02 fevereiro 2019

Glenn Close dá show de interpretação ao expor relacionamento abusivo em "A Esposa"

O filme é centrado nos conflitos de um casal da terceira idade em que o marido fez sua carreira às custas da mulher, que passa a vida em segundo plano (Fotos: Embankment Films/Divulgação)

Carolina Cassese 


Parece que Hollywood finalmente se deu conta da importância de retratar pessoas mais velhas nas telas e colocar atores veteranos em destaque. Produções como "Grace and Frankie" (2015), "Transparent" (2015) e a premiada "O Método Kominsky" (2018) se destacam justamente por colocarem questões relativas ao envelhecimento em pauta. Em épocas de movimentos como o Me Too e Time’s Up, a indústria do entretenimento também passou a apostar em filmes que problematizam o machismo e apresentam mulheres fortes como protagonistas.

Embarcando nessas duas tendências, o longa "A Esposa" é centrado nos conflitos de um casal da terceira idade – ou, mais especificamente, no arquétipo da esposa que passa uma vida em segundo plano, enquanto seu marido é prestigiado e vive cortejando outras mulheres.

A produção é cotada para as grandes premiações, especialmente pela excepcional atuação de Glenn Close, que interpreta a protagonista Joan Castleman. A atriz de fato consegue passar toda a aflição e complexidade de seu personagem com apenas um olhar ou um meio sorriso. O estopim de boa parte dos conflitos é a viagem que o casal realiza a Estocolmo para a cerimônia do Nobel de Literatura que Joe Castleman (Jonathan Pryce), o marido de Joan, receberá.

Desde a primeira cena, em que Joe insiste em fazer sexo com sua esposa e faz a sugestão de maneira consideravelmente misógina (acredite se quiser muitas pessoas no cinema acharam essa insistência engraçada), é bem possível não se simpatizar com o personagem. No entanto, se o desafeto não acontecer “de primeira”, é difícil continuar gostando de Castleman depois de conhecer a fundo a trajetória do casal – inacreditavelmente, há quem justifique todas as ações sexistas do escritor (“ele é movido à testosterona”, “ele faz o que faz porque se sente inseguro”, entre outras).

A opressão sofrida pela a personagem de Close acontece em muitos níveis. Joan não só é diminuída publicamente pelo seu marido (que, descaradamente, diz para os amigos “ainda bem que ela não escreve”), como também sofre em casa, já que ela é totalmente responsável pelos cuidados domésticos – Joe não sabe cuidar nem da sua própria toalha de banho. A protagonista precisa aguentar ainda os olhares que seu marido lança para outras mulheres.

A pegada feminista de "A Esposa" é inegável, especialmente a partir da metade do longa, quando a mulher começa a se dar conta de toda a opressão que sofreu a vida inteira. Seu despertar é motivado pelo injusto reconhecimento que o marido recebe com o Nobel e pelas investidas de Nathaniel Bone (Christian Slater), um escritor que sabe todos os podres da vida de seu marido e não faz nenhuma questão de escondê-los.

A produção pode não agradar algumas feministas, já que, em alguns momentos, Joan se recusa a ser colocada como vítima e até justifica alguns dos equívocos do marido. Em determinados momentos (principalmente considerando o final do longa), fica a impressão de que o próprio filme quer apresentar justificativas para o sexismo de Joe. Pode-se argumentar, no entanto, que a produção se empenha em realizar um retrato verossímil de relacionamentos abusivos, considerando que esses apresentam amarras invisíveis e complexas.

A direção de Björn Runge oscila entre planos longos e decupagens clássicas. Uma cena em especial chama atenção: a conversa de Joan e Nathaniel em um bar passa a ter seus quadros afunilados e apertados na medida em que a conversa se torna tensa e desconfortável para a protagonista. A presença do filho do casal, interpretado por Max Irons, se torna praticamente um acessório e é facilmente descartada. Seu drama, como um aspirante a escritor ofuscado pelo sucesso do pai, é até interessante, mas se torna pouco explorado na trama e parece não chegar a lugar nenhum.

