruéis em redes sociais que podem levar pessoas à depressão ou a coisas piores, também são um reflexo dos dias atuais. Dá pra ver um pouco disso no filme, mesmo não sendo este o foco. E dá pra refletir depois sobre os temas. 

Em outras comédias românticas, dentre as mais conhecidas, muito casais foram formados por um homem mais velho e uma mulher mais jovem. E isso nunca foi problema. O cara rico e/ou famoso com a menina pobre. Agora, uma mulher mais velha com um rapaz mais novo nunca foi visto como algo natural. E, em pleno 2024, ainda não é.  

Um jovem rico e famoso se apaixonar por uma mulher mais velha é o que essa história tem de diferente. Com Anne Hathaway como protagonista, o incomum seria o rapar não se apaixonar. Ela está linda (sempre foi) e nem de longe aparenta 41 anos que tem na vida real. 


A história se desenrola sem grandes reviravoltas. As situações cômicas são bem comedidas. Anne Hathaway e Nicholas Galitzine cumprem bem seus papeis, com boas interpretações. Formam um casal bonito e carismático, com boa química na tela que faz com que a gente torça por eles. 

O ator confirmou que estudou muito as características e o jeito de falar do cantor Harry Styles, que inspirou o personagem, para incorporar Hayes Campbell.

“Uma Ideia de Você” está longe de ser uma obra que vai participar das principais premiações do cinema. E nem será daquelas comédias românticas que marcam época. É um filme bom, bem feito, que cumpre o que propõe. 

Pode ser assistido como um passatempo, uma “sessão da tarde”. Mas também pode ser um ponto de partida para boas reflexões e boas conversas de bares. E o principal: tem Anne Hathaway. Pra quem é fã, sempre vale a pena. 


Ficha técnica:
Direção: Michael Showalter
Produção: Amazon MGM Studios
Distribuição: Prime Video
Exibição: Prime Video
Duração: 1h55
Classificação: 12 anos
País: EUA
Gêneros: romance, comédia