07 setembro 2022

“Men - Faces do Medo" é um estudo sobre traumas e o processo de cura

Longa de terror em que todas as figuras masculinas são interpretados pelo mesmo ator, o excelente Rory Kinnear (Fotos: Paris Filmes/Divulgação)


Carolina Cassese
Blog no Zint Online 


Os homens são todos iguais. Tal máxima se torna bastante literal em "Men - Faces do Medo", o mais novo filme de Alex Garland, que chega aos cinemas nesta quinta-feira (8). O longa de terror é centrado na história de Harper (Jessie Buckley), que, após passar por um término traumático, decide alugar uma casa no interior da Inglaterra com o intuito de passar um tempo sozinha. No entanto, diversos acontecimentos desestabilizadores atrapalham seu processo de cura.

O motivo da frase "os homens são todos iguais" ser relevante para o longa é bastante simples: em "Men", todas as figuras masculinas (o anfitrião da casa, a criança problemática da cidade, o vigário, o policial, o barman, o freguês do bar) são interpretados pelo mesmo ator, o excelente Rory Kinnear. 


Se levarmos em conta a figura do policial e do vigário, podemos considerar como eles também representam instituições que em determinados momentos históricos não ficaram necessariamente ao lado das mulheres. 

O vigário, ao conversar com Harper sobre a violência que ela sofreu, chega a dizer: "Isso acontece, os homens batem nas mulheres às vezes" Logo em seguida, seu discurso permanece carregado de culpabilização.


Além de serem iguais na aparência, outra inegável semelhança entre esses personagens é o fato de eles não darem muito valor às palavras da protagonista, em especial quando Harper pede ajuda por estar sendo perseguida (o stalker da protagonista, claro, é também interpretado por Rory Kinnear). 

O policial, por exemplo, não parece estar muito interessado em prevenir que algo aconteça com ela, apenas em "remediar" - retrato de uma sociedade que está disposta a punir, mas não a discutir questões de gênero e nem mesmo a proteger as mulheres quando necessário.


Boa parte das cenas de terror advém da perseguição que a protagonista sofre, ambientada primordialmente no espaço da casa. Há um sentimento de incômodo desde as primeiras cenas, quando o anfitrião apresenta seu espaço para Harper. Ele não sabe bem o que falar e ela tampouco tem certeza do que responder. 

Essa sensação de desconforto permanece em todo o filme, já que a personagem principal não consegue ficar realmente sozinha e refletir sobre sua vida. Ela parece não ser "autorizada", portanto, a passar por seu processo de cura.


Pode ser que o espectador se lembre um pouco da protagonista do longa "Homem Invisível" (2020), de Leigh Whannell, que também é atormentada por uma “aberração” masculina e praticamente não consegue ficar consigo mesma sem ser importunada. Essas mulheres, então,  lutam também pelo direito à privacidade. 

Outro filme que pode vir a mente é a animação "Anomalisa" (2015), de Charlie Kaufman e Duke Johnson, no qual vemos vários personagens iguais (com o mesmo desenho e, claro, a mesma dublagem).

Não é possível chamar a crítica que "Men" realiza de sutil, já que as metáforas são bem carregadas e até mesmo repetitivas. O diretor parece ainda não estar muito preocupado em apresentar soluções para o problema, apenas em evidenciá-lo. De qualquer maneira, é interessante perceber que filmes de terror agora tratam de temas sociais com mais frequência e, inclusive, são capazes de realizar críticas contundentes (o que acontece nos longas de Jordan Peele, por exemplo).


Definitivamente, não dá pra dizer que Garland deixa o espectador indiferente. Todos esses homens são, de fato, aterrorizantes (de jeitos diferentes e, ao mesmo tempo, muito similares). Eles não apenas representam várias esferas da sociedade, como também diversos tipos de violência. A partir da metade do filme, o espectador provavelmente ficará mais tenso e preso na história, que se aproxima do gênero terror.