No final das contas, o grande destaque de "A Esposa" é o show de Glenn Close, que de fato merece todo o prestígio que está recebendo. A atriz, que tem um portfólio e tanto, até hoje não foi premiada com um Oscar (já recebeu seis indicações), mas tudo indica que 2019 pode muito bem ser o seu ano. Ela já conquistou o prêmio de Melhor Atriz do Globo de Ouro, Critics' Choice Awards e SAG Awards. É ela quem carrega o filme, fazendo justiça ao peso e à força que sua personagem precisa ter, mostrando as nuances de uma mulher forte que se destaca em um mundo misógino.
Duração: 1h41
Classificação: 12 anos
Distribuição: Pandora Filmes


Tags: #AEsposa, #TheWife, #Oscar2019, #GlennClose, #JonathanPryce, #MelhorAtriz, #PandoraFilmes, @cinemanoescurinho @carolcassese

31 janeiro 2019

"O Menino que Queria Ser Rei" - produção britânica recria rei Arthur nos dias de hoje

Alex é um adolescente tímido que encontra a famosa espada Excalibur, que pertenceu ao rei Arthur (Fotos: 20th Century Fox/Divulgação)

Maristela Bretas


Fantasia, aventura e humor são os principais pontos explorados na produção britânica "O Menino que Queria Ser Rei" ("The Kid Who Would Be King"), que estreia nesta quinta-feira nos cinemas. O filme é indicado para quem procura uma distração para os filhos na faixa de 8 a 12 anos que gostam de histórias de reis, bruxas, magos, cavaleiros e heróis de armadura.

O filme é uma boa distração, trazendo para os dias de hoje os conflitos do período em que o rei Arthur governava a Inglaterra e lutava contra sua maior inimiga, a meia-irmã Morgana. Na nova história, os personagens lutam contra o mal da fantasia e seus próprios temores. Rebecca Ferguson (sempre com boa interpretação, como Morgana) e Patrick Stewart (mago Merlin velho) são os chamarizes do filme, mas um desperdício de talento.


Os demais atores são jovens e estreantes, exceto Louis Serkis, que está em seu segundo filme e interpreta Alex, o novo rei Arthur. Dois deles se destacam por entregarem os momentos divertidos do filme: Angus Imrie, como Merlin jovem, que vai divertir as crianças com seus truques de mágica e trapalhadas, e Dean Chaumoo, como Bedders, o amigo medroso mas fiel de Alex.

Em "O Menino que Queria Ser Rei", Alex é um adolescente britânico estudioso mas muito tímido, de poucos amigos que, como muitos de sua idade, sofrem com a perseguição diária e o bullying dos alunos mais velhos da escola. Seu único e fiel amigo é Bedders, que enfrenta os mesmos problemas que ele, mas nenhum dos dois tem coragem de entregar os autores das agressões e constrangimentos - a dupla Lance (Tom Taylor) e Kaye (Rhianna Dorris).

Certo dia, ele encontra uma misteriosa espada cravada numa pedra e descobre tratar-se de Excalibur, que pertenceu ao rei Arthur. Acreditando no poder da arma, Alex e Bedders ganham mais confiança para enfrentar seus inimigos e convencê-los a se tornarem seus aliados na luta contra Morgana, a meia-irmã de Arthur, presa por ele, mas se liberta da prisão após a espada ter sido tirada da pedra. Aos poucos, os jovens vão vendo seus conflitos e medos se misturarem com os trazidos pela fantasia e Alex terá de assumir as responsabilidades que a espada traz com ela.


A aventura mescla ingredientes do passado e do presente numa aventura que poderia ser melhor e menos confusa. Todas as vezes que Morgana aparece dá a impressão que se trata de outro filme e somente quando começa o conflito com Alex e sua turma é que a história toma pé. Apesar de Morgana ser a vilã ela aparece pouco, mas os efeitos gráficos das batalhas entre seus soldados de ossos e os heróis são muito bons e conseguem dar um ótimo ritmo à trama. Valores como amizade, confiança e união são bem reforçados pelos personagens. Vale como uma diversão de sessão da tarde.


Ficha técnica:
Direção e roteiro: Joe Cornish
Produção: 20th Century Fox / Working Title Films / Big Talk Productions
Distribuição: Fox Film
Duração: 2 horas
Gêneros: Fantasia / Aventura / Família
País: Reino Unido
Classificação: A partir de 6 anos
Nota: 3 (0 a 5)

Tags: #OMeninoQueQueriaSerRei, #20thCenturyFox, @Fox, #RebeccaFerguson, #PatrickStewart, #ReiArthur, #fantasia, #aventura, #EspacoZ, @cineart_cinemas, @cinemanoescurinho

30 janeiro 2019

Original e criativo, "Vice" é, antes de tudo, um filme cínico

O diretor Adam McKay fez a escolha acertada ao chamar Christian Bale para viver o personagem Dick Cheney (Fotos: Universum Film/Divulgação)

Mirtes Helena Scalioni


Não há como negar: é muito criativa a forma que o diretor Adam McKay encontrou para mostrar como o jovem beberrão e mau elemento Dick Cheney se transformou, durante um tempo, no homem mais poderoso do mundo. A história do vice-presidente de George W. Bush, que ficou no poder de 2001 a 2009, é contada de um jeito original e único no filme "Vice", em que o diretor convida constantemente o espectador a observar, refletir, participar.

