09 abril 2025

Polêmico e atual, "Adolescência" alerta para um perigo real e crescente

Apesar da pouca experiência, o jovem Owen Cooper entrega uma interpretação carregada de verdades e vulnerabilidades (Fotos: Netflix)


Equipe do Cinema no Escurinho


A equipe do Cinema no Escurinho assistiu a nova minissérie da Netflix, "Adolescência" ("Adolescence"), e se juntou para abordar a essência desta produção. E concordam que se trata de uma produção impactante, atual e que serve de alerta para pais e educadores para o problema da violência contra as mulheres, não importando a idade.

Para o parceiro e colaborador Marcos Tadeu, do blog Jornalista de Cinema, até o momento é uma das séries mais necessárias e impactantes do ano. Ela se destaca pela urgência do tema e pela capacidade de provocar discussões importantes sobre juventude, violência, papel da escola, da família e as estruturas que nos cercam.

Desde que chegou ao catálogo da Netflix em 13 de março, "Adolescência" viralizou rapidamente e ultrapassou a marca de 66,3 milhões de visualizações, deixando o público em choque — e cheio de perguntas.


A produção começa com a brutal interrupção da rotina da família Miller, quando a polícia invade sua casa à procura de Jamie (Owen Cooper), acusado de esfaquear a colega de escola Katie Leonard (Emilia Holliday). 

O que poderia parecer um caso direto de violência entre adolescentes se transforma, aos poucos, em uma trama densa, repleta de nuances e contradições. 

À medida que os detetives Luke Bascombe (Ashley Walters) e Misha Frank (Faye Marsay) avançam na investigação, segredos vão surgindo e abalam não só o núcleo familiar, mas também a comunidade escolar e os demais envolvidos.


O maior trunfo da série está na forma como a história é contada: a narrativa recorre a diferentes pontos de vista — da polícia, da escola, dos amigos de Jamie, da psicóloga e da família — e evita qualquer tipo de resposta fácil. 

Em vez de dizer o que o público deve pensar "Adolescência" o convida a refletir: o ambiente em que o adolescente está inserido contribui para afastá-lo ou aproximá-lo da violência?

Para amplificar esse efeito, mais do que apostar no plano-sequência como um artifício estético, a minissérie usa a câmera em movimento constante como um observador silencioso, que se infiltra nos espaços, capta as tensões e torna a experiência do espectador mais íntima e visceral.

As atuações acompanham o rigor da proposta. Stephen Graham (Eddie Miller, pai de Jamie), Erin Doherty (Briony) e o jovem Owen Cooper entregam interpretações carregadas de verdade e vulnerabilidade. 


O texto, bem escrito e afiado, ganha ainda mais potência com a escolha precisa do elenco. Nada soa artificial ou encenado — é como se estivéssemos acompanhando tudo de dentro, em tempo real.

No entanto, nem tudo é acerto. Um dos pontos mais frágeis da narrativa é justamente a construção da vítima. Katie Leonard quase não tem voz própria: seu ponto de vista aparece apenas por meio da amiga Jade (Fatima Bojang), e seus pais ou outras pessoas próximas sequer são mostrados. Isso enfraquece a complexidade emocional que a série poderia ter explorado. 

Além disso, o desfecho sem um julgamento formal pode soar frustrante para quem esperava um posicionamento mais claro. O final aberto, ao invés de corajoso, parece fugir da responsabilidade de encerrar a história com uma decisão.


Cada vez mais perto de nós

Para Jean Piter Miranda, a essência de “Adolescência” deixa bem claro que jovens bem criados podem cometer atrocidades. E que isso está mais perto de todos nós do que podemos imaginar. 

O menino Jamie de apenas 13 anos é branco, de família de classe média na Europa, tem bom relacionamento com os pais e com a irmã e ainda é bom aluno. Um jovem acima de qualquer suspeita. Entretanto, ele é acusado de matar a facadas uma menina da mesma idade que ele. O motivo? Ódio pelas mulheres. 

