Documentário em quatro episódios conta a vida de um dos maiores contraventores do país (Fotos: Globoplay/Reprodução)
Mirtes Helena Scalioni
Personagens absurdos, incoerentes e paradoxais costumam
encantar leitores e espectadores da ficção. E quando essas figuras saltam dos
livros e das telas para o mundo real, aí sim é que fascinam e instigam. É o
caso do bicheiro Castor de Andrade, cujas vida e obra são contadas com maestria
no documentário “Doutor Castor”, em cartaz no Globoplay. Em quatro episódios
bem amarrados, imagens inéditas e uma variedade grande de depoimentos, a
minissérie prende e fisga o público.
Nascido em 1926, o carioca Castor Gonçalves de Andrade e
Silva se estabeleceu e fez sua vida, digamos, profissional, em Bangu, subúrbio
do Rio de Janeiro. Simpático, carismático e sedutor, era capaz de gestos
extremos de generosidade e crueldade num mesmo dia sem perder o sorriso.
Afinal, tinha nas mãos o poder de comando das duas maiores paixões do Brasil: o
futebol e o Carnaval.
Bicheiro assumido, Castor presidiu praticamente a vida toda
o Bangu Atlético Clube, que viveu sua fase áurea nas décadas de 1960 a 1985,
ano que conquistou o vice-campeonato brasileiro, além de comandar a Mocidade
Independente de Padre Miguel, escola que foi cinco vezes campeã do Carnaval.
Tendo essas duas funções como vitrine, ele circulou pelo high society carioca,
frequentou a mesa de políticos influentes e fez muitos amigos na imprensa, na
polícia e na Justiça. Ou seja: sua vida está intimamente ligada à história do
Rio de Janeiro, com suas estranhas relações de poder que ligam a bandidagem à
oficialidade.
O que mais confere autenticidade ao documentário dirigido
por Marco Antônio Araújo e Rodrigo Araújo são os depoimentos, variados e
editados de forma inteligente e equilibrada. Historiadores, pesquisadores, ex-jogadores,
amigos e jornalistas contam histórias curiosas, edificantes, inacreditáveis e
escabrosas do bicheiro.
Chamam atenção as falas de um ex-juiz de futebol, que
confessa ter recebido propina para beneficiar o time do Bangu; de Boni, ex-todo
poderoso da Globo, que despista como pode sua relação de amizade com Castor; e
de Michel Assef, ex-advogado do contraventor, que tenta justificar seus crimes.
Sem falar na entrevista que ele, como um pop star, concedeu a um então poderoso
Jô Soares.
Capítulo à parte entre os depoimentos são as declarações
mais do que contundentes da juíza Denise Frossard, responsável por um dos
processos e uma das prisões de Castor de Andrade, marcando, talvez, o início da
derrocada do império do maior bicheiro do Brasil.
Ao desnudar as relações da
contravenção com o poder, revelando o talento e senso de oportunidade do nosso
“capo di tutti i capi”, “Doutor Castor” coloca o Brasil no rol dos países que,
além de tratar bem, compactuam e acobertam seus mafiosos, com sua violência,
bizarrices e malas sempre repletas de dinheiro.
Ficha técnica:
Direção: Marco Antônio Araújo Exibição: Globoplay Duração: Série de 4 episódios (média de 60 minutos) País: Brasil Gêneros: Documentário / Série
Produção passa a maior parte do tempo numa floresta escura,
habitada por uma entidade maligna (Fotos: Divulgação)
Maristela Bretas
Muito escuro. A ponto de deixar o público incomodado, pois
tira o impacto das cenas de terror a que se propõe, mas deixa muito a desejar.
Este é "A Viúva das Sombras" ("Vdova"), produção russa que
estreou nessa quinta-feira (25) nos cinemas Cinemark BH Shopping, Cinépolis
Estação BH e Grupo Cine/Sete Lagoas, em versões dublada e legendada. Para
ajudar a espantar o público do cinema, o roteiro é ruim, os atores e os
diálogos são fracos e sem impacto algum, principalmente pelo gênero escolhido.