A narração em "off" e o depoimento direto para a câmera de alguns dos coadjuvantes da vida de Dick ajudam a carregar na ironia, quase caindo na galhofa. Não faltam piadas entre uma e outra cena, algumas ridicularizando figuras conhecidas da política norte-americana.

Não é por acaso que "Vice" é classificado por muitos como "comédia dramática". Na verdade, Dick Cheney parece ter nascido personagem. Coube a Adam McKay a difícil tarefa de mostrar ao público de forma inteligente o verdadeiro tabuleiro de xadrez da política e a falta de escrúpulos do segundo homem dos Estados Unidos quando se tratava de atingir seus objetivos. Principalmente no episódio das Torres Gêmeas, no 11 de setembro de 2001, que acabou desencadeando a questionável Guerra do Iraque.

Outro acerto de McKay foi a escolha de Christian Bale para viver o protagonista. Como sempre faz, Bale entrou de cabeça, emprestando seu corpo às transformações necessárias para dar credibilidade a um Dick contraditório, ambicioso, vaidoso e prepotente, porém escorregadio e evasivo. O ator se transforma diante dos olhos do espectador na medida em que o tempo passa, num jogo de expressão corporal e composição perfeitas do personagem. É assim que ele cativa o público e dá credibilidade às manobras e manipulações do vice.

Assim como a mulher de Dick, Lynne Cheney, foi fundamental na vida e na carreira política do marido, a atriz Amy Adams é de fundamental importância em "Vice", interpretando a típica esposa que age nos bastidores, aconselha, joga e, acima de tudo, também ama o poder. A química entre o casal é visível e passa verdade e cumplicidade.


Steve Carell, que faz o deputado Donald Rumsfeld, com quem Dick começa sua carreira, também brilha como o político esperto sempre disposto a atingir seus objetivos. Sam Rockwell dá seu recado como um George W. Bush tão manipulável quanto perigoso, e Jesse Plemons enche o filme de interrogações como Furt, o "doador do coração" - pra não dar spoiler.

"Vice" está indicado ao Oscar de "Melhor Filme", "Melhor Diretor", e Christian Bale concorre a "Melhor Ator" - entre outras indicações. Merecidamente, diga-se. Ao final surpreendente do filme fica no público a certeza de como somos todos manipulados pelos políticos e pela mídia. A ideia que passa, por mais cínica que possa parecer, é: somos todos otários.
Duração: 2h12
Classificação: 14 anos
Produção: Imagem Filmes


Tags: #Vice, #ChristianBale, #SamRockwell, #AmyAdams, #SteveCarell, #drama, #biografia, @ImagemFilmes, @cineart_cinemas, @cinemanoescurinho

28 janeiro 2019

O provocante "Roma", de Alfonso Cuarón, é silêncio e poesia em estado bruto

A história se passa nos anos 1970, no México mostrando o dia a dia de uma empregada doméstica e os problemas sociais enfrentados pelo país (Fotos: Netflix/Divulgação)

Jean Piter


O nome do filme é Roma. E não, não é sobre a capital italiana. É sobre a vida de uma empregada doméstica e babá chamada Cleo (Yalitza Aparicio). Ela trabalha para uma família de classe média alta, em Cidade do México (capital mexicana), no bairro chamado Roma. A história se passa nos anos 1970. O longa tem sido muito elogiado pelos críticos e amantes do cinema.

Mas o que Roma traz de tão diferente? Cleo não é uma mulher da periferia que vai conhecer um homem rico e se casar com ele no fim, como a gente vê em muitas comédias românticas americanas. A história dela está muito longe de ser um conto de fadas. Em alguns momentos, temos a impressão de que se trata de um documentário sobre o dia a dia de uma empregada doméstica.

