29 setembro 2022

“Marte Um”: de Contagem para o mundo, com esperança e afeto

É no personagem Deivinho e seu sonho de ser astrofísico que a história marca seu diferencial (Fotos: Embaúba Filmes)



Mirtes Helena Scalioni


O filme é meio triste, mas terno. Talvez se possa resumir assim o longa “Marte Um”, mais um trabalho produzido pela Filmes de Plástico, da turma de Contagem, desta vez dirigido por Gabriel Martins (“No Coração do Mundo” - 2019). 

Incensado pela crítica e aprovado pelo público, o filme foi pré-selecionado para representar o Brasil no Oscar 2023 depois de abocanhar prêmios em Gramado. 


Sem suspenses nem sustos, sem sequências de ação ou cenas de grandes reviravoltas dramáticas, a vida de uma família de negros da periferia da Região Metropolitana de BH é contada como se deve: naturalmente, sem enfatizar alegrias nem dores. Sem carregar nas tintas.


A família comandada por Wellington (Carlos Francisco, “Arábia” - 2017 e “Bacurau” - 2019) e Tércia (Rejane Faria, “No Coração do Mundo”) é como tantas outras na sua estrutura e cotidiano. Ele é porteiro e zelador de um condomínio de classe média alta, e ela é faxineira diarista. 

Ambos parecem cientes dos seus deveres e em paz com as limitações impostas pela dureza da vida. Os filhos - a jovem universitária de Direito Eunice (Camila Damião) e o menino Deivinho (Cícero Lucas) - vivem suas rotinas de escola, futebol, baladas, cervejas, estudos, paqueras, redes sociais e, claro, sonhos - de um jeito que parece equilibrado.


É no personagem Deivinho que a história marca seu diferencial. Como pode um menino negro e pobre querer ser astrofísico em vez de jogador de futebol como deseja com empenho seu pai? 

Que direito tem esse pirralho de querer chegar tão alto, sonhando, inclusive, fazer parte da comitiva que, no ano 2030, vai sair da Terra embarcada num foguete rumo à colonização do planeta vermelho? Pois esse menino míope e franzino quer nada mais, nada menos, do que fazer parte da missão Marte Um.


A grande magia do trabalho de Gabriel Martins, que também cuidou do roteiro, é que tudo, desde os pequenos conflitos, dúvidas, doenças, vícios, diferenças e celebrações, absolutamente tudo é administrado com amor e união. 

Reside aí o encantamento de “Marte Um”, que não se parece em nada com outras tantas produções que têm favelas e periferias como cenário. Trata-se de um filme sincero e honesto.


É tudo tão natural que há momentos em que o espectador pode ter a sensação de estar vendo um documentário. As interpretações, todas irrepreensíveis, fortalecem essa ideia. Nada se fala de política, mas a TV, ligada em alguns momentos, deixa escapar que estamos vivendo no início da era Bolsonaro. 

Ninguém discute nem faz discursos, nem mesmo quando Eunice revela sua vontade de sair de casa para viver a própria vida, ou quando Tércia, traumatizada depois de ter sido vítima de uma brincadeira de mau gosto, decide fazer uma viagem para simplesmente descansar.


Os cenários, figurinos e trilha sonora garantem a veracidade das cenas, tanto na casa da família, que não deixa de festejar aniversários, apesar do arrocho financeiro, quanto nas baladas frequentadas por Eunice ou nas reuniões de Alcoólicos Anônimos, onde Wellington aparece periodicamente. 

Ao mesmo tempo, nada peca pelo exagero, não há clichês ou estereótipos. Tudo está na medida da verossimilhança.


Em tempos de polarização, radicalismos e violências, “Marte Um” fisga o público, mas cai leve no coração do espectador, como se quisesse mostrar que pode haver outro caminho e que há sim, espaço para a fé no outro. Como já disse o conhecido poeta e cordelista Bráulio Bessa, “enquanto houver um abraço, há de haver esperança”.


Ficha Técnica
Direção e roteiro: Gabriel Martins
Produção: Filmes de Plástico / coprodução Canal Brasil
Distribuição: Embaúba Filmes
Exibição: nas salas Cineart Ponteio (sessões 18h30 e 21 horas), Cinemark Pátio Savassi (sessão 15h30) e UNA Cine Belas Artes (sessões 14h, 16h20, 18h20 e 20h30)
Duração: 1h54
Classificação: 16 anos
País: Brasil
Gênero: drama

28 setembro 2022

“Horizonte Partido” expõe a degradação da Serra do Curral em 16 mm

Produção surgiu em 2018 a partir do interesse do artista em investigar vestígios das ruínas (Fotos André Hauck)


Da Redação


Um projeto de filme e fotos que merece ser conferido. Trata-se do curta-metragem experimental “Horizonte Partido”, produzido pelo artista visual André Hauck. Lançado no dia 23 de setembro, o filme estará em exibição até amanhã no canal do Youtube da produção. Também é possível assistir no mesmo link a versão do curta com audiodescrição, além de um vídeo com autor da obra falando o trabalho realizado.

O projeto, apoiado pela Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte, é fruto da pesquisa do artista visual sobre o território da Serra do Curral e as possibilidades sensoriais do filme analógico 16 mm. A ideia de produzir "Horizonte Partido" surgiu em 2018 a partir do interesse do artista em investigar vestígios das ruínas de um muro de pedras com mais de dois quilômetros de extensão na região leste da Serra do Curral. 


Estudos do Laboratório de Arqueologia da UFMG revelaram evidências de que esta construção teria pertencido a fazendas de gado do século XVIII, período anterior à fundação da cidade de Belo Horizonte. Hoje as ruínas, bem como boa parte da Serra do Curral, estão em constante processo de apagamento e deterioração por meio da intervenção desordenada da ação do homem, em especial das mineradoras.


Neste sentido, o curta "Horizonte Partido" apresenta um mapeamento visual deste território instável e seu incessante processo de desaparição. De acordo com Hauck “a escolha para o registro das imagens foi a película 16 mm e lente anamórfica, no intuito de propor uma relação conceitual com os processos produtivos do cinema analógico em obsolescência. Bem como a capacidade que o filme tem de deixar sua marca temporal nas texturas táteis do mundo”; afirma o artista. 

André Hauck
Mestre em Artes Visuais pelo programa de pós-graduação em artes da UFMG. Atualmente reside em Belo Horizonte, onde atua como artista visual e fotógrafo. Desde 2002 trabalha com a fotografia, criando um diálogo entre os processos documentais e as artes visuais e propondo um questionamento sobre como os habitantes dos grandes centros urbanos moldam e configuram os espaços onde vivem.

Recebeu importantes prêmios como o Prêmio Conrado Wessel de a Arte 2014, Prêmio Funarte de Arte Contemporânea 2014, a Bolsa Funarte de Estímulo à Produção em Artes Visuais 2014 com o projeto “Escavar o Invisível”, o prêmio aquisitivo do “Situações Brasília 2014”, o Prêmio Nacional de Fotografia Pierre Verger 2012/2013, o XIII Prêmio Funarte Marc Ferrez e o 1º Programa Anual de Fotografia do CCSP, São Paulo.


Ficha técnica
Direção: André Hauck
Exibição: https://youtu.be/gI3N6yGDskE
Duração: 10'30
Classificação: livre
Gênero: documentário / curta-metragem