O filme é inspirado em eventos reais, com a narrativa
começando com depoimentos de moradores de um vilarejo perto de São Petesburgo,
onde crimes sem solução ocorrem há 30 anos. A partir daí, passa para uma equipe
de voluntários que trabalha nas florestas próximas a procura de pessoas
perdidas. Desta vez, o grupo está acompanhado de uma cinegrafista que está
registrando os trabalhos de resgate.
Os cinco integrantes são convocados para ajudarem nas buscas
a um garoto na floresta, em meio a pântanos profundos, estradas ruins e com
deslizamentos de terra exigindo desvios. No passado, várias pessoas foram
encontradas mortas e nuas nesta mesma floresta. Mas o grupo acaba descobrindo
mais do que esperava e enfrentando uma entidade maligna que seria a responsável
pelas mortes.
A sequência de cenas entre a entrada na mata e o final é uma
lição de como fazer um roteiro fraco e totalmente previsível. Daqueles que dá
vontade de sair da sala de cinema ou desligar a TV já nos primeiros 15 minutos.
Para agravar a situação, são muitas imagens com pouquíssima luz, o que impede
de acompanhar o desfecho de algumas cenas, principalmente as que a tal viúva
que habita no pântano ataca as vítimas.
Não é um filme para ser assistido em tela de smartphone,
notebook ou televisão (fica o alerta para quando for para o streaming). As
cenas escuras na floresta à noite são quebradas são quebradas apenas quando
alguém liga uma lanterna ou acende a fogueira.
Para completar, as atuações deixam a desejar, com nomes
desconhecidos de pessoas que não têm qualquer conexão. Como se colocassem
vários atores num set, cada um com seu texto para decorar e fazendo filmes
independentes, sem ligação um com o outro. Difícil encontrar um ponto que ajude
a salvar "A Viúva das Sombras" de ser, até o momento, o pior
lançamento de terror deste ano. No mesmo nível de qualidade de "A
Noiva" (2017), outra produção russa ruim demais.
Ficha técnica:
Direção: Ivan Minin Distribuição: Paris Filmes Duração: 1h54 Pais: Rússia Gênero: Terror Classificação: 16 anos Nota 1,5 (0 a 5)
Reda Kateb e Vincent Cassel são responsáveis por duas
organizações sem fins lucrativos que cuidam de jovens autistas (Fotos: Carole
Bethuel/California Filmes)
Jean Piter Miranda
É bem possível que hoje em dia todo mundo conheça ao menos
uma pessoa autista. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), uma em cada
160 crianças tem transtorno do espectro autista (TEA). Mas, talvez, poucas
pessoas saibam que os autistas não são todos iguais. Eles podem apresentar
dificuldades de comunicação e de socialização, em maior ou menor grau, entre
outras características. Muitos filmes já abordaram esse tema. E o mais novo que
chega nesta quinta-feira (25) aos cinemas é o francês “Mais que Especiais”
("Hors Normes").
O filme conta a história de Bruno (Vincent Cassel) e Malik
(Reda Kateb). Eles são responsáveis por duas organizações sem fins lucrativos
que cuidam de jovens autistas que foram recusados por outras instituições, por
terem comportamento extremamente agressivo. A obra é baseada em uma história
real, passada na França, que mostra o belo trabalho social desenvolvido pela
dupla e todas as dificuldades que eles enfrentam.
Bruno e Malik lidam diretamente com os jovens autistas de
forma afetiva, mostrando que entendem o que estão fazendo. Ao mesmo tempo, eles
têm que fazer de tudo um pouco: cuidar da parte administrativa, pagar
funcionários, correr atrás de dinheiro, treinar cuidadores, lidar com a
burocracia do governo, entre outras coisas. Sem contar que, pra agravar ainda
mais a situação, os autistas que eles cuidam são de famílias carentes. É drama
em cima de drama.
Ao longo do filme, vemos a luta de Bruno e Malik para dar
qualidade de vida aos autistas que eles cuidam. Eles tentam de tudo para
socializar os jovens, com tratamento bem humanizado. O que contrasta com a
terapia oferecida pelas instituições tradicionais, baseada em isolamento e
medicamentos sedativos. E nisso vemos também a principal preocupação dos pais:
“O que vai ser do meu filho quando eu morrer? Quem vai cuidar dele?”.
