19 fevereiro 2025

"A Garota da Agulha" - um conto sombrio sobre maternidade pós-guerra

Victoria Carmen Sonne entrega uma destacada atuação, ressaltada pela fotografia em preto e branco
(Fotos: Mubi/Divulgação)


Marcos Tadeu
Parceiro do blog Jornalista de Cinema


Representante dinamarquês na corrida pelo Oscar 2025 de Melhor Filme Internacional, "A Garota da Agulha" ("Pigen Med Nålen") chegou à plataforma Mubi no dia 24 de janeiro. Dirigido por Magnus Von Horn, o longa é um conto sombrio e cruel sobre maternidade após os eventos da Segunda Guerra Mundial.

A história acompanha Karoline (Victoria Carmen Sonne), uma jovem operária que enfrenta a pobreza e uma gravidez indesejada na Copenhague pós-guerra. Desesperada, cruza o caminho de Dagmar (Trine Dyrholm), dona de uma loja de doces que, secretamente, mantém uma agência de adoção para mães em dificuldade.


O primeiro destaque do filme é a atuação de Victoria Carmen Sonne. Ela entrega uma protagonista sofrida, mas batalhadora. Mesmo em condições desfavoráveis, Karoline se descobre mãe, mas rejeita o filho ao ser abandonada pelo parceiro, que tinha condições de assumir a criança. 

Ser mulher já é difícil; em tempos de guerra, o peso se torna ainda maior. A ajuda vem por meio de Dagmar, uma senhora que cuida de crianças, mas também as usa em atividades ilícitas. Sem casa e sem abrigo, Karoline troca seu leite materno por um teto, desenvolvendo uma relação complexa com a senhoria.


Outro ponto forte do filme são os aspectos técnicos. A fotografia em preto e branco de Michał Dymek cria um contraste perfeito com a atmosfera sombria da história, elevando ainda mais a jornada de Karoline. 

A montagem de Agnieszka Glinska dá ritmo ao filme sem torná-lo cansativo, tornando a trajetória da protagonista cada vez mais instigante. O design de produção também merece destaque: as casas, os cenários e toda a ambientação são impecáveis, graças ao trabalho de Jagna Dobesz.

Talvez o único ponto que deixa a desejar seja a falta de aprofundamento na história de Dagmar. Embora isso não prejudique a narrativa, mais informações sobre essa figura dúbia poderiam enriquecer o enredo.


No centro do filme estão a maternidade e seu lado sombrio, além do impacto da guerra e como ela transforma as pessoas — para o bem ou para o mal. Esse é, sem dúvida, um dos grandes acertos do diretor, que conduz a trama com precisão.

"A Garota da Agulha" vale a pena ser conferido, não apenas por sua indicação ao Oscar, mas também por provocar reflexões, especialmente para mulheres e mães, sobre suas escolhas. Um conto quase real que ressoa até os dias de hoje.


Ficha técnica:
Direção: Magnus Von Horn
Produção: Nordisk Film, Film i Väst
Exibição: Mubi
Duração: 2h02
Classificação: 16 anos
Países: Dinamarca, Polônia e Suécia
Gêneros: drama, histórico

18 fevereiro 2025

Somos "Flow" 100% como animação do ano

Filme aborda a questão climática, a necessidade de conviver com as diferenças e de união em situações extremas (Fotos: Sacrebleu Productions)


Jean Piter Miranda e Eduardo Jr.


"Flow" é como uma obra de arte. É uma animação que não tem diálogos (isso é impressionante), e ainda assim, os animais se comunicam. Você tira várias camadas para poder interpretar a crise climática que a gente está vivendo, a necessidade de pensar no coletivo, de pensar no próximo, de ter empatia, de saber conviver com as diferenças e de, realmente, um necessitar do outro. 

Não dá para ser individualista em situações extremas. Poderíamos ser mais coletivistas no nosso dia-a-dia? "Flow" é uma obra para  refletir, ela leva a gente a pensar e sentir. Por estas razões que esta produção da Letônia, dirigida por Gints Zilbalodis, merece ser conferida nos cinemas a partir do dia 20 de fevereiro.


Na história, o mundo está devastado, coberto apenas por vestígios da presença humana. Um gato preto solitário que, um dia, enquanto é perseguido por uma manada de cães, vê seu lar ser destruído por uma grande enchente. 

Buscando uma forma de sobreviver após a inundação, ele enfrenta diferentes ameaças, até que encontra refúgio em um pequeno veleiro povoado por diversas espécies. Todos tentam fugir dessa situação hostil e precisam se unir apesar de suas diferenças.


É aquela questão de experiência. "Robô Selvagem" é mais uma produção norte-americana, muito boa por sinal, mas que a gente coloca naquele mesmo pacote das outras boas produções hollywoodianas, como "Monstros S.A"., "Vida de Inseto" ou "Divertida Mente". 

Tem muita produção boa da Disney, da Pixar, da DreamWorks e a gente coloca ali, está tudo igual. Como experiência, eu falo que foram boas, mas é mais daquilo que a gente já viu. 

Como obra cinematográfica, "Flow" é diferente em tudo. A parte gráfica, a mixagem de som, a temática, ficaram ótimas. A animação ser feita sem diálogo, apenas com sinais sonoros e gestos entre os animais, e você ter que ler a situação para entender o que está passando, ficou fabuloso. 


As metáforas ficam na nossa cabeça, por muito, muito tempo. É um filme que marca. Você não vai conseguir tirar ele da cabeça. E tem cenas que são maravilhosas, na água, no céu, que dão para fazer pôster e pregar na parede. Por mim não precisava nem ter votação. Já poderia dar o Oscar direto para "Flow".

O colaborador Eduardo Jr. concorda com Jean Piter. Para ele, "se você chegou a este texto esperando encontrar análises sobre técnica e execução cinematográfica, pode se decepcionar. A interpretação das camadas e mensagens do filme tem tudo para ganhar mais espaço no gosto do público (no meu, já ganhou). 


Em tempos em que a perfeição parece ser o objetivo dos estúdios de animação, "Flow" se preocupa menos com a estética e mais com o conteúdo. Não que o desenho tenha traços malfeitos, mas notoriamente está um pouco distante daquele "padrão Pixar", tão amplamente difundido. 

Na tela os gráficos remetem a videogames dos anos 90. Aqui os personagens são um gato, um cachorro, uma capivara, um lêmure e uma garça, que juntos tentam sobreviver a uma inundação. No desenvolver da trama vão se abrindo camadas para interpretar diversas pautas e mensagens no filme. 


O grupo improvável de cinco animais, domésticos e selvagens, em uma floresta e precisando aprender como conviver em harmonia até remete à necessidade de união entre os cinco continentes pela preservação do nosso planeta.

"Flow' não tem diálogos, mas as escolhas e os gestos dos personagens falam por si só. Ou seja, a arte se faz até sem palavras. As ações e cenas ficam reverberando na cabeça da gente durante um tempo. 

Um filme lindo, especialmente na fotografia, capaz de deixar o público embasbacado. Merecedor do Globo de Ouro como Melhor Animação. E mesmo com um orçamento de 3,5 milhões de euros (em torno de R$ 21 milhões) é também um dos fortes candidatos ao Oscar 2025.


Ficha técnica:
Direção e roteiro: Gints Zilbalodis
Roteiro: Gints Zilbalodis, Matïss Kaza e Ron Dyens
Produção: Sacrebleu Productions
Distribuição: Mares Filmes, Alpha Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h25
Classificação: Livre
País: Letônia, França e Bélgica
Gêneros: animação, fantasia, família, aventura