Mesmo que algumas cenas sejam um pouco óbvias (e talvez “sobrem”), "Men" conta com atuações espetaculares e cenas angustiantes, além de ser um verdadeiro estudo do trauma - emoção que, para a personagem, já é por si só bastante assustadora.


Ficha técnica:
Direção e roteiro: Alex Garland
Produção: DNA Films / A24
Distribuição: Paris Filmes
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h40
Classificação: 16 anos
País: EUA
Gêneros: terror / drama

04 setembro 2022

"A Fera" - um thriller de suspense sobre vingança, sobrevivência e família

Idris Elba enfrenta um leão assassino gigantesco durante um safari na África (Fotos: Universal Pictures)


Marcos Tadeu
Narrativa Cinematográfica


Filmes com animais revidando em uma vingança pessoal é o que mais existe, mas saber contar isso em uma boa história, faz toda diferença. "A Fera" ("Beast") está entre os bons filmes. Com direção de Baltasar Kormákur, tem Idris Elba como protagonista enfrentando um leão gigante e com sede de sangue. 

Um tema semelhante, apesar de um roteiro diferente, de outra produção que fez sucesso em 1996 - "A Sombra e a Escuridão", com Val Kilmer e Michael Douglas, que pode ser conferido no @Telecine.


"Em A Fera" conhecemos o Dr. Nate Daniels (Idris Elba) que faz uma viagem à África do Sul com as duas filhas, Norah (Leah Jeffries) e Mare (Iyana Halley), na tentativa de se conectar com as raízes de sua mulher e apresentar a beleza da África. Ele é guiado pelo amigo da família Martin Battles (Sharlto Copley), responsável por cuidar do bem estar dos animais de uma reserva natural. 

A situação começa a ficar tensa, quando em uma visita a uma aldeia, o grupo  descobre que um leão está matando todos na área por causa de caçadores ilegais que mataram sua família. Um ponto comum entre animal e ser humano - ambos estão focados em suas famílias - um em busca de vingança e outro tentando salvar as filhas.


A obra é muito pontual ao deixar o público quase como um observador passivo e fazer com que, a todo momento, possa esperar mortes sangrentas vindas do felino. É muito interessante como a questão dos caçadores ilegais é um tema pertinente e atual sobre o que acontece no continente africano. 

Por um momento ficamos até contentes de ver o leão com sede de vingança assassinar quem lhe fez mal. Por outro lado, há uma apreensão, já que é o Dr. Nate quem está na reta e precisa enfrentar a fera, salvar a família e o amigo e ainda tentar acertar seu relacionamento com a filha mais velha, Norah. 


A direção foi bem acertada, principalmente quando o leão entra em ação e vai ao ataque de suas presas. O animal é muito maior do que os outros de sua espécie, provocando um visual aterrorizante, principalmente nas cenas à luz do dia. O  CGI foi muito bem empregado, com um cuidado polido e próximo ao real, o que ajudou a dar mais realidade ao filme.

Destaco também para o designer de som, em toda a sua narrativa, principalmente nas cenas noturnas e quando o animal está em combate com Nate. Tudo isso dá ao filme um tom maior de suspense. A fotografia é espetacular, explorando bem as savanas e o ambiente selvagem da África do Sul, que serviu de locação para o filme.


Talvez o único defeito de " Fera" seja não ter explorado mais a questão da África e da cultura negra e do povo africano. Também faltou falar mais da relação de Nate com a ex-esposa, a abordagem ficou numa camada superficial. 

É válido destacar o final, tem uma plot twist interessante, mas bem previsível. Funciona com os conceitos apresentados durante o longa, com uma conclusão que reforça os valores da família. "A Fera" é um thriller de suspense e cumpre o que promete. Vai agradar aos amantes de filmes sobre animais assassinos. Vale a pena conferir.


Ficha técnica:
Direção: Baltasar Kormákur
Produção e distribuição: Universal Pictures
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h33
Classificação: 14 anos
País: EUA
Gêneros: ação / drama