"Mais que Especiais" é bem dramático. Tem cenas
fortes, que mostram os jovens tendo crises, de Bruno e Malik rodando a cidade,
correndo a procura de autistas que ficaram perdidos pelas ruas. Além da fiscalização
dos órgãos do governo, que cobram muito e praticamente não oferecem ajuda. É um
filme que traz um olhar bem diferente sobre o autismo, como talvez nunca tenha
sido mostrado.
Vincent Cassel está maravilhoso, como sempre. E isso conta
muito. O filme é dos diretores Olivier Nakache e Éric Toledano, os mesmo que
fizeram “Intocáveis” (2011). "Mais que Especiais" propõe muitas
reflexões. Apresenta uma realidade da França, mas que certamente tem muitas
semelhanças com o que é vivido em várias partes do mundo. Não é uma história de
superação, nem bonitinha. É uma história de dores, de renúncia e,
principalmente, de amor a uma causa. É uma obra necessária que merece ser
vista.
Ficha técnica: Direção: Olivier Nakache e Éric Toledano Distribuição: Califórnia Filmes Exibição: Nos cinemas Duração: 1h54 País: França Gênero: Comédia Nota: 3,5 (de 0 a 5)
Ralph Fiennes e Carey Mullingan se unem para mostrar a
versão real de uma grande descoberta histórica (Fotos: Larry Horricks /
Netflix)
Maristela Bretas
Com a Segunda Guerra Mundial prestes a começar, uma viúva
inglesa rica contrata um escavador para descobrir se há um tesouro arqueológico
enterrado sob suas terras. Esta é a história de "A Escavação"
("The Dig"), um dos lançamentos da Netflix que tem em seu elenco
principal Carey Mullingan, Ralph Fiennes e Lily James. A descoberta é a de
Sutton Hoo, ocorrida em 1938, creditada a seu verdadeiro descobridor muitos
anos depois.
Inspirada em fatos reais e que deu origem ao livro de mesmo
nome escrito por John Preston, o filme conta como foi o trabalho do escavador
Basil Brown (Fiennes) e um pequeno grupo, contratado pela viúva Edith Pretty
(Mulligan) até a descoberta de uma embarcação anglo-saxônica. Com 1.400 anos de
idade e medindo 27,4 metros de comprimento, o barco continha grande quantidade
de ouro e uma câmara mortuária de inestimável valor histórico para o Reino
Unido.
O interior da Inglaterra foi escolhido para as belas
locações, apesar de prevalecerem os tons pastéis e acinzentados, inclusive nos
figurinos, reforçados pela chuva e frio. A opção de filmar Basil Brown
circulando de bicicleta por estradas e pelos campos permite ao espectador
apreciar as paisagens.
Um drama típico de guerra, apesar de a mesma ainda não ter
começado. Tudo gira em torno dela, da escavação que precisa ser apressada antes
que a área seja atingida por bombardeios alemães, aos relacionamentos ocultos e
vidas perdidas. A todo o momento, aviões britânicos de combate sobrevoam a área
lembrando que falta pouco. Assim como as notícias nos bares e as conversas nos
eventos.
Montagem sobre cenas do filme e as escavações de 1938
Destaque para Ralph Fiennes interpretando um profissional
especialista em escavações arqueológicas, mas menosprezado por aqueles que
possuem uma formação acadêmica sem nunca terem colocado a mão na massa. Para
ele, a descoberta da embarcação histórica representa o reconhecimento de uma
vida voltada para a arqueologia, que ele nunca estudou, mas tem conhecimento e
experiência maiores que muitos graduados.
Carey Mullingan entrega uma Edith Pretty sofrida e convence
como boa mãe e viúva que quer completar a vontade do marido morto, fazendo da
descoberta uma parte também de seu legado. Outra que deixa sua marca é Lily
James, como Peggy Preston, apesar de parecer que está sempre interpretando o
papel de coitadinha.
No elenco estão ainda Johnny Flynn (Rori Lomax), como o
fotógrafo da equipe; Ben Chaplin (Stuart Piggott), marido de Peggy Preston; Ken
Stott (Charles Phillips), o arrogante arqueólogo; e Monica Dolan (May Brown), a
compreensiva e dedicada esposa de Basil Brown.