Jamie participava de comunidades online que pregam ódio às mulheres, os chamados "incels". Grupos esses que têm membros de todas as idades. Se dizem vítimas do feminismo, se sentem rejeitados pelo sexo oposto. Por isso, se acham no direito de cometer todo tipo de violência contra o sexo feminino. 


"Adolescência" retrata um problema social silencioso, que vem crescendo em todo o mundo. Um problema social ligado a outros problemas. Pais que trabalham demais e que estão sempre ausentes. Como você vai educar seus filhos se nunca está presente? Crianças que desde muito cedo passam bastante tempo diante de telas, expostas a vários riscos sem que os pais desconfiem de algo. 

A minissérie também mostra vulnerabilidades das instituições. As escolas e a polícia não estão preparadas para lidar com esse problema. Não há política pública estruturada para o enfrentamento e prevenção desses casos. 


A obra propõe reflexões e, acertadamente, não tem a pretensão de indicar soluções. Não há sensacionalismo de mostrar violência explícita, ao mesmo tempo em que constrói um ambiente de tensão. 

As atuações são ótimas, muitas delas carregadas de emoção, porém, sem exageros, sem perder a mão. A filmagem em plano sequência prende o expectador, dando a impressão de que tudo está acontecendo naquele exato momento. 

São apenas quatro episódios, o que não deixa a série ser cansativa. O desfecho fica subentendido, sem reviravoltas e sem desgastes com cenas clichês de tribunais. E cada um é feito na medida, com abordagem específica. Tudo isso faz da produção uma obra excelente que merece ser vista e debatida por todos.


Misoginia

Silvana Monteiro tem opinião semelhante. As mulheres enfrentam um tratamento desrespeitoso nas comunidades virtuais, refletindo a desvalorização que também ocorre na sociedade. O chamado "clube do bolinha", para determinados assuntos, pode representar um risco maior do que muitos imaginam.

As pessoas aparentemente comuns podem praticar as piores atrocidades. Famílias perfeitas não existem. Filhos não são o que os pais tentam, pensam ou querem. Mentes sagazes não têm idade. Pais não se prepararam para o mundo e o submundo da web. E criminoso não vem com estrela na testa.

Estamos vendo uma grande número de meninas de 11, 12, 13 e 14 sendo assassinadas todos os dias, a maioria por marmanjos ordinários. É chocante, virou uma coisa sem tamanho, uma situação desesperadora. Antes mesmo de atingir a adolescência plena, as meninas estão se tornando números. Estão tendo donos, "donos" que tiram suas vidas a qualquer espirro.


Para Carol Cassese é uma tristeza como essas meninas já são objetificadas. É toda uma cultura mesmo. Uma existência que fica associada à estética, à ideia de agradar ou não homens. Essa (a objetificação) é uma parte do problema, definitivamente não é apenas isso. Mas faz parte do problema também.

Mirtes Helena Scalioni gostou muito de “Adolescência” e afirma que a produção fez acender luzinhas nas cabeças de pais, filhos e professores. As plataformas não são o que parecem ser. Meninos estão sim fazendo cursos de misoginia na internet. E aprendendo a odiar e matar mulheres e meninas. O último capítulo da série é, para mim, uma pequena obra-prima de reflexão. E o pior de tudo é que as meninas estão sendo, de novo, apontadas como culpadas.

Segunda temporada?

Há rumores de que a série pode ganhar uma nova temporada, não como continuação direta do caso de Jamie, mas com uma nova história e a mesma abordagem. Se mantiver essa profundidade e cuidado na construção narrativa, ela tem tudo para seguir como um dos projetos mais relevantes da Netflix.


