15 março 2025

"Vitória", mais um brilhante trabalho da insuperável Fernanda Montenegro

Filme conta a história de uma idosa que filmou e denunciou o tráfico e a corrupção policial na comunidade
 ao lado de seu prédio (Fotos: Sony Pictures)


Maristela Bretas


Para a diva do teatro, TV e cinema, Fernanda Montenegro, parar de atuar é uma situação que está longe de acontecer. Depois de encerrar, com perfeição, o sucesso "Ainda Estou Aqui" no papel de Eunice Paiva no final da vida, a atriz estreou essa semana nos cinemas o filme “Vitória", do diretor Andrucha Waddington ("Sob Pressão" - 2016).

E o público pode esperar mais da Fernandona, como é carinhosamente chamada. É dela a narração perfeita e pontuada do emocionante documentário "Milton Bituca Nascimento", que estreia dia 20 nos cinemas. Este está sendo, definitivamente, o ano das 'Fernandas', Montenegro e Torres, mãe e filha.


"Vitória" conta a história de coragem, força e resiliência da idosa Joana Zeferino da Paz, a Dona Nina. Cansada de assistir à rotina diária de traficantes e policiais corruptos que aterrorizavam a comunidade ao lado de seu apartamento em Copacabana, ela decide filmar e denunciar às autoridades tudo o que acontece no local. Sua denúncia colocou fim a esse esquema na época.

Idosa, sozinha e de poucos, mas fiéis amigos, não admitia injustiças, especialmente contra crianças. Seu protegido foi Marcinho (ótima atuação de Thawan Lucas), o garoto que ela tentou proteger da influência do tráfico. Uma frase dita por Dona Nina exemplifica bem sua posição: "O perigo não vem das crianças, vem da janela". 


A verdadeira Dona Vitória poderia se chamar Maria, como muitas outras mulheres comuns. "Teve força, raça e gana sempre", como diria Milton Nascimento. Alagoana, negra, aposentada e sempre batalhadora, aos 80 anos se cansou de conviver com a violência e o descaso das autoridades e resolveu agir.

Para ela, era um absurdo as pessoas se calarem diante de tanta corrupção, e a ideia de filmar o que acontecia foi a forma de conseguir provas para denunciar a situação, mesmo que isso significasse colocar sua vida em risco. 

Na busca pela paz e pelo fim dos tiroteios e balas perdidas diários que atingiam prédios e moradores, ela iniciou sua cruzada contando com o apoio do jornalista Fábio Godoy, muito bem interpretado por Alan Rocha. 


Destaque também para Linn da Quebrada, no papel de Bibiana, a moradora trans do prédio, que também se torna amiga de Dona Nina. No elenco temos ainda Laila Garin (a inspetora de Polícia Laura Torres), Thelmo Fernandes (o síndico Seu Osvaldo) e Marcio Ricciardi (Major Messias).

Chamam atenção também no filme as belas imagens de Copacabana, com suas praias e calçadões, em contraste com o cotidiano da violência armada dos morros, tão próximos. 

O som também é ponto importante na narrativa, desde o barulho do trânsito caótico das ruas, às velhas canções da MPB tocadas na vitrola de Dona Nina. E o mais angustiante deles, o das rajadas de metralhadoras e gritos que cortam a noite na vizinhança.


De Nina para Vitória

Mas, por que o nome Vitória? Após as denúncias feitas ao alto escalão da polícia e a história com as provas ser publicada nos jornais, Dona Nina precisou ganhar nova identidade, entrou para o Programa de Proteção às Testemunhas, mudou de endereço e passou a se chamar Vitória Joana da Paz. 

O filme é uma adaptação livre do livro "Dona Vitória Joana da Paz" do jornalista Fábio Gusmão, que publicou o caso em 24 de agosto de 2005, mas só revelou a nova identidade da personagem após sua morte em fevereiro de 2023, no livro. 

Segundo o autor, era desejo de Dona Vitória ser interpretada no cinema por Fernanda Montenegro, uma de suas atrizes favoritas.

A verdadeira Dona Vitória (Foto: Arquivo Pessoal)

Além de ser uma determinação por causa da proteção legal, a não divulgação foi uma promessa feita à amiga, mesmo Dona Vitória não se importando em ter o nome divulgado. Para ela, perder a identidade original era mais uma das muitas perdas sofridas ao longo da vida.

O cotidiano de solidão, falas e caminhadas mais lentas mostram bem a vida de Vitória, para quem uma simples xícara quebrada tinha um significado muito especial. Em vários momentos da trama, ela está tentando colar os pedaços da antiga peça de porcelana, como se estivesse fazendo o mesmo com sua vida. 

A velhice e a possibilidade de perder o pouco que tinha se refletem nos cacos da xícara que nunca mais vai ficar perfeita. Como ela.


"Vitória" é envolvente, tenso, real e atual ao abordar a criminalidade, o desrespeito aos idosos e a solidão. Fernanda Montenegro se expõe sem esconder as marcas e restrições na fala e movimentos de seus bem-vividos 95 anos. São estas características que reforçam e tornam sua interpretação mais forte e emocionante.