Apesar de um final previsível, o diretor Simon Stone
conseguiu dar um toque a mais de emoção ao drama ao mostrar quem foi o
verdadeiro descobridor da relíquia e que a história não mencionava. "A
Escavação" merece ser conferido pelas interpretações, especialmente da
dupla principal, e a bela e poética fotografia de Mike Eley que dá sustentação
ao enredo da trama.
Ficha técnica: Direção: Simon Stone Duração: 1h52 Exibição: Netflix Classificação: 14 anos País: Reino Unido Gêneros: Drama /Histórico Nota: 4 (0 a 5)
Filme foca na trajetória de um imigrante ganês que busca um futuro com
dignidade no continente europeu (Fotos: Frederic Batier
Sommerhaus/Filmproduktion)
Wallace Graciano
Se você chegou a esta crítica pelo Google procurando pelo termo "Berlin Alexanderplatz" no buscador, deve ter estranhado que as primeiras respostas não retratavam a película alemã lançada em 2020 (e que entra em cartaz nos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (18), mas, sim, ao livro de quase um século atrás.
E sim, o filme no qual vamos comentar hoje é baseado no clássico romance homônimo de Alfred Döblin. Porém, agora, a estrutura de outrora é condensada em uma narrativa contemporânea, que traz o drama e as facetas que envolvem a trajetória de um imigrante neste Século XXI.
A película nos apresenta Francis (Welket Bungué), um imigrante ganês que foi resgatado em meio ao drama que envolve quem tenta sair de um país assolado por conflitos sociais e desigualdade em busca de um futuro minimamente digno. Ainda refém de suas lembranças do passado, ele chega à Alemanha sem documentos, prometendo aos céus que será um homem leal e em busca de um caminho honrado.
Como boa parte de seus pares, ele trabalha ilegalmente em uma metalúrgica de Berlim, onde descobre que suas promessas e juras aos deuses dificilmente serão cumpridas, já que passa por diversas provações e dificuldades para ter o mínimo de possibilidade de ascender à dignidade buscada.
Em uma delas, especificamente, é traído pelos seus companheiros de trabalho (também ilegais) ao tentar salvar um deles de um destino trágico. Abandonado à própria sorte, opta por aceitar o convite de um traficante, Reinhold (Albrecht Schuch), que dias antes tinha ido ao alojamento onde estavam baseados para convidá-los para o submundo do crime.
É neste momento que a vida de Francis tem uma reviravolta. De promessas quebradas a um novo nome (é rebatizado por Reinhold), o protagonista passa a encarar sua pessoalidade. A partir desse momento, o drama e a catarse passam a coexistir em uma racionalidade objetiva de um cenário que enuncia a tragédia contemporânea.
Tudo, claro, por meio de um roteiro consistente, que evita que as quase três horas de filme fiquem morosas. Parte disso deve-se à excelente atuação de Schuch, que parece caricata a quem vê de primeira, mas se entrega a um personagem intimidador e sedutor em várias camadas. A ele soma-se a estética do brilho da noite contemporânea das grandes metrópoles, contrastada com o bucolismo do dia durante o inverno/outono europeu, em sua maioria através de planos longos.
O autor deste relato não leu a obra original, mas sentiu durante as três horas de "Berlin Alexanderplatz" um filme impactante, que intimida ao te trazer para a tragédia anunciada da vida de milhões de imigrantes em meio ao cenário caótico do abandono aos apátridas.
Ficha técnica: Direção: Burhan Qurbani Roteiro: Burhan Qurbani, Martin Behnke Duração: 1h23 Distribuição: A2 Filmes Países: Alemanha / Holanda Classificação: 16 anos Gênero: Drama
Josefina Ramirez faz uma atuação com dignidade e talento a
protagonista (Fotos: Vitrine Filmes/Divulgação)
Mirtes Helena Scalioni
Qualquer pessoa minimamente interessada em cinema fica
imediatamente curiosa ou interessada ao ler a sinopse de "Nona: Se Me Molham,
Eu Os Queimo" (“Nona, si me mojan, los quemo”), filme chileno em
coprodução com Brasil, França e Coreia do Sul. Ou seja: não se trata de uma
empreitada qualquer. A estreia está prevista para quinta-feira (18) nos
cinemas.