Ficha técnica:
Direção: Philip Barantini
Roteiro: Jack Thorne e Stephen Graham
Produção: Warp Films, Plan B Entertainment e Matriarch Productions
Distribuição: Netflix
Exibição: Netflix
Duração: 4 episódios
Classificação: 14 anos
País: Reino Unido
Gêneros: drama, policial, suspense

04 abril 2025

"MMA: Meu Melhor Amigo" estreia no streaming e traz importante mensagem sobre o autismo

Marcos Mion é o protagonista deste filme que mostra os desafios e as singularidades das pessoas com
este transtorno de espectro (Fotos: Globo Filmes)


Marcos Tadeu
Parceiro do blog Jornalista de Cinema


"MMA: Meu Melhor Amigo", novo longa protagonizado por Marcos Mion e direção de José Alvarenga Jr., estreou no Disney+ e na Globoplay após ficar pouco tempo nos cinemas. Trazendo uma combinação inusitada de luta e discussão sobre o autismo, o filme aborda, de forma sensível, os desafios e as singularidades das pessoas com este transtorno de espectro, além de conscientizar o público sobre a importância do afeto e da paciência no relacionamento com elas.

Na trama, conhecemos Max Machadada (Marcos Mion), um renomado campeão de MMA em declínio, afastado dos ringues devido a uma séria lesão no ombro. No momento em que descobre ser pai de Bruno, um menino autista de oito anos, Max enfrenta dois desafios cruciais: aprender a compreender e conquistar o carinho de seu filho e se preparar para a luta mais importante de sua vida — o retorno definitivo a sua carreira. 


Entre o treinamento físico e emocional, Max se esforça para se transformar no pai que Bruno precisa, enquanto tenta reerguer sua própria história. Marcos Mion entrega uma atuação segura, fugindo de seus bordões habituais e se dedicando a nuances que aproximam o espectador do personagem. 

O filme faz referências sutis a Rocky Balboa, mas se afasta do universo do boxe para mergulhar na luta livre. Mion também contribui no roteiro, reforçando seu compromisso com a conscientização sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA), tema que ele conhece bem por ter um filho na vida real, Romeo, com este distúrbio do neurodesenvolvimento.


O elenco de apoio brilha ao complementar a jornada de Max. Vanessa Giácomo tem um papel pequeno, mas significativo, ajudando a trama a avançar. Antônio Fagundes, como o pai de Max, constrói uma relação complexa marcada por conflitos e resquícios do passado. 

Andréia Horta interpreta Laís, mãe do garoto, uma figura forte e cheia de camadas, que oferece suporte prático e emocional ao protagonista, além de educá-lo sobre as necessidades de Bruno.

A direção acerta ao equilibrar o drama familiar com as cenas de treinamento e luta. O roteiro de José Alvarenga Jr. aprofunda o conflito entre as responsabilidades de Max como pai e atleta, enquanto explora temas como a interação de Bruno (interpretado por Guilherme Tavares) com outras crianças, sua percepção sensorial diferenciada, e a importância do cuidado paciente e amoroso. O jovem acrescenta leveza e humanidade à narrativa.


Os pontos fracos do filme são as coreografias mal feitas das lutas e a conclusão da história. Apesar de coesa, a narrativa finaliza de forma abrupta, deixando em aberto a evolução dos personagens após a tão aguardada luta. O desfecho, ao focar na relação de Max com seu filho, poderia ter explorado mais o impacto dessa jornada na vida dos dois. 

"MMA: Meu Melhor Amigo" é um filme simples, repleto de clichês, mas que se destaca pela humanidade e sensibilidade com que aborda o universo autista. Marcos Mion se firma como um porta-voz da causa, transmitindo uma mensagem poderosa sobre convivência, empatia e superação. 

A obra não só conscientiza o público, mas também celebra as diferenças, mostrando que lidar com pessoas no espectro autista exige paciência, respeito e, acima de tudo, amor.
 

Ficha técnica:
Direção: José Alvarenga Júnior
Roteiro e Argumento/Criação: Marcos Mion e Paulo Cursino
Produção: Globo Filmes, Formata Produções e Conteúdo, Star Original Productions
Distribuição: Star Distribution Brasil
Exibição: Globoplay e Disney+
Duração: 2 horas
Classificação: 12 anos
País: Brasil
Gêneros: drama, ação