Cleo vive em quartinho pequeno na casa dos patrões. Se é que isso pode ser chamado vida. Trabalha muito, o tempo todo, cuidado da casa e das crianças. Ela está presente o tempo todo, sempre ocupada e, ainda sim, parece invisível. Quase não fala. E os silêncios do filme dizem muito. Filme que por sinal é todo em preto e branco.

A história vai se desenrolando em problemas cotidianos, daqueles que acontecem nas melhores famílias. As crianças, os patrões, e Cleo. Cada um com suas dores, suas angústias... Realidades tão diferentes dentro da mesma casa. Todos tentando seguir a vida normalmente, enquanto o país também passa por problemas políticos e sociais. É um filme focado em Cleo, mas que diz muito sobre um período da história do México.

É um filme provocante, que prende a atenção e faz pensar. Cheio de metáforas, nostálgico e poético, feito pra refletir, do tipo que fica gravado na memória. Tem encanto e beleza. É digno de muitos aplausos e elogios.

Produção
"Roma" é uma autobiografia do diretor mexicano Alfonso Cuarón. É dele o roteiro, a produção, direção, fotografia e montagem.

Premiações
* O longa ganhou o Leão de Ouro de Melhor Filme no Festival de Cinema de Veneza. No #GlobodeOuro2019 faturou as estatuetas de Melhor Diretor de Filme para Alfonso Cuarón e Melhor Filme em Língua Estrangeira, mesmos prêmios conquistados no #Critics'ChoiceAwards2019, além de Melhor Filme e Melhor Fotografia.

*O filme mexicano, produzido pela Netflix, é o primeiro na plataforma streaming a disputar o #Oscar2019.

* "Roma" e "A Favorita" são os filmes que mais receberam indicações para o #Oscar2019: são dez pra cada, incluindo melhor filme, diretor, e atriz.


Ficha Técnica
Diretor: Alfonso Cuarón
Produção: Netflix
Distribuição: Netflix
Duração: 2h15
Países: México / EUA
Gênero: Drama
Classificação: 14 anos

Tags: #Roma, #AlfonsoCuaron, #Yalitza Aparicio, #drama, @Netflix, #streaming, #Oscar2019, @cinemanoescurinho

"Pantera Negra" sai vencedor no SAG Awards e ganha força na disputa do Oscar


Maristela Bretas


O filme "Pantera Negra" e a série de TV "The Marvelous Mrs. Maisel" foram os maiores premiados da 25ª edição do Screen Actors Guild Awards 2019 (SAG Awards). O primeiro recebeu as estatuetas de Melhor Elenco e Melhor Elenco de Dublês em Filme. Já a série, que era uma das mais cotadas, arrematou três prêmios Melhores Ator e Atriz em Série de Comédia e Melhor Elenco de Série de Comédia. O SAG Awards, premiação entregue pelo Sindicato de Atores e Federação Americana de Artistas de Rádio e Televisão (SAG-AFTRA), foi realizado na noite desse domingo em Los Angeles.


Repetindo o que ocorreu no Globo de Ouro e no Critic's Choice Awards, Glenn Close foi escolhida Melhor Atriz de Drama e Mahershala Ali como Melhor Ator Coadjuvante em Cinema. Já em Televisão, Sandra Oh arrematou mais uma estatueta como Melhor Atriz em Série de Drama, assim como Darren Criss, como Melhor Ator em Minissérie ou Filme para a TV e Patricia Arquette como Melhor Atriz em Minissérie ou Filme para a TV. 


O prêmio de Reconhecimento de Carreira foi entregue por Tom Hanks ao ator Alan Alda, de 82 anos, vencedor seis vezes dos prêmios Emmy e do Globo de Ouro, que foi aplaudido de pé pela plateia. Em julho do ano passado ele revelou que sofria do Mal de Parkinson desde 2015. Ele se popularizou pela participação no seriado M*A*S*H* nos anos de 1970, integrou o elenco as duas primeiras temporadas da série "The Blacklist" e foi indicado ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante em 2004 pelo filme "O Aviador".