“Aos 66 anos, Nona decide finalmente se vingar de seu
ex-amante e comete um atentado que a obriga a fugir para que não seja presa.
Depois de se estabelecer em uma cidade costeira do Chile, um incêndio de
grandes proporções obriga seus vizinhos a deixarem suas casas, mas estranhamente
sua moradia é a única a não ser afetada”.
Mas, verdade seja dita: “Nona...” não é um filme fácil de
ver. Arrastado, arrastadíssimo, parece, a princípio, um filme caseiro. Na
verdade é, pelo menos em parte. A diretora, Camila José Donoso, que também
assina o roteiro, mistura ficção com vídeos domésticos de sua avó real, Nona,
mulher misteriosa e guerreira que militou na resistência da ditadura de Augusto
Pinochet.
Acontece que esses filmetes são talvez utilizados em
excesso, em várias situações, e sempre por longos períodos de tempo. Outro
detalhe: cenas que poderiam ser facilmente resolvidas com começo e fim se
alongam infinitamente no miolo, no processo, sem nenhuma necessidade. Além de
distrair, desconcentra o espectador. Cansa.
O que salva no longa chileno é a atuação de Josefina
Ramirez, que faz com dignidade e talento a protagonista Nona, de quem o
espectador fica sabendo pouquíssimas coisas: que gosta de dançar, que costuma
mentir, que é meio dissimulada, quase bipolar. E que aprendeu, na ditadura, a
fabricar artesanalmente e com certa destreza, coquetéis molotov capazes de
fazer grande estrago em um carro, destruir casas ou de tocar fogo em florestas.
Chama atenção também a participação – pequena, mas marcante
para nós, brasileiros – de Du Moscovis, que entra meio sem aviso nem
explicação, atua quase como um figurante de luxo, aumentando ainda mais as
dúvidas do espectador. Há coisas no filme que o público desconfia, mas não
consegue ter certeza quando termina a
história. Para os que gostam desse tipo
de jogo, "Nona: Se Me Molham, Eu Os Queimo" é um prato cheio.
Por uma questão de justiça, registre-se também a atuação dos
demais que aparecem no filme: Gigi Reyes, Paula Dinamarca e Nancy Gomez, além
de outros, não atores, com participações irrisórias. Fora Josefina Ramirez e Du
Moscovis, ninguém mais se destaca na trama.
Pode ser que os cinéfilos mais ligados nos chamados filmes
de arte apreciem o longa e toda a simbologia que há embutida nele. Mas não se
trata de uma trama fácil de ser assimilada. Ao final da história, o espectador
fica sabendo, concretamente, que Nona se muda de Santiago para a cidade
costeira de Pichilemu, vive sozinha numa casa relativamente grande e com
quintal cheio de plantas, e que, entre outros detalhes, convive relativamente
bem com os constantes incêndios na sua vizinhança. Mais do que isso, impossível.
Ficha técnica Direção e Roteiro: Camila José Donoso Distribuição: Vitrine Filmes Países: Chile / Brasil / França / Coreia do Sul Duração: 1h26 Classificação: 12 anos Gêneros: Documentário / Ficção
Marco Pigossi é o policial ambiental que descobre criaturas
folclóricas vivendo entre os humanos (Fotos: Alisson Louback/Netflix)
Silvana Monteiro
Criada por Carlos Saldanha, a série "Cidade
Invisível", dirigida por Júlia Pacheco Jordão e Luis Carone, e roteirizada
por Raphael Draccon e Carolina Munhóz, lembra bastante o seriado "Once
Upon A Time" ("Era Uma Vez"). Enquanto a produção
norte-americana relaciona os contos de fada infantis, a produção brasileira
reúne em um espetacular enredo, as lendas populares do nosso folclore.
A série já encanta na abertura, que tende a envolver pela
confluência de imagens em uma composição que prende o olhar. Carlos Saldanha
consegue interligar comunidade ribeirinha, praia e ocupação urbana com muita
maestria, fazendo com o que telespectador reflita sobre a invisibilidade das
pessoas tanto no sentido figurado, quanto em sua real condição.
