24 setembro 2024

"Meu Avô: Campeão do Gelo" é mais que um filme sobre futebol

Moreno, ex-jogador do Atlético Mineiro na década de 1950 e avô do Bernardo Franco (Fotos: Bernardo Silveira/Divulgação


Maristela Bretas


Um filme sobre lembranças, futebol, grandes momentos e família. Este é o curta-metragem "Meu Avô: Campeão do Gelo" que terá exibição especial nesta terça-feira (24) no Cine Santa Tereza, às 19 horas. Produzido, dirigido e roteirizado por Bernardo Silvino e Bernardo Franco, o filme apresenta um pouco da vida do Moreno, ex-jogador do Clube Atlético Mineiro na década de 1950 e avô do Bernardo Franco.

O documentário "Meu Avô: Campeão do Gelo", segundo seus produtores, é mais que um filme sobre futebol. "Nós procuramos falar de um homem, seus erros e acertos e pensando muito que todos nós somos luz e sombra. Foi um processo bem rico e cheio de medo e incertezas. Sem verba e só nós dois na linha de frente", explica Silvino.

O filme reconstrói a trajetória de Jacinto Franco do Amaral, o Moreno, ex-jogador do Clube Atlético Mineiro (CAM) e um dos craques a participar da mais afetuosa das conquistas do Galo, que, na década de 1950, sagrou-se o primeiro plantel brasileiro a lutar – e vencer – nos gélidos gramados europeus. Enquanto o neto Bernardo se (re)descobre, ao desvendar e abraçar o ídolo, o homem, o avô, atleticanos de todas as idades reconectam-se, frame a frame, às glórias alvinegras, ao ver e ouvir a grandiosa singeleza do relato de amores e amigos de Jacinto.


Conversei com os dois Bernardo sobre a produção do curta-metragem e a história do avô de Franco. E é o neto de Moreno quem fala sobre a ideia de contar esta história em forma de curta-metragem. "O cinema é uma paixão há muito tempo, esse laço se estreitou quando conheci o Bernardo Silvino que já atuava na área, e contava com alguns curtas na carreira, que eu muito admirava. A figura de meu avô sempre foi uma parte misteriosa da minha vida. Claro, que crescemos escutando que "éramos campeões do Gelo". Nossa família está no hino do Galo, dizia meu pai. Essa história floresceu e cresci apaixonado pelo Galo com um legado na cabeça." 

"Acontece que tive contato com meu avô somente até meus 4 para 5 anos, o homem que eu conheci usava uma cadeira de rodas, tinha uma perna só, depois nenhuma. Eu ficava tentando imaginar como essa figura outrora teria sido um jogador de futebol, que como diz a medalha guardada há anos na família dizia: honrou o Brasil nos campos da Europa. Ao me aproximar do cinema, quis me aprofundar nessa história, saber quem foi meu avô, como ser humano antes de qualquer coisa. E o filme me fez próximo dele de uma maneira que não fui em vida. Eu queria saber qual história ele escondia, e trabalhar a dualidade de toda uma existência. Meu avô foi vilão e herói de sua própria história, mas sempre protagonista, e acho que isso fica claro em nossa narrativa. Sinto como se o filme fosse algo que eu teria de fazer, cedo ou tarde", afirmou Bernardo Franco.


Ele conta que procurou Bernardo Silvino com a ideia em mãos em dezembro de 2023 e fomos amadurecendo a ideia e que rapidamente foi colocada em prática. Foram cerca de 8 a 9 meses para a produção. Sobre o levantamento de verba, eles tiveram sérias dificuldades e ainda continuam procurando patrocinadores. Por enquanto, a dupla está bancando todo o projeto, "com muito esforço, na "raça" mesmo".

Silvino explicou que a pré-produção e a produção foram etapas feitas a quatro mãos: dele e do amigo. Para a pós-produção eles contaram com parceiros de outros projetos que elevou o nível do filme. Matheus Fleming, mais uma vez, topou participar com as suas composições. Bernardo Silveira (o terceiro  da equipe) fez o projeto gráfico e o cartaz, enquanto a mixagem e a finalização de som ainda com o trabalho de Thácio Palanca.