Confira abaixo a lista dos vencedores: 

CINEMA


Melhor Elenco - "Pantera Negra"

Melhor Ator - Rami Malek ("Bohemian Rhapsody") >>>>>>>>>>>>>>>>>>>>

Melhor Atriz - Glenn Close ("A Esposa")

Melhor Ator Coadjuvante - Mahershala Ali ("Green Book - O Guia")

<<<<<<<< Melhor Atriz Coadjuvante - Emily Blunt ("Um Lugar Silencioso")

Melhor Elenco de Dublês em Filme - "Pantera Negra"


TELEVISÃO

Melhor Ator em Minissérie ou Filme para a TV - Darren Criss ("The Assassination of Gianni Versace: American Crime Story")


Melhor Atriz em Minissérie ou Filme para a TV - Patricia Arquette ("Escape at Dannemora") >>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>

Melhor Ator em Série de Drama - Jason Bateman ("Ozark")

Melhor Atriz em Série de Drama - Sandra Oh ("Killing Eve")

Melhor Ator em Série de Comédia - Tony Shalhoub ("The Marvelous Mrs. Maisel")

<<<<<<<<<< Melhor Atriz em Série de Comédia - Rachel Brosnahan ("The Marvelous Mrs. Maisel")

Melhor Elenco em Série de Drama - "This Is Us"

Melhor Elenco de Série de Comédia - "The Marvelous Mrs. Maisel"

Melhor Elenco de Dublês em Série de Comédia ou Drama - "Glow"

Prêmio de Reconhecimento de Carreira - Alan Alda

Tags: #SAGAwards, @TNTBrasil, #PanteraNegra, #WakandaForever, #TheMarvelousMrsMaisel, #drama, #comedia, #filme, #televisão, #minisserie, @cinemanoescurinho

26 janeiro 2019

Em "Shade - Entre Bruxas e Heróis", amizade e imaginação andam juntas

Produção sérvia aborda os medos e as inseguranças de dois amigos pré-adolescentes (Fotos: Divulgação)

Maristela Bretas


"Shade - Entre Bruxas e Heróis" ("Ziogonje") é a história de um garoto de dez anos com paralisia cerebral parcial que sofre com a incapacidade da doença e uma menina da mesma idade vivendo o drama da separação dos pais. O que os une? O bullying que ambos sofrem na escola por serem diferentes. Nasce daí uma grande amizade, sincera e de respeito, que tem momentos alegres e também sofridos.

Jovan (Mihajlo Milavic) é um garoto tímido, sem amigos, que tenta se manter afastado dos colegas de escola, mas sofre o tempo todo com seus ataques. Para se defender, criou um mundo imaginário, onde ele é o super-herói Shade, que tudo pode e surge para defender os mais fracos. Ao conhecer Milica (Silma Mahmuti), a primeira reação é de se afastar daquela menina durona, que veio de outra cidade e também sofre com o bullying.

Vítimas do mesmo problema, acabam se unindo e formando uma bela amizade que vai ajudá-los a superar seus problemas: Jovan não quer ser tão dependente dos pais superprotetores (em especial, a mãe). Milica não aceita o fato de o pai ter uma nova namorada, que ela acha se tratar ser uma bruxa que o enfeitiçou. Cada um com seu medo e ilusão vai precisar do outro para vencer suas barreiras e amadurecer para seguirem suas vidas.

O filme é um pouco confuso, peca nos efeitos visuais e tem alguns pontos que não seriam recomendados mesmo para um público juvenil, como a maneira encontrada por Jovan para se livrar da namorada-bruxa do pai de Milica. Nada a ver para um filme cuja proposta é explorar o lado fantasia da história e não incentivar a violência. Também o final pode espantar algumas mães brasileiras, mais superprotetoras com os filhos nessa idade.

Há também várias situações machistas, mas que não tiram a simplicidade da imaginação dos dois jovens, que acham que podem resolver tudo com um super-herói lutando contra uma "bruxa" malvada. "Shade - Entre Bruxas e Heróis" reúne planos mirabolantes, missões impossíveis e boa dose de cumplicidade infantil. Dirigido por Rasko Miljkovic, o filme passou por mais de 20 festivais pelo mundo, conquistando os prêmios do júri popular no Festival Internacional de Toronto (Tiff Kids) e de melhor filme na Mostra Geração do Festival do Rio deste ano.


