31 maio 2024

“Planeta dos Macacos: O Reinado” entrega personagens sem carisma e uma história arrastada

Macacos e humanos se unem contra um tirano símio que escraviza a própria espécie para manter seu poder (Fotos: 20th Century Studios)


Marcos Tadeu 


“Planeta dos Macacos: O Reinado” ("Kingdom of the Planet of the Apes"), em cartaz nos cinemas brasileiros, chegou com a proposta de tentar dar um novo respiro à famosa franquia. Mas após os bons resultados de bilheteria da trilogia, iniciada com "A Origem" (2011), seguida por "O Confronto" (2014) e finalizada com "A Guerra" (2017), o que se vê nesta versão é um filme arrastado, com personagens sem carisma.
 
Com direção de Wes Ball e roteiro de Josh Friedman, Patrick Aison, Rick Jaffa e Amanda Silver, ambos criadores dos personagens originais, "Reinado" conta com um elenco de poucas estrelas. A nova geração de gorilas é formada por Owen Teague (Noa), Kevin Durand (Proximus César), Peter Macon (Raka), Travis Jeffery (Anaya) e Lydia Peckham (Soona), além de Freya Allan, como a humana Mae.


Após a era de César, os macacos se tornaram a espécie dominante, vivendo em harmonia enquanto os humanos se escondiam nas sombras. No entanto, a ascensão de um novo líder símio tirânico ameaça essa paz. Em meio a esse tumulto, um jovem chimpanzé, com espírito inquieto, embarca em uma jornada de autodescoberta. 

Confrontado com verdades ocultas sobre o passado, ele se vê forçado a fazer escolhas difíceis que determinarão o futuro de seu mundo e de seu povo. Sua busca não é apenas pela verdade, mas também pela esperança de um novo começo para todas as espécies.


O novo protagonista é Noa, um chimpanzé que vive no Clã da Águia e tem aparência física semelhante à de César, da famosa trilogia. Após sua tribo ser atacada e praticamente dizimada e escravizada por Proximus Cesar e seu exército, ele parte em busca de sua família e dos sobreviventes.

No trajeto, ele conhece Mae, uma das poucas humanas que mantiveram sua capacidade de falar e raciocinar após o vírus que dizimou a humanidade. E o orangotango Raka, que se torna quase que um mentor para Noa, apresentando o que Cesar foi e sua importância para a o reino e a sobrevivência dos macacos. 

O roteiro erra ao endeusar a figura de Cesar como o todo poderoso. Os macacos tiranos praticam o mal “por Cesar”, tudo vira motivo de reverenciar seus feitos, uma verdadeira muleta, deixando o filme sem personalidade.

O vilão Cesar Proximus se apossa da figura endeusada e usa isso para dominar e impor o terror e a escravidão às outras comunidades de macacos. Mesmo assim, faltam argumentos suficientes para que possa ser considerado um vilão marcante, com motivações realmente plausíveis.


A jornada de Noa, que tinha tudo para ser uma vingança sangrenta contra aqueles que tiraram seus entes, se torna cansativa. As quase 2h30 de exibição não foram suficientes para convencer que a vingança do protagonista seria atrativa,para no final ser oferecida uma solução tão boba. Os macacos nem tiveram que fazer muito esforço para reconquistarem seu espaço.

Mae, por sua vez, é a única humana que precisa aliar-se a um macaco para poder conseguir armas, tecnologia e sabedoria. Só que tudo isso parece ser vazio. A personagem também não é uma figura carismática, fazendo jogo duplo sobre a quem servir. Parece que faltam motivos para o longa se mostrar mais autoral.


Outro ponto negativo são as cenas extremamente escuras. Fica difícil para o espectador se conectar com os personagens e diferenciar um macaco do outro, além da própria narrativa que não é nem um pouco convidativa.

A parte positiva a ser destacada é a computação gráfica. Os movimentos em CGI dos rostos dos macacos são bem desenvolvidos e parecem reais, o que já havia ocorrido nas versões anteriores. As cenas de ação também são dinâmicas, com poucos cortes, garantindo boas sequências, como a do ataque à aldeia de Noa. 


“Planeta dos Macacos: O Reinado” não empolga, é um filme arrastado e o tempo todo quer ser o que a trilogia de 2011 a 2017 foi, mas falta personalidade. Poderia ter criado novos conceitos e expandido o tema, usando a trajetória de César apenas como gancho para colocar um sucessor mais expressivo em seu lugar, assim como um vilão mais poderoso.

