04 setembro 2024

Pioneirismo, revelações e histórias de racismo fazem de “Othelo, o Grande” um documentário imprescindível

Longa dirigido por Lucas Rossi levou dez anos para ficar pronto e procura intercalar a vida pessoal e a
carreira do ator (Fotos: Davi G. Goulart)


Mirtes Helena Scalioni


Pode parecer, a princípio, que o grande mérito do documentário de Lucas Rossi seja mostrar às novas gerações o tamanho da importância do comediante Grande Otelo (1915-1993). Mas não é só isso. 

Quem teve oportunidade de acompanhar a carreira do ator, vai ficar sabendo um pouco mais sobre a vida desse homem múltiplo, nascido em Uberlândia, chamado Sebastião Bernardes de Souza Prata. “Othelo, O Grande” estreia nos cinemas em Belo Horizonte no dia 5 de setembro.


Narrado pelo próprio artista em primeira pessoa, o documentário que, segundo o diretor, levou dez anos para ficar pronto, procura intercalar fatos da vida pessoal atribulada de Sebastião com sucessos de sua carreira. Principalmente quando ele era contratado da Atlântida e lotava os cinemas do país com suas saborosas chanchadas. 

O lado ruim desse jeito de contar a história é que o espectador não fica conhecendo casos e características de Grande Otelo vividos e percebidos pelas pessoas que conviveram com ele.


Embora misture vida pessoal e trabalho, o filme peca também por não localizar a época dos fatos. Num momento o homem está chorando por causa de suas tragédias familiares e, no próximo minuto, o artista está em cena rindo e fazendo rir. Faltam referências, datas. 

O longa tem a participação especial da atriz Zezé Motta como narradora e traz imagens raras de arquivo, feitas em pesquisas na Cinemateca Brasileira.


Uma curiosidade revelada no filme, e que talvez a maioria do público não saiba, é o motivo pelo qual o pequeno Sebastião Prata passou a ser conhecido – até internacionalmente – como Grande Otelo. 

Homem de muitos talentos, ia fácil do drama à comédia, o artista foi também exímio compositor de sambas, alguns deles presentes no documentário, com destaque especial ao histórico e nostálgico “Praça Onze”, parceria com Herivelto Martins.


Produzido pela Franco Filmes, “Othelo, o Grande” tem parceiros poderosos na produção como Globo Filmes, RioFilme, Canal Brasil e Globonews. A princípio, isso facilitaria a divulgação e exibição do trabalho, que já foi vencedor do Prêmio Redentor de Melhor Documentário no Festival do Rio.

Careteiro e de humor mais escrachado, o comediante faz questão de salientar, em suas falas, as participações em filmes fora do circuito da chanchada. Trabalhou com diretores ditos sérios como Joaquim Pedro de Andrade, Werner Herzog, Nelson Pereira dos Santos e até o norte-americano Orson Welles. Afinal, foram mais de 100 filmes.


Neto de escravos e órfão, Sebastião comeu o pão que o diabo amassou, desde que se mudou para o Rio de Janeiro acompanhando uma companhia teatral que passou por Uberlândia. 

Não por acaso, o documentário é todo permeado por questões raciais, evidenciando as humilhações que o ator viveu até ser o primeiro protagonista negro do cinema brasileiro. Em muitos deles, quando chegava para trabalhar, Grande Otelo tinha que entrar pela porta dos fundos por causa de sua cor.


Ficha técnica:
Direção: Lucas H. Rossi
Produção: Franco Filmes, em coprodução com Globo Filmes, GloboNews, Canal Brasil e RioFilme
Distribuição: Livres Filmes
Exibição: Centro Cultural Unimed BH - Minas
Duração: 1h22
Classificação: 12 anos
País: Brasil
Gênero: documentário

03 setembro 2024

Nova versão de “O Corvo” é mediana, com personagens fracos, e tem tudo para ser esquecida

Filme dirigido por Rupert Sanders tem Bill Skarsgård que retorna dos mortos para vingar a morte de sua amada (Fotos: Imagem Filmes)


Marcos Tadeu
Blog Jornalista de Cinema


O aguardado "O Corvo" ("The Crow"), dirigido por Rupert Sanders e estrelado Bill Skarsgård e FKA Twigs, já chegou aos cinemas brasileiros carregado com a sensação de que talvez essa nova versão não fosse necessária. Especialmente se consideramos o marketing tímido que acompanhou a produção. 

Diferente do que muitos podem imaginar, o filme não é um remake do clássico de 1994, mas sim uma adaptação inspirada no famoso poema "The Raven", escrito por Edgar Allan Poe em 1845.


A história segue Eric Draven (Skarsgård) e Shelly Webster (Twigs), um casal apaixonado que é brutalmente assassinado. Eric, em um ato sobrenatural, retorna dos mortos com o objetivo singular de vingar a morte da amada e a sua própria. O filme, no entanto, começa tropeçando na falta de química entre os protagonistas. 

O romance entre Eric e Shelly é apresentado de maneira apressada e superficial, dificultando que o público se envolva emocionalmente com a relação dos dois. A escolha da cantora e compositora FKA Twigs para o papel da protagonista parece mais uma tentativa de atrair os fãs do que uma decisão acertada para o desenvolvimento da personagem.


O vilão, por sua vez, é outro ponto fraco. Com uma presença apagada e mal desenvolvida, ele não consegue impor a ameaça necessária para que a trama ganhe força. Seu principal poder, o "cochicho de Satanás", até gera alguma curiosidade, mas falta-lhe a motivação para realmente se destacar como antagonista.

Visualmente, o filme tenta emular uma estética gótica e sombria, com cenas de ação que parecem inspiradas na franquia "John Wick". Infelizmente, o resultado raramente atinge o impacto desejado. Uma exceção é a cena ambientada na ópera, onde a montagem, a trilha sonora e a ação se unem de maneira eficaz, criando um momento que se destaca em meio à mediocridade do restante do filme. 


No entanto, o corvo, que deveria ser a peça central e simbólica da narrativa, acaba se tornando um figurante de luxo, sem o peso que se esperava.

A jornada de vingança de Eric é confusa e mal explorada, deixando o espectador desorientado em vários momentos. A tentativa de criar uma atmosfera sobrenatural se perde em meio à falta de clareza e coesão narrativa, tornando difícil para o espectador acompanhar a trajetória do protagonista.

Apesar de seus muitos defeitos, o filme consegue apresentar alguns pontos positivos, como a estética dark e a tentativa de dialogar com um público jovem. Algo que Rupert Sanders já havia explorado em "Branca de Neve e o Caçador" (2012) e "A Vigilante do Amanhã" (2017).


A temática do luto e da perda, bem como a busca por justiça por meio da vingança, são elementos interessantes, mas não explorados de maneira profunda o suficiente para causar um impacto real. A ideia de como a vingança pode moldar o caráter do ser humano é levantada, porém mal desenvolvida.

Esta versão de "O Corvo", de 2024, será dificilmente lembrada, caindo na mesma categoria de filmes como "Demolidor: O Homem Sem Medo" (2003) e "Elektra" (2005) – obras que, apesar de não serem desastrosas, carecem de conteúdo e rapidamente desaparecem da memória do público. 

É uma tentativa frustrada de reinventar uma história clássica, resultando em um filme com uma narrativa fraca e personagens sem brilho.


Ficha técnica:
Direção: Rupert Sanders
Produção: Edward R. Pressman Film Corporation, Davis Films, Relativity Media, Electric Shadow Productions
Distribuição: Imagem Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h51
Classificação: 18 anos
País: EUA
Gêneros: ação, policial, suspense