16 janeiro 2025

"Luiz Melodia - No Coração do Brasil" amplifica a voz do poeta do Estácio

Documentário traz o artista carioca, falecido em 2017, como narrador da própria história (Fotos Embaúba Filmes) 


Eduardo Jr.


Dia 16 de janeiro foi a data escolhida para a estreia do documentário “Luiz Melodia: No Coração do Brasil”. Dirigido por Alessandra Dorgan, o longa traz o artista carioca, falecido em 2017, como narrador da própria história. A distribuição é da Embaúba Filmes. O filme poderá ser conferido no Una Cine Belas Artes e no Centro Cultural Unimed-BH Minas.

Este não é um filme com movimentos de câmera autorais ou cores marcantes, daquelas que identificam de imediato o cineasta responsável. Todo o documentário é composto por material de arquivo. Gravações de áudios, entrevistas e shows foram cedidas por Jane Reis, viúva do artista e produtora associada nesta homenagem. 


Já de saída, uma mensagem na voz do cantor alerta que, nesses tempos de crise em que estamos vivendo, é bom se soltar enquanto existe música dentro de nós. 

Muito coerente com quem construiu um repertório que vai do samba ao jazz e levou aos palcos um corpo cheio de movimento, que parece nunca ter sentido que envelhecer seria um fardo. Melodia faleceu aos 66 anos, mas permanece vivo, sendo frequentemente regravado.


Essa mensagem sobre a importância de sentir e viver a arte fica ainda mais pertinente se olharmos para os bastidores da produção. 

Foram sete anos de pesquisa e muita luta para fazer o projeto sobreviver enquanto a Ancine e todo o audiovisual brasileiro enfrentavam problemas e ameaças de censura por parte do ocupante anterior da cadeira da Presidência da República. 


Mas Luiz era musicalidade e também resistência. Nascido no bairro do Estácio de Sá, seu corpo já evocava liberdade. Em algumas cenas, lá está ele, sem camisa, tranças soltas, e no seu canto, a poesia autoral. 

Em nome do direito de fazer o que queria, no momento desejado e de manter uma liberdade criativa, passou alguns períodos sem gravar, pois enfrentava gravadoras de peito aberto, e saía vitorioso. A aclamação do público é a prova disso.  


A própria voz de Luiz Melodia se encarrega de tudo. Com suas “canetadas”, foi despertando a atenção e fazendo amigos. Entre eles, Waly Salomão, Torquato Neto e Gal Costa, a responsável por fazer com que o compositor se instalasse "no coração do Brasil", como ele mesmo escreveu em “Magrelinha”.  

Nessa narrativa, enquanto vai desfiando suas histórias, a voz do poeta do Estácio é coberta em alguns momentos por imagens antigas do Rio de Janeiro, da cena cultural da cidade e acompanhada por ritmos que foram sua influência, como o samba de Zé Keti. 


Ao longo da imperceptível uma hora e quinze do documentário, o espectador vai descobrindo que Luiz Melodia era firme em suas escolhas. Doce ao bancar suas decisões. Inteligente em ler e entender o mercado fonográfico. E poético ao criar e levar o resultado ao público, que hoje pode desfrutar de registros e repertório incríveis (que passam por duetos memoráveis a trilhas de novela inesquecíveis). 


Ficha técnica:
Direção:
Alessandra Dorgan
Direção musical: Patricia Palumbo
Produção: Big Bonsai, coprodução MUK Produções e Plate Filmes
Distribuição: Embaúba Filmes
Exibição: Una Cine Belas Artes e Centro Cultural Unimed-BH Minas
Duração: 1h15
Classificação: Livre
País: Brasil
Gênero: Documentário

15 janeiro 2025

"Sol de Inverno" retrata, com delicadeza, relações sociais e laços afetivos

A fotografia do filme, em tons pastéis e texturas suaves, é uma ode à transitoriedade do inverno
(Fotos: Michiko Filmes)


Silvana Monteiro


"Sol de Inverno" ("Boku No Ohisama") é um dorama japonês que traduz com delicadeza a efemeridade dos momentos marcantes e a beleza das relações humanas. Sob a direção sensível de Hiroshi Okuyama, o longa perpassa a narrativa esportiva para se tornar um estudo poético sobre os laços sociais, as descobertas e os afetos que florescem mesmo no rigor do inverno.

A história segue Takuya (Keitatsu Koshiyama), um jovem introspectivo que descobre na patinação artística um refúgio para sua alma inquieta. Enquanto os colegas da pequena ilha japonesa se dedicam ao hóquei no gelo, ele encontra inspiração em uma pessoa. 


Orientados pelo experiente técnico Hisashi Arakawa (Sôsuke Ikematsu), Takuya e Sakura (Kiara Takanashi) formam uma dupla que reflete, com naturalidade, a profundidade de uma amizade que transcende o gelo.

A narrativa de Okuyama se constrói com ritmo pausado, como as mudanças sutis das estações, inicialmente, sem conflitos, tornando-se quase uma crônica. O diretor valoriza os silêncios, os olhares e os gestos mínimos, elementos que evocam a introspecção típica do cinema japonês contemporâneo. 

Sobre Takuya, por exemplo, é trabalhada uma dificuldade pessoal e neurotípica, como uma metáfora das barreiras emocionais que o personagem precisa superar. Sua relação com Sakura é desenvolvida de forma genuína e encantadora, equilibrando fragilidade e força.


A fotografia do filme, em tons pastéis e texturas suaves, é uma ode à transitoriedade do inverno. As paisagens gélidas e o contraste entre a luminosidade fria da neve e o calor emocional dos personagens criam um cenário estético que dialoga profundamente com a trama. 

Já a trilha sonora pungente, amplifica a experiência sensorial, guiando o espectador pelos momentos de alegria, contemplação, melancolia e superação dos personagens.


Um ponto de destaque na obra é a forma como Okuyama aborda a temática homoafetiva. A vida íntima do técnico Arakawa é tratada com respeito e sensibilidade, mostrando um contraste poderoso entre a afeição sincera do personagem e o preconceito ainda latente na sociedade retratada. 

Essa camada adiciona profundidade ao filme, ao mesmo tempo em que lança luz sobre questões sociais contemporâneas, sem jamais desviar o foco dos laços construídos entre os protagonistas.

O longa captura a essência dos momentos transitórios e nos relembra que a beleza da vida está, muitas vezes, no efêmero. E mesmo no inverno rigoroso, um raio de sol pode mudar tudo. 


O desfecho inconclusivo, longe de frustrar, sugere uma aceitação da impermanência, um conceito profundamente enraizado na cultura japonesa.

Em suma, "Sol de Inverno" é uma obra que encanta tanto pela forma quanto pelo conteúdo. É uma celebração da conexão humana, da superação de adversidades e da busca pela beleza em meio às dificuldades. 

Hiroshi Okuyama reafirma seu lugar como uma das promessas mais notáveis do cinema japonês contemporâneo, entregando uma narrativa tão delicada quanto poderosa. 


Ficha técnica:
Direção, roteiro, fotografia e montagem: Hiroshi Okuyama
Distribuição: Michiko Filmes
Música: Yoshinari Sato
Exibição: nos cinemas
Duração: 1h30
Classificação: 12 anos
Países: Japão, França
Gênero: drama