Outro ponto positivo de "Cidade Invisível" é que
os personagens que não levam os nomes específicos de suas lendas podem ser
interpretados à maneira local, pela leitura regional dos telespectadores. Como
por exemplo, a de Inês, vivida por Alessandra Negrini, e a de Tutu, interpretado
por Jimmy London. Afinal, o Brasil tem centenas de lendas e cada delas toma
características únicas.
Na história, Erick (Marco Pigossi) é um policial ambiental
casado com a ativista Gabriela (Julia Konrad) e pai de Luna (Manu Dieguez).
Durante os festejos em uma comunidade ribeirinha cercada pela Mata Atlântica,
na região metropolitana do Rio de Janeiro, onde Gabriela desenvolve algumas
atividades, uma tragédia vai por fim à tranquilidade familiar.
A partir desse ponto e do encontro de um boto rosa em praia
carioca, pai e filha se tornarão o foco de um enredo cheio de mistérios e
magia. A descoberta dessas criaturas folclóricas vivendo entre os humanos vai
levar Erick a buscar respostas para seu passado e fazer com que ele e sua filha
fiquem definitivamente ligados aos moradores do lugar.
Uma das boas surpresas da série é a interpretação do
Curupira entregue por Fábio Lago, um excelente ator que estava há tempos
ausente das produções. O experiente José Dumont também domina no papel de Ciço,
um ribeirinho que vive na pele as crenças e lendas de sua ilha de pescadores.
O
seriado também traz caras novas e com personagens que encantam pela
interpretação: Jessica Córes vive Camila, uma belíssima sereia negra, e Wesley
Guimarães, vivendo Isac, que dá vida ao Saci.
Fica aqui um ponto que vale reflexão: será que tudo que
vemos é realmente aquilo que acontece? Seriam os excluídos, minorias,
transeuntes e pessoas em situação de rua, seres especiais de uma "cidade
invisível"? Abra bem seus olhos e ouvidos e tente entender aquilo que nem
sempre parece o óbvio.
Ficha técnica: Direção: Carlos Saldanha Exibição: Netflix Duração: Média de 30 minutos por episódio (1ª Temporada - 7 episódios) Classificação: 16 anos País: Brasil Gêneros: Drama / Fantasia / Série de TV
Longa indiano acaba de chegar à Netflix com muito sucesso, abordando a luta de classes (Fotos: Netflix)
Mirtes Helena Scalioni
A desigualdade é gritante. Enquanto uns poucos se esbaldam em carrões, mansões e fartura, a maioria vive a miséria das ruas e a fome. Frequentemente, empresários bem-sucedidos entregam malas de dinheiro a políticos corruptos, num círculo perverso de troca de favores para manutenção das diferenças.
Nas periferias, os miseráveis que mal têm o que comer, são subjugados e, submetidos à violência, obrigados a pagar propinas a milicianos. Raramente, os políticos aparecem nos bairros pobres. A não ser, claro, nas vésperas das eleições, com discursos e promessas de melhorias que nunca acontecem. Eis aí um ambiente propício para o surgimento de figuras de ética duvidosa, que mentem, trapaceiam e não medem escrúpulos para vencer na vida.
Ao contrário do que parece, não se trata do Brasil. Pelo menos neste caso, o país em questão é a Índia, onde se passa “O Tigre Branco” ("The White Tiger"), contundente e festejado filme de Ramin Bahrani, americano de origem iraniana, cuja obra tem sido comparada ao premiado “Parasitas”. O longa acaba de chegar à Netflix com muito sucesso e tem, no cerne da história, a luta de classes possível numa situação em que os ricos já começam a disputa com milhões de pontos à frente dos pobres.
Baseado no livro homônimo do escritor indiano Aravind Adiga, o filme conta a trajetória de Balram Hawai (Adarsh Gourav), da infância em uma vila paupérrima da Índia, até chegar a empreendedor de sucesso em Bangalore, cidade de mais de 8 milhões de habitantes que é o centro tecnológico do país. Por mérito próprio, inteligência, sorte e malandragem, o menino pobre que vence na vida é comparado a um tigre branco, maravilha raríssima da natureza que só aparece no mundo a cada 20 anos.