O roteiro do longa é assinado por Paula Fiuza e direção inicial de Breno Silveira, que infelizmente faleceu no início das filmagens. Foi substituído por Andrucha Waddington, que entregou um grande trabalho.

Assistir Fernanda Montenegro em ação é uma oportunidade imperdível, mais ainda três vezes no mesmo ano. Recomendo conferir nos cinemas os três filmes - "Ainda Estou Aqui", "Vitória" e, na próxima semana, "Milton Bituca Nascimento".


Ficha técnica:
Direção: Andrucha Waddington
Roteiro: Paula Fiuza e Breno Silveira
Produção: Conspiração Filmes e coprodução MyMama Entertainment e Globoplay
Distribuição: Sony Pictures
Classificação: 16 anos
Exibição: nos cinemas
País: Brasil
Gêneros: drama criminal

13 março 2025

"O Melhor Amigo" promete um amor quente na praia, mas entrega um solzinho morno

Comédia romântica dirigida por Allan Deberton se baseia no curta de mesmo nome que o diretor fez em 2013
(Fotos: Vitrine Filmes)


Eduardo Jr.


Chega aos cinemas nesta quinta-feira (13) o lançamento da Sessão Vitrine Petrobrás, "O Melhor Amigo". Com distribuição da Vitrine Filmes, o filme dirigido por Allan Deberton se baseia no curta de mesmo nome que o diretor fez em 2013. 

A novidade está no fato de que o curta, que poderia ser enquadrado como drama, pelo sentimento não declarado entre os personagens, se transformou um uma comédia romântica nesta versão de pouco mais de 90 minutos. 


De início, a música já sinaliza para o espectador o tom descontraído do filme. Vinícius Teixeira dá vida ao protagonista Lucas (no curta de 2013 o papel foi de Jesuíta Barbosa). Diante da incerteza sobre o relacionamento com Martim (Léo Bahia), Lucas viaja sozinho para Canoa Quebrada, no Ceará. 

De cara, esbarra em Estrela D'Alva (Cláudia Ohana), uma espécie de cigana que rapidamente identifica que o jovem tem questões sentimentais a resolver. A esotérica acerta, pois Lucas reencontra Felipe (vivido por Gabriel Fuentes), um velho amigo - e fica claro que a presença dele remexe sentimentos antigos. O tímido Lucas parece querer uma paixão intensa, se entregar ao amor, enquanto Felipe está em outra sintonia. 


A proposta de normalizar as relações LGBTQIAPN+ e criar um musical gay pode ser vista como positiva. Mas a execução também está fora de sintonia. As danças mais flertam com o trash do que com a Broadway, apesar da boa ideia de ressignificar canções dos anos 1980 e 1990, como "Mais Uma de Amor (geme geme)", da Blitz e "Escrito nas Estrelas", de Tetê Espíndola. 

A intenção parece ser a de criar um clima de desventuras afetivas para, no final, o amor vencer. Mas essa proposta de jornada para o protagonista parece ser amassada pela representação da disponibilidade do sexo fácil no universo LGBTQIAPN+. Lucas parece apaixonado por Felipe, que tem diversos empregos para sobreviver - de guia turístico a garoto de programa. 


Sem saber se será correspondido, parece querer punir o amado, se enfiando no quarto de outros hóspedes (Mateus Carrieri e Diego Montez) para uma noite de sexo a três. 

Fica o protagonista sem um arco que o sustente, e a imagem do mundo gay mais uma vez atrelada a corpos sarados e personagens afeminados que só servem para tirar risos do público. 

A tela acaba sendo preenchida com apresentações de drags, que estão naturalmente se exibindo num palco, e não para uma câmera. Aliás, parece faltar criatividade ao posicionamento dela, que fica estática em frente à cena a ser retratada, e só. 


Nem a presença de Gretchen no longa abre espaço para planos mais elaborados. A frustração marca presença também no momento em que o insistente namorado Martim aparece naquele paraíso litorâneo atrás de Lucas. Mas o indício de que a trama vai se movimentar se perde facilmente. 

E ali, em uma praia bonita com fotografia pouco explorada, se passa uma história que parecia ser a busca por uma paixão, mas termina num possível encontro consigo mesmo. Os motivos para a união dos protagonistas se esfarelar também ficam nebulosos, pois as personagens não são abordadas de maneira mais profunda. 


O mérito talvez esteja na coerência da direção: se no curta de 2013 não se sabe se o protagonista se declarou ao amado ou se algo mais aconteceu, aqui também não parece existir o interesse em buscar respostas para a origem ou fim de um sentimento ou de uma relação. 

Uma obra com as cores do Brasil, com um humor que reconhecemos, mas que, provavelmente, o público poderá taxar como mediana. 


Ficha Técnica
Direção: Allan Deberton
Roteiro: Allan Deberton, Raul Damasceno, Otavio Chamorro e Pedro Karam
Produção: Deberton Filmes, coprodução Telecine e Mistika
Distribuição: Vitrine Filmes
Duração: 1h34
Classificação: 16 anos
País: Brasil
Gênero: Comédia romântica