Para a filmagem e fotografia, os equipamentos usados, também da dupla, foram uma antiga Blackmagic Production Camera. "Para as entrevistas usamos uma Rokinon Cine 35mm. Para a gravação na arena MRV usamos uma Canon 55-250mm que é uma lente super barata. Foi um desses "acidentes felizes" porque esta lente foi imprescindível para o material que conseguimos no estádio. O processo de color grading é um capítulo à parte. Ele foi feito da maneira mais incomum possível. Mas o resultado chegou e isso foi fascinante", explica Silvino com satisfação. 


Já as locações foram pensadas para que os entrevistados ficassem sempre à vontade e os produtores conseguissem maior naturalidade deles. "Todos gravaram em suas casas, com exceção do Vavá, ex-jogador do Atlético, que foi entrevistado na sede de Lourdes. E tivemos um grande desafio que era a gravação na Arena MRV que já sabíamos que seria o fechamento do filme. As fotografias são do arquivo da família do Bernardo Franco. Como já existe um filme oficial do clube sobre o Campeonato do Gelo e com imagens raríssimas de arquivos, nós tomamos a decisão de trabalhar somente com as fotos de família e deixar a história oficial e mais institucional para esse filme do centro de memória do clube", concluiu Silvino.

O próximo passo dos produtores agora será a participação no circuito de festivais do cinema brasileiro. Franco espera rodar com o curta-metragem por cidades do interior de Minas e do Brasil, e não esconde a ambição de exibir "Meu Avô: Campeão do Gelo" em Betim, na Região Metropolitana de BH, que é a cidade de seu avô e em alguma cidade da Europa onde ele tenha jogado.


SERVIÇO
"Meu Avô: Campeão do Gelo"
Direção, roteiro e produção:
Bernardo Silvino e Bernardo Franco
Distribuição: Coragem Filmes
Exibição: sessão no Cine Santa Tereza
Data: 24 de setembro (terça-feira)
Horário: 19 horas
Classificação: Livre

23 setembro 2024

Perturbador, “A Substância” escancara os horrores da sociedade patriarcal

Demi Moore entrega cenas extremamente fortes e angustiantes, em uma de suas melhores atuações
(Fotos: Universal Pictures)


Carolina Cassese


A partir de determinada idade, mulheres são descartadas. É exatamente isso que acontece com a protagonista do filme “A Substância" ("The Substance"), novo longa da diretora francesa Coralie Fargeat. A história é centrada em Elisabeth Sparkle (Demi Moore), uma atriz de Hollywood que passa a trabalhar como apresentadora de televisão. 

Logo no começo do body horror, a protagonista descobre que será substituída na emissora, que agora busca uma mulher de 18 a 30 anos para apresentar a atração fitness comandada por Sparkle. Em uma das primeiras cenas do filme, a personagem principal incentiva as espectadoras a conseguir “um corpo de verão”.


Quando vê seu emprego ser ameaçado, Elisabeth decide buscar um programa de “aprimoramento” corporal, conhecido como “A Substância”. O tratamento oferece a possibilidade de você se tornar “uma melhor versão de si mesmo”. A partir de uma injeção autoadministrada, qualquer um pode se tornar uma alternativa mais jovem, bonita e perfeita de si próprio.

A personagem principal, então, recebe diversos equipamentos médicos em sacos plásticos (seringas, tubos, um líquido verde fosforescente e um alimento injetável branco) e é informada sobre o protocolo referente ao seu “novo eu”. 

Ao longo das semanas, porém, a nova versão de Elisabeth – uma garota chamada Sue, interpretada por Margareth Qualley – acaba se mostrando mais problemática do que a personagem principal poderia imaginar. 


Mesclando elementos de ficção científica com outros componentes frequentemente vistos em filmes de horror, o longa acompanha a nova vida da protagonista, que agora se divide em duas. 

Sue leva uma rotina de celebridade, apresentando o programa fitness e sendo filmada a partir de muitos ângulos objetificadores. Enquanto Elisabeth vive cada vez mais isolada, sem conseguir compreender qual é o propósito de sua versão fora dos holofotes.

Em determinado momento, vemos que Elisabeth começa a se comparar com Sue de uma maneira pouco saudável, o que a impede de sair para jantar com um pretendente. Ao observar as imagens do corpo “perfeito” de sua outra versão, a protagonista passa horas se maquiando e, em seguida, fica paralisada, sem conseguir sair de casa. 