O filme termina mostrando que ainda existe a disputa entre humanos e macacos e que uma nova guerra poderá ocorrer. Mas esta fórmula, usada tantas vezes, não ficaria repetitiva e cansativa em novas continuações? Ainda haverá fôlego suficiente para uma sequência desse longa? É aguardar para ver. (Com a colaboração de Maristela Bretas)


Ficha técnica:
Direção: Wes Ball
Produção: 20th Century Studios
Distribuição: Disney Pictures
Exibição: nos cinemas
Duração: 2h25
Classificação: 14 anos
País: EUA
Gêneros: ação, aventura, ficção

29 maio 2024

“A Filha do Palhaço” - longa explora a afetividade parental entre artistas itinerantes e seus filhos

O drama explora a troca afetiva em que, tanto Joana quanto Renato precisam superar seus preconceitos e traumas do passado para se curarem (Fotos: Embaúba Filmes)


Silvana Monteiro


Filiação e paternidade, convivência familiar, relação entre gerações distintas, conflitos familiares, teatro, arte e transformações artística e humanossocial são temas retratados nesta obra de 2022, que estreia nesta quinta-feira (30), mas que já pode ser conferida na pré-estreia de hoje no Centro Cultural Unimed-BH Minas.

Com produção da Marrevolto Filmes, em associação com a Pique-Bandeira Filmes, e distribuição pela Embaúba Filmes, "A Filha do Palhaço" conquistou o prêmio principal na Mostra de Cinema de Gostoso, além de receber o prêmio do público na Mostra de Tiradentes. 

A narrativa vai muito além do contexto superficial sobre a distância entre um pai comediante e sua filha adolescente. Ao invés disso, o diretor Pedro Diógenes nos apresenta uma história profundamente conflituosa e emotiva, mergulhando nas camadas complexas da afetividade parental e da identidade artística.


O ponto de partida é a relação tensa entre Joana e seu pai, Renato, que só aparece em datas comemorativas.  Essa ausência constante cria uma ferida emocional em Joana, que luta para entender o pai e sua dedicação à carreira como Silvenelly, um personagem cômico inspirado em um ícone da cultura local. 

Conforme o filme avança, vemos os conflitos se transformarem em afeto entre pai e filha. Joana inicialmente encara o trabalho do pai como uma fuga, uma máscara que o impede de se conectar com ela de verdade. Mas à medida que ela acompanha os shows de Silvenelly, seu olhar se desnuda. Ela percebe que aquele trabalho é uma forma de expressão artística e pessoal para Renato, ainda que envolva sacrifícios e até mesmo violência verbal.

O núcleo dramático do filme reside na troca afetiva, em que tanto Joana quanto Renato precisam superar seus preconceitos e traumas do passado para finalmente se curarem. Enquanto Joana aprende a valorizar o ofício do pai, Renato faz descobertas incríveis sobre suas identidades artística e pessoal, ressignificando sua autopercepção.


Essa afetividade conflituosa é magistralmente retratada por Demick Lopes (Silvenelly, personagem inspirada em Raimundinha de Paulo Diógenes) e Lis Sutter (Joana). Lopes transita com maestria entre os dois lados de Renato - o homem deprimido e inseguro, e o artista confiante e cômico. 

Já Sutter entrega uma estreia avassaladora como Joana, capaz de transmitir toda a dor e a esperança da personagem. Além deles, estão no elenco grandes artistas como Jesuíta Barbosa, Jupyra Carvalho, Ana Luiza Rios, Valéria Vitoriano e outros talentos.

Também a produção de "A Filha do Palhaço" é igualmente impressionante. A recriação dos shows de Silvenelly, com seus figurinos, maquiagens e sotaques característicos, nos transporta diretamente para o universo daquele artista. E a evolução visual de Joana, de uma adolescente ressentida a uma jovem mais madura, espelha perfeitamente seu crescimento emocional.


O detalhe importante de Silvenelly é ser um personagem similar a Raimundinha, famoso ícone do humor cearense criado por Paulo Diógenes, primo de Pedro, falecido em 14 de fevereiro de 2024. Por isso, a distribuição da obra aos cinemas, também se apresenta como uma homenagem póstuma ao artista.

Com um estilo que mescla circo e stand-up, Silvenelly faz piadas sobre o cotidiano local, arrancando risadas e muitas vezes enfrentando a violência da homofobia. "A Filha do Palhaço" aborda seus temas de forma sensível e corajosa, em uma construção, ora tensa, ora cômica, capaz de provocar momentos de reflexão, mas também de tirar gargalhadas de quem o assiste. 

O longa transcende o simples retrato de uma relação pai-filha. Pedro Diógenes nos convida a mergulhar em uma teia de emoções e conflitos, onde a aceitação, a identidade e a importância da conexão afetiva se entrelaçam de forma profunda e emocionante. Um filme obrigatório para quem busca cinema de qualidade e narrativas complexas.


Ficha técnica:
Direção: Pedro Diogenes
Produção: Marrevolto Filmes, em associação com a Pique-Bandeira Filmes
Distribuição: Embaúba Filmes
Exibição: Centro Cultural Unimed-BH Minas - sala 1 (sessão às 18h10) e sala 2 (sessão 18h20)
Duração: 1h44
Classificação: 16 anos
País: Brasil
Gênero: drama