15 janeiro 2025

"Sol de Inverno" retrata, com delicadeza, relações sociais e laços afetivos

A fotografia do filme, em tons pastéis e texturas suaves, é uma ode à transitoriedade do inverno
(Fotos: Michiko Filmes)


Silvana Monteiro


"Sol de Inverno" ("Boku No Ohisama") é um dorama japonês que traduz com delicadeza a efemeridade dos momentos marcantes e a beleza das relações humanas. Sob a direção sensível de Hiroshi Okuyama, o longa perpassa a narrativa esportiva para se tornar um estudo poético sobre os laços sociais, as descobertas e os afetos que florescem mesmo no rigor do inverno.

A história segue Takuya (Keitatsu Koshiyama), um jovem introspectivo que descobre na patinação artística um refúgio para sua alma inquieta. Enquanto os colegas da pequena ilha japonesa se dedicam ao hóquei no gelo, ele encontra inspiração em uma pessoa. 


Orientados pelo experiente técnico Hisashi Arakawa (Sôsuke Ikematsu), Takuya e Sakura (Kiara Takanashi) formam uma dupla que reflete, com naturalidade, a profundidade de uma amizade que transcende o gelo.

A narrativa de Okuyama se constrói com ritmo pausado, como as mudanças sutis das estações, inicialmente, sem conflitos, tornando-se quase uma crônica. O diretor valoriza os silêncios, os olhares e os gestos mínimos, elementos que evocam a introspecção típica do cinema japonês contemporâneo. 

Sobre Takuya, por exemplo, é trabalhada uma dificuldade pessoal e neurotípica, como uma metáfora das barreiras emocionais que o personagem precisa superar. Sua relação com Sakura é desenvolvida de forma genuína e encantadora, equilibrando fragilidade e força.


A fotografia do filme, em tons pastéis e texturas suaves, é uma ode à transitoriedade do inverno. As paisagens gélidas e o contraste entre a luminosidade fria da neve e o calor emocional dos personagens criam um cenário estético que dialoga profundamente com a trama. 

Já a trilha sonora pungente, amplifica a experiência sensorial, guiando o espectador pelos momentos de alegria, contemplação, melancolia e superação dos personagens.


Um ponto de destaque na obra é a forma como Okuyama aborda a temática homoafetiva. A vida íntima do técnico Arakawa é tratada com respeito e sensibilidade, mostrando um contraste poderoso entre a afeição sincera do personagem e o preconceito ainda latente na sociedade retratada. 

Essa camada adiciona profundidade ao filme, ao mesmo tempo em que lança luz sobre questões sociais contemporâneas, sem jamais desviar o foco dos laços construídos entre os protagonistas.

O longa captura a essência dos momentos transitórios e nos relembra que a beleza da vida está, muitas vezes, no efêmero. E mesmo no inverno rigoroso, um raio de sol pode mudar tudo. 


O desfecho inconclusivo, longe de frustrar, sugere uma aceitação da impermanência, um conceito profundamente enraizado na cultura japonesa.

Em suma, "Sol de Inverno" é uma obra que encanta tanto pela forma quanto pelo conteúdo. É uma celebração da conexão humana, da superação de adversidades e da busca pela beleza em meio às dificuldades. 

Hiroshi Okuyama reafirma seu lugar como uma das promessas mais notáveis do cinema japonês contemporâneo, entregando uma narrativa tão delicada quanto poderosa. 


Ficha técnica:
Direção, roteiro, fotografia e montagem: Hiroshi Okuyama
Distribuição: Michiko Filmes
Música: Yoshinari Sato
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h30
Classificação: 12 anos
Países: Japão, França
Gênero: drama

14 janeiro 2025

Sensível e perturbador, "Redenção" trata da difícil arte de perdoar

Blanca Portillo tem atuação irretocável como a viúva que precisa se encontrar com os assassinos de seu marido (Fotos: Epicentre Films)


Mirtes Helena Scalioni


São sempre reveladores, emotivos e repletos de convites à reflexão, filmes que tratam da ingerência do terrorismo - seja ele do Estado ou não - na vida do cidadão. Exemplo típico é "Ainda Estou Aqui", que mostra como o governo ditatorial transformou para sempre a vida de uma família típica carioca no início dos Anos 1970. 

Programado para entrar em cartaz em todo o país a partir do dia 16 de janeiro, o espanhol "Redenção" faz parte desse time de longas, ao contar a história real de Maixabel Lasa, cujo marido foi barbaramente assassinado por integrantes do ETA, grupo separatista basco que aterrorizou a Espanha entre 1950 e 2010.


E, neste caso, a diretora e roteirista Icíar Bollain vai além, ao refazer o encontro da viúva com algozes do seu marido. O resultado é emoção pura.

Há momentos em que "Redenção" parece mais um documentário, apesar de absurdo. Por ser baseado em fatos, o drama exala realidade ao retratar a violência do terrorismo, a quase inocência dos jovens militantes que aceitavam matar sem justificativas, apenas obedecendo suas lideranças. 

Foi num episódio desses que três homens mataram, praticamente à queima-roupa, Juan Mari, o marido de Maixabel. 


Como se não bastasse tanto absurdo, dez anos depois, a viúva é convidada a se encontrar com os assassinos e, quem sabe, perdoá-los, numa espécie de programa de reconciliação. 

É preciso salientar aqui a atuação irretocável de Blanca Portillo no papel da protagonista, que imprime uma pesada carga emocional ao filme, sem, contudo, torná-lo insuportável. 

Pelo contrário, a personagem, apesar de forte, é humanizada brilhantemente pela atriz, experiente e muito premiada. Um dos prêmios mais importantes ela recebeu em Cannes, em 2006, por "Volver", obra-prima de Pedro Almodóvar.  


O título original do filme, inclusive, é "Maixabel", já que o longa se concentra primordialmente nessa mulher que se tornou líder de uma entidade internacional, a Associação das Vítimas de Terrorismo.

Na verdade, todo o elenco de "Redenção" parece ter sido escolhido com muito critério. Luiz Tosar como Ibon, e Urko Olazabal como Luiz Carrasco, dois dos matadores, estão corretíssimos como militantes perdidos em meio a tanta violência, se perguntando por que escolheram a vida de clandestinos, mas esperançosos de poder tentar reescrever as próprias vidas. 


Destaque também para Maria Cerezuela como a jovem Maria, filha de Maixabel, que se viu órfã da noite para o dia, e Maria Jesus Hoyos, como a mãe do atormentado Ibon. 

Pode ter sido uma jogada de mestre fazer a versão do titulo do filme de Icíar Bollain para "Redenção", em vez de manter o título original. Em tempos de tanta violência e polarização, uma obra que trata da possibilidade do perdão como alternativa de resgatar a paz pode ser exemplarmente bem-vinda.


Ficha técnica:
Direção: Icíar Bollain
Roteiro: Isa Campo e Icíar Bollaín
Produção: Kowalski Films e Feelgood Films
Distribuição: Pandora Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h56
Classificação: 12 anos
País: Espanha
Gêneros: drama