É triste (e aterrorizante) perceber que aquela mulher se sente inferior a todos, até mesmo ao homem com quem ia jantar, que não parece ter sérias preocupações com a própria estética. Essa é uma das cenas mais violentas do longa, mesmo que não mostre sequer uma gota de sangue. 


Vale destacar que a discussão apresentada pelo filme é imprescindível para os dias atuais. Em primeiro lugar, porque vivemos numa sociedade repleta de imagens, em que nos deparamos constantemente com ideais de estética inalcançáveis. 

As estrelas de cinema agora dividem a atenção (e a tela) com influencers, especializados em exibir diferentes ângulos de uma vida instagramável. Em “A Substância”, a protagonista está disposta a sentir muita dor para que, por uma versão de si mesma, continue a ser jovem e apareça nas telas.

Além disso – e aqui vai uma perspectiva menos pessimista sobre o momento em que nos encontramos–, o filme dialoga com discussões contemporâneas sobre etarismo e outros tipos de preconceitos que inevitavelmente são associados com o sistema patriarcal. 

Debatemos cada vez mais acerca das imposições machistas dirigidas às mulheres e, nesse sentido, “A Substância” aborda um assunto muito atual (mesmo que não seja novo).


Podemos lembrar aqui de uma frase da atriz e ativista Jameela Jamil, que em 2018 publicou um texto sobre preconceito estético no site da Glamour: “E quantas mulheres você conhece, incluindo você mesma, que gastam mais tempo e dinheiro do que os homens com aparências? 

Esse é um dinheiro que poderia ter sido investido em nossas vidas ou negócios. E o que dizer das mulheres que comem menos calorias ou dietas balanceadas do que seus corpos precisam?”. 

Em “A Substância”, percebemos como as mulheres são frequentemente reduzidas a números e tamanhos. Até mesmo ao ligar para o programa de aprimoramento corporal, Elisabeth só é reconhecida quando fala um número que a identifica como participante do programa.


O filme evidencia ainda como a mídia contribui para a reificação das mulheres, mesmo em atrações que aparentemente valorizam o “feminino”, exibindo apenas uma série de corpos magros e padronizados. Quantas vezes já vimos vídeos extremamente objetificadores que chegam a usar uma linguagem de “empoderamento”? 

Essa crítica fica ainda mais explícita quando consideramos o nome do filme em inglês, já que “substance” também significa “conteúdo”. Em determinadas atrações midiáticas, pouco se discute sobre o que as mulheres pensam – elas estão ali primordialmente para enfeitar. 

Percebemos, então, que não é pequena a importância do tema que Coralie Fargeat se propõe a abordar. Nas primeiras partes da história, a crítica é especialmente bem construída e o horror se encontra em diferentes elementos da trama. 


Destacamos aqui o excelente trabalho de Demi Moore, responsável por cenas extremamente fortes e angustiantes. Além disso, é preciso elogiar o ritmo da história, que mescla diferentes gêneros e, definitivamente, prende a atenção do espectador.  

É o terceiro ato do longa que representa o momento mais contraditório de “A Substância”, já que parte do público pode achar que as cenas são demasiadamente violentas. O tom perturbador, porém, não chega a destoar das demais partes: pode-se compreender que o exagero é proposital e ajuda a reforçar a violência do processo vivido pela protagonista. 

É certamente um dos horrores da condição feminina se sentir exposta a uma constante plateia de homens brancos, dispostos a “avaliar” e comparar mulheres. 


Na última parte, Elisabeth está cada vez mais desamparada, enquanto Sue se obriga a estampar um sorriso (porque “meninas bonitas devem sempre sorrir”) e segue com a busca incessante de se tornar muito famosa. Nós sabemos, no entanto, que muito não é o suficiente: em Hollywood, ou no mundo do Instagram. 

Os padrões costumam se ajustar para que seja constantemente necessário realizar mais um tratamento como o da “Substância”. As injeções nunca acabam – e há sempre uma nova maneira de encontrar “a sua melhor versão”.


Ficha técnica:
Direção e roteiro: Coralie Fargeat
Produção: Universal Pictures, Working Title Films
Distribuição: Imagem Filmes e MUBI
Exibição: nos cinemas
Duração: 2h20
Classificação: 18 anos
País: EUA
Gêneros: terror, drama, ficção