A vida de Balram começa a mudar quando ele vai para a capital Deli para se tornar motorista de Ashok (Rajkummar Rao), filho de um empresário milionário e, claro, corrupto. Inteligente e convenientemente submisso, o empregado escuta segredos e aprende artimanhas enquanto conduz o patrãozinho e sua bela mulher Pink (Priyanka Chopra Jonas) pela cidade e estradas da Índia. O casal se apresenta como civilizadamente ocidentalizado, mas, quando convém, topa ser tradicional e seguir as regras da família.
Pode-se dizer, sem medo de errar, que o sucesso de “O Tigre Branco” vai além de uma boa história bem construída, roteirizada, filmada, editada e dirigida. As atuações são perfeitas e convincentes, principalmente a do protagonista. Impressiona a interpretação de Adarsh Gourav, excepcional em seu primeiro papel principal. Há momentos em que o espectador fica em dúvida: ele está sendo sincero?
Narrador em off da própria trajetória, recurso que nem sempre agrada, aqui a narração, os flashbacks e os comentários só enriquecem o filme, até porque a linguagem transita entre o sarcasmo, a sinceridade, a esperteza e a bem-vinda reflexão sobre a ética, seus limites e universalidade.
O final, meio brusco, não compromete “O Tigre Branco”, que constrói ao longo da história uma interessante metáfora com países como a Índia (e o Brasil): uma granja onde centenas de galos e galinhas estão engaiolados à espera de serem abatidos. As aves assistem diariamente a morte de seus iguais e, a não ser que consigam fugir, estão irremediavelmente condenadas como todos os que ali vivem.
Produção foi um dos destaques da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo (Fotos: Afonso Fucci/A2Filmes)
Maristela Bretas
Exibido no Festival de Berlim de 2020, "Minha Irmã" ("My Little Sister" ou "Schwesterlein") entrega um roteiro sensível, que emociona e faz refletir sobre expectativas de vida, realizações e relações familiares. Com direção e roteiro de Stéphanie Chuat e Véronique Reymond, a produção também foi um dos destaques da programação da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Apesar de não ter entrado na pré-lista de Melhor Filme Estrangeiro do Oscar 2021, este representante da Suíça merece concorrer a uma vaga.
O grande destaque está nas excelentes interpretações de Nina Hoss, como Lisa, e Lars Eidinger, como o irmão dela, Sven. Somados às atuações está a bela trilha sonora, composta por Christian Garcia, que conduz o drama como uma peça teatral. O longa tem como fundo os Alpes suíços, que oferecem uma atração à parte. A direção de fotografia soube explorar bem a luz, seja durante uma caminhada pela praça, dentro de um táxi ou no voo de asa delta.
O filme aborda a forte relação entre dois irmãos gêmeos, que chega a ser de dependência mútua, apesar de ambos terem seguido suas vidas em países diferentes. Lisa, uma mulher casada, desistiu de suas ambições como dramaturga em Berlim e se mudou para a Suíça com os dois filhos e o marido, que dirige uma escola internacional. Já Sven é a estrela do teatro Schaubühne, em Berlim. Até que ele adoece com leucemia e Lisa retorna à Alemanha para acompanhá-lo no tratamento.
A chegada da irmã dá forças a Sven para retomar a carreira, mas a doença se agrava e a relação dele com a mãe, sem esperanças quanto a uma cura, não ajuda muito. Lisa resolve levá-lo para a Suíça para esperar novos tratamentos e tentar, com o convívio com sua família, melhorar o emocional do irmão. Mas essa situação colocará em xeque seu casamento e a fará repensar sua vida conjugal e a carreira abandonada.
"Minha Irmã" é um filme que vale a pena ser visto. Até poucos dias atrás ele estava em exibição em várias salas de cinema pelo pais, inclusive em BH. Agora está disponível no formato digital, pelas plataformas de streaming Now, Google Play, Looke, Vivo Play, Microsoft Movies e Apple TV.
Ficha técnica: Direção e roteiro: Stéphanie Chuat, Véronique Reymond Distribuição: A2 Filmes Duração: 1h39 Países: Alemanha / Suíça Gênero: Drama Classificação: 14 anos Nota: 4