Ficha técnica:
Direção: Rasko Miljkovic
Produção: Pluto Filmes
Distribuição: Cineart Films
Duração: 1h30
Gêneros: Drama / Família / Fantasia
Países: Sérvia e Macedônia
Classificação: 12 anos

Tags: #ShadeEntreBruxasEHerois, @CineartFilmes, #aventura, #fantasia, @cineart_cinemas, @cinemanoescurinho

25 janeiro 2019

"Green Book: O Guia" inverte os papéis para expor o racismo e a hipocrisia

Mahershala Ali é o pianista Don Shirley que contrata Tony Lip (Viggo Mortensen) para ser seu motorista e segurança durante uma turnê  (Fotos: Diamond Films/Divulgação)

Maristela Bretas


Uma jornada de conhecimento, mudança de conceitos e exposição aos preconceitos diários que mudaram pouco nos últimos 60 anos. Assim é "Green Book: O Guia", do diretor Peter Farrelly, que está como um dos favoritos ao Oscar de Melhor Filme, além de já ter conquistado várias premiações. Com bela fotografia, a produção segue o estilo road movie, cortando os Estados Unidos de Norte a Sul de carro e expondo o comportamento e o preconceito racial dos moradores de cada localidade por onde passa.

As mudanças são claras a cada quilômetro percorrido e valem principalmente para os personagens principais - Tony Lip (Viggo Mortensen) e Dr. Don Shirley (Mahershala Ali). O primeiro, apesar do jeito grosseirão, é um bom marido, ótimo pai, que prefere se manter afastado dos negócios escusos de amigos e familiares italianos da periferia, mas que precisa se virar para sustentar a família após perder o emprego em um cassino. 

O segundo é um homem solitário, que vive enclausurado num apartamento luxuoso em Nova York, dividido entre ser aceito pelos brancos para quem se apresenta e sem conseguir se encaixar entre os negros como ele, que na maioria das vezes são menosprezados pelos brancos. Eles terão de conviver e dividir espaços por dois meses, o que irá forçá-los a expor suas virtudes e fraquezas. A proposta deste drama, baseado na história real da amizade dos dois, é fazer pensar e levar as pessoas a reavaliarem seus conceitos de cor, raça e descendência.

Se para a dupla principal a convivência se torna um aprendizado para ambos, explorar a questão da cor em sociedades diferentes se torna algo mais difícil. Especialmente nos estados sulistas norte-americanos, onde o negro é tratado quase como escravo e mesmo no caso de Shirley, serve apenas como um entretenimento dos brancos, mas não pode usar o banheiro de uma casa ou jantar entre os brancos. Causa repulsa tais atitudes e dificilmente o público sairá indiferente às situações mostradas. Um claro exemplo está no nome do guia rodoviário entregue a Tony Lip pelo agente musical de Shirley antes da viagem: Green Book é um livro que indica quais os hotéis do sul do país que aceitavam negros como hóspedes.

Em algumas premiações,  “Green Book – O Guia” foi colocado na categoria de comédia, mas poucos são os momentos engraçados. Os diálogos, os apertos e as situações vividas pelos protagonistas se mostram muito atuais apesar de ter se passado nos anos de 1960. Tony percebe no decorrer da viagem que o preconceito a Shirley se estende também aos imigrantes como ele. Não se trata só da cor da pele, mas de raça e cultura (ou falta dela).

“Green Book – O Guia” é inspirado na emocionante história de dois homens antagônicos, cada um com seu preconceito e postura arrogante. De um lado, Tony Lip, contratado como segurança e motorista do famoso músico Dr. Don Shirley. Durante os dois meses da turnê do músico pelo sul dos Estados Unidos, eles devem seguir "O Guia" que indica os locais de hospedagem seguros para negros na região. À medida que a dupla vai descendo, cresce o racismo e as situações de humilhação, enfrentadas por Shirley, que passam a desagradar Tony. A união destes dois provocará uma profunda mudança em suas vidas.

A biografia tem também outro detalhe interessante. O roteiro foi escrito pelo diretor Peter Farrelly e Nick Vallelonga, filho de Tony Lip, que conhecia bem a história dos dois amigos que durou anos. Vale também lembrar que “Green Book – O Guia”  tem uma bela trilha sonora composta por Kristopher Bowers, principalmente nas apresentações ao piano de Shirley.

A produção recebeu cinco indicações para o Oscar 2019, todas merecidas, principalmente as de Melhor Filme, Melhor Ator (Viggo Mortensen) e Melhor Ator Coadjuvante (Mahershala Ali), cujas atuações estão excelentes e ambos deveriam estar disputando em igualdade o prêmio de Melhor Ator. O filme também foi indicado às estatuetas de Melhor Roteiro Original e Melhor Edição. 

"Green Book: O Guia" já conquistou três Globo de Ouro nesse ano: Melhor Filme Comédia ou Musical, Melhor Roteiro (Peter Farrelly, Nick Vallelonga e Brian Currie) e Melhor Ator Coadjuvante (Mahershala Ali, que levou o mesmo prêmio também no Critic's Choice Awards). Em 2018, o longa foi vencedor do Festival de Cinema de Toronto. Uma avaliação: simplesmente imperdível.


Ficha técnica:
Direção e roteiro: Peter Farrelly
Produção: Dreamworks Pictures / Participant Media / Wessler Entertaiment
Distribuição: Diamond Films Brasil
Duração: 2h10
Gêneros: Drama / Biografia
País: EUA
Classificação: 12 anos
Nota: 4 (0 a 5)

Tags: #GreenBookOGuia, #ViggoMortensen, #MahershalaAli, #drama, #biografia, #DonShirley, #racismo, #historiareal, @DiamondFilms, @cinemanoescurinho


24 janeiro 2019

"Creed II" conclui franquia com drama comovente de revanches e superação

Drama traz de volta conhecidos personagens e antigas pendências que precisam ser resolvidas (Fotos: Warner Bros. Pictures/Divulgação)

Maristela Bretas


Uma volta ao passado para se encontrar no presente. Esse é o foco principal de "Creed II", que relembra situações de 1985, do filme "Rocky 4" para explicar e vencer os dramas de seus personagens. Michael B. Jordan está ainda melhor como Adonis Creed, o excelente boxeador que tenta descobrir seu real objetivo de lutar e ainda conciliar com a vida pessoal. Sylvester Stallone, novamente no papel de Rocky Balboa aposentado, se mostra mais maduro na condução do roteiro e entrega uma produção sensível (apesar das lutas marcadas por violência e ódio), que conclui muito bem a franquia.

Depois de "Creed - Nascido Para Lutar" (2015) quando o boxeador Adonis Creed (Michael B. Jordan) foi apresentado ao público treinado por Balboa, muita coisa mudou na vida do jovem. A dupla segue ganhando disputas, mas é assombrada por pendências do passado que precisam ser concluídas para que ambos possam seguir suas vidas. Esta parte das memórias é muito bem trabalhada pelo diretor Steven Caple Jr., que soube explorar o drama pessoal não só dos dois protagonistas mas também de todos a seu redor, inclusive de velhos inimigos.

Adonis não sabe o real motivo para subir ao ringue - se é por ele ou para superar o pai, Apollo (Carl Weathers), morto durante uma luta em "Rocky 4". Ele deseja tomar as rédeas de seu destino, definindo sua relação com a namorada Bianca (Tessa Thompson) e a mãe, Mary (Phylicia Rashad). Já Balboa leva uma vida pacata de treinador que superou um câncer em "Creed - Nascido Para Lutar", mas que precisa retomar os laços familiares perdidos desde a morte da mulher. Será o desejo de vingança de um velho inimigo que fará a dupla repensar seus destinos. 

E é Dolph Lundgren, que sobe ao ringue no papel do clássico vilão russo Ivan Drago, agora treinador do filho Viktor (o boxeador romeno e ator estreante Florian Munteanu). Após cair em desgraça por ter perdido a luta para Rocky no filme de 1985, traçou como único objetivo fazer uma revanche quase fatal de seu filho contra o pupilo de Balboa. Assim, conseguirá recuperar o respeito de seu país e o da ex-mulher, Ludmilla, interpretada novamente por Brigitte Nielsen, outra integrante de "Rocky 4". 


Na história, Adonis Creed (Michael B. Jordan) segue forte sua carreira conquista o título mundial dos Pesos Pesados tendo Balboa como treinador. Mas não consegue afastar a ideia de ser apenas uma sombra do pai, Apollo (Carl Weathers) e de sua violenta morte após uma luta em 1985 (filme "Rocky 4") contra Ivan Drago. Para recordar duramente o passado, seu próximo adversário será o implacável Viktor, filho de Ivan e treinado por ele para vencer e massacrar Adonis, numa revanche pessoal contra Balboa. É o passado voltando para assombrar os jovens lutadores que vivem sentimentos de fúria, submissão, insegurança e necessidade de superação.

"Creed II" é nostálgico em vários momentos ao retomar antigos personagens e relembrar conhecidas e marcantes locações e situações de filmes passados da franquia, como a escadaria que Rocky subiu durante seu treinamento na Rússia para a grande luta contra Drago. E claro, não poderia ficar de fora, o clássico tema de "Rocky", tocado num momento crucial do longa. Coisa de fazer arrepiar. 

A trilha sonora é de Ludwig Göransson, responsável também por "Creed: Nascido Para Lutar", e que concorre ao Oscar 2019 com "Pantera Negra". Ele tem também em seu currículo sucessos recentes como "Desejo de Matar" e "Venom", ambos de 2018, e "Tudo e Todas as Coisas" (2015). 

Com ótima fotografia, bom roteiro, interpretações bem conduzidas pelo elenco, especialmente a de Michael B. Jordan, "Creed II" encerra muito bem o ciclo do personagem Rocky Balboa, iniciado há 33 anos, que teve seus altos e baixo, mas foi muito bem retomado há três anos.



Ficha técnica:
Direção: Steven Caple Jr.
Produção: Warner Bros. Pictures / MGM Studios / New Line Cinema
Distribuição: Warner Bros. Pictures
Duração: 2h10
Gêneros: Drama / Ação
País: EUA
Classificação: 12 anos
Nota: 4,5 (0 a 5)

Tags: #CreedII, #CreedNascidoParaLutar, @MichaelBJordan, @SylvesterStallone, @DolphLundgren, @wbpictures_br #EspaçoZ, @cineart_cinemas, @cinemanoescurinho

22 janeiro 2019

Disputa de egos e relacionamentos perversos são a essência de "A Favorita

A história é baseada na era da Rainha Anne, governante responsável pela unificação da Escócia e Inglaterra (Fotos: 20th Century Fox/Divulgação)

Carolina Cassese


Apresentando a potência do trio Olivia Colman, Emma Stone e Rachel Weisz, o filme "A Favorita" chega aos cinemas nesta quinta-feira. Junto com "Roma" (Alfonso Cuarón), a produção lidera o número de indicações ao Oscar, com dez nomeações. Dirigido pelo grego Yórgos Lánthimos, conhecido por assinar longas perturbadores como "Dente Canino" (2009) e "O Lagosta" (2015), a trama é centrada na disputa de Lady Sarah Churchill, a Duquesa de Malborough (Weisz) e Abigail (Stone) para o posto de confidente da Rainha da Inglaterra. 

As duas personagens são ambíguas: do começo do filme, Sarah parece ser uma figura detestável, ao passo que Abgail aparenta inocência. A de Stone já foi uma dama da sociedade, mas sua família entra em decadência e ela precisa assumir um cargo de serviçal no castelo para se sustentar. No decorrer do longa, ambas são humanizadas - e mostram uma faceta consideravelmente manipuladora.

Enquanto Anne é incerta em relação às suas decisões como governante, Lady Sarah tem opiniões fortes e está sempre disposta a persuadir a Rainha. Extremista, ela prefere adotar estratégias de combate e constantemente entra em conflito com defensores de ações pacifistas. Abgail entra no jogo de maneira mais sutil e, comendo pelas beiradas, acaba conseguindo espaço no palácio.

A história é baseada na era da Rainha Anne (1702-1714), que assumiu o poder logo depois de sua irmã Mary. A governante foi responsável pela unificação da Escócia e Inglaterra, além de ter desenvolvido o sistema bipartidário, até hoje vigente na Grã-Bretanha. Anne era conhecida ainda por seu temperamento instável. A interpretação de Colman entrega, com maestria, uma rainha densa e complicada. Stone e Weisz também brilham e apresentam uma química incrível em cena.

A direção de Lánthimos não deixa a desejar. São utilizadas câmeras com lentes grandes angulares, que auxiliam na percepção da grandeza de diversos espaços do palácio. Destaque ainda para os exacerbados figurinos, as maquiagens excêntricas e a impecável direção de fotografia. 

Apesar de retratar o século XVIII, o longa apresenta temas atemporais, como relacionamentos abusivos e brigas de egos. As disputas, dentro e fora do castelo, são intermináveis. Também não há espaço para maniqueísmos: o bem o mal se entrelaçam e se confundem o tempo inteiro.

Mesmo não tratando especificamente de questões relativas ao machismo, "A Favorita" é inegavelmente um filme empoderador, já que as mulheres dominam a tela. Com esse trio de peso em cena, a presença de figuras masculinas, francamente, mal faz falta.
Duração: 2 horas
Classificação: 14 anos
Distribuição: Fox